terça-feira, 20 de março de 2012

PE. CORREIA DA CUNHA E O EXAME DE GEOMETRIA

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“A geometria, pelas suas mãos, perdia toda a beleza das matérias insondáveis. Esta ciência, afinal, penetra todo o mundo em que vivemos.”



Com este meu modesto escrito pretendo revelar-vos uma pequena história sobre o exame de geometria do Reverendo Correia da Cunha. Se desfocada, peço desde já as minhas desculpas.



Nunca lhe ouvi falar desta disciplina, certamente porque devia estar de boa saúde, a desgraçadinha!



Segundo o seu condiscípulo Padre Teodoro Marques da Silva, o Correia da Cunha era um brilhante estudante com elevadas classificações em todas as cadeiras. Só o sentiu aflito e com algumas dificuldades na maldita geometria, onde aplicava todos os esforços para o não fazer passar por vergonhas no exame.



Naqueles tempos, o exame de geometria era assistido por um júri composto de um docente catedrático de matemática, que era o presidente, e dois professores da arte.



Naquele “maldito” dia, à hora marcada, lá estava reunido sobre o estrado da sala de exames do Seminário dos Olivais, o júri trajando as solenes togas negras.



Feita a chamada dos candidatos, os examinandos deveriam escrever num livro que estava sobre a mesa do júri, o seu nome, naturalidade e filiação.



Acabada esta inscrição, o primeiro na ordem da pauta era chamado para prestação da prova oral de geometria. Eram concedidos trinta minutos, marcados por ampulheta.



Chegada a hora, o jovem Correia da Cunha lá subiu ao tablado, onde se encontrava a enorme lousa negra para expressar os seus refulgentes raciocínios, sem contudo se deixar de preocupar com a operação mecanizada das areias da “bendita” ampulheta.



Pede-lhe o Presidente do Júri que desenhe um polígono.



De imediato, mas com a tranquilidade que o caracterizava, o Correia da Cunha foi para a ponta da lousa e passado algum tempo o quadro estava cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras, umas mais carregadas, outras mais leves, umas mais fáceis, outras mais custosas…



Os jurados estavam estupefactos com o que observavam, sendo o presidente do júri obrigado a interrogá-lo sobre todas aquelas linhas. Correia da Cunha naquele exacto momento dirigiu-se ao presidente e expressou:



- Com o devido respeito, informo que V.Exª não indicou o número de lados.



Perante esta resposta só restou aos mestres gravarem a enorme arte e sabedoria deste jovem examinando, tendo-lhe sido pedido então que desenhasse um triângulo.





O jovem seminarista Correia da Cunha aprendia depressa: algumas questões não tinham segredos para ele.



O Mistério da Trindade era representado com um triângulo. Era indício de um bom prenúncio.



Após a definição de Geometria, como a ciência que tem por objectivo a medida indirecta da extensão… A concepção de corpos geométricos força ao espírito a ideia de superfície, e este a ideia de linha, esta finalmente, a de ponto. O ponto é o elemento geométrico irredutível. A superfície é o limite do corpo geométrico, a linha é o limite da superfície.



Foi-lhe então perguntado o teorema da soma dos ângulos internos de um triângulo, que enunciou correctamente mas com a seguinte anotação: “ a demostração é defeituosa porque lança mão de quantidades infinitas, comparando-as com quantidades finitas”.



Na verdade com aquele pequeno estratagema das linhas, o tempo marcado pela ampulheta já estava definitivamente ultrapassado pelo que se teve de dar como terminada a prova oral de geometria do jovem seminarista.



Os membros do júri executam o juízo do exame e procedem à classificação do examinado. O resultado da nota foi cuidadosamente lançado no livro pelo secretário: 17 valores.





Como sabemos o Padre Correia da Cunha era mais um filósofo que um cientista, concluíra a sua formação imensamente satisfeito com a educação recebida no seu Seminário e afirmava que graças a essa educação ali recebida, lhe foram proporcionadas muitas respostas para as difíceis e importantes interrogações que a vida lhe foi colocando ao longo da vida.



O Padre Correia da Cunha acreditava que possuía dotes naturais mas a profunda fé, a crença na simbologia da Trindade terão contribuído muito mais para o final feliz do seu exame de geometria.



A sua modéstia não lhe permitia atribuir a si próprio as inspirações de uma nata sabedoria, mas sim a todos os seus grandes mestres que o acompanharam ao longo do seu percurso na naquela casa, que ele continuava a considerar sua.



Aproveito para uma vez mais recordar a figura de Mons. Pereira dos Reis, que deixou marcas indeléveis no coração de Padre Correia da Cunha que sempre o recordava como UM GRANDE HOMEM DA IGREJA.
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sexta-feira, 9 de março de 2012

PE. CORREIA DA CUNHA E OS CIGARROS















“ COMPANHEIRO SILENCIOSO – O CIGARRO – PARA UM AMENO PRAZER…”






O Padre Correia da Cunha acendia os cigarros e esticava o pensamento por aí afora certamente em busca de insondáveis e agradáveis sensações. As espirais de fumo espalhavam-se desenhando formas aerodinâmicas nos espaços vazios das muitas dependências paroquiais.



O meu pensamento de adolescente aprendiz e iniciante na arte de dar umas fumaças clandestinas, apanhava-me embaraçado com as “falsas” concepções de uma vida saudável. Colocando-me a mim próprio as seguintes interrogações: - Porque seria que o dedicado Padre Correia da Cunha homem de grande envergadura moral e intelectual, cuja vida era encontrar alívio para as misérias dos outros irmãos se entregava ao vício dos cigarros? Estes não buscariam colmatar-lhe as saudades do seu coração?



Tive ocasião de observar, durante o tempo que convivi com ele, que havia entre outras, duas coisas que lhe provocavam os maiores entusiasmos e lhe serviam de conforto: os livros e os cigarros. Como já por diversas vezes o referi, para o Padre Correia da Cunha, os primeiros eram os seus leais e inseparáveis conselheiros que o acautelavam do mal, engrandecendo-o e valorizando o infinito da Graça de Deus; os verdadeiros amigos íntimos que lhe indicavam as veredas do bem que deveria trilhar. Os segundos seriam os confidentes das agonias, os companheiros que o seguiam por todas as partes, na sociedade, na solidão, nas viagens, nos passeios, nos banquetes, nos cafés, nas ruas e nos campos.




Descobri com ele que os livros eram jardins preciosos, onde ele aspirava os perfumes de todas as estações; flores de todas as cores e matrizes, que embriagavam a visão da inteligência e saturavam o olfacto do espírito como doces e subtis fluidos. Os cigarros eram os fiéis enlevos que o distrairiam nas horas aborrecidas da existência e dos silêncios dos seus pesares.


Os livros eram os intérpretes, que falavam todas as línguas. Tocavam todas as inteligências. Eram uma cadeia mística que prendia as gerações passadas às presentes e futuras, poemas de todos os séculos, cofres de conhecimentos que nunca se esgotam.



Padre Correia da Cunha sempre com o cigarro na mão

Os cigarros eram os ímanes da juventude, a distracção do homem maduro, o recreio da velhice, o companheiro do estudante, o desafogo do soldado, a necessidade do marujo: tido por uns como um veneno, por outros como um costume salutar.



Os livros são monumentos e faróis da humanidade, o elixir mais eficaz para o mais pernicioso de todos os males, que é a ignorância.



Os cigarros adoçam muitas vezes os logros da existência, tiram-nos cuidados, descansa-nos o espírito, como que nos alivia o peso da vida


Os cigarros consumidos pelo Padre Correia da Cunha uns atrás de outros eram prazeres da nicotina. Tornava-se-lhe claro que esta sua dependência do princípio do prazer, era mais poderosa que o pensamento lógico da razão; pois sempre o ouvi afirmar milhares de vezes: - “deveria deixar esta porcaria”.



A vida é cheia de acontecimentos. E em cada acontecimento há um mundo complexo a desafiar a nossa infindável imaginação. É por isso que a nossa vida é muito semelhante à vida de um cigarro, que se vai extinguido pouco a pouco como os sonhos de um idealismo…restando apenas as cinzas.



E á semelhança do fumo que sobe do turíbulo não se sabe para onde, o Padre Correia da Cunha depositava na fumaça de cada cigarro uma mensagem… rogando a Deus que a solidariedade entre os homens, filhos do mesmo Pai, fosse uma realidade e não este revolto egoísmo provocado pelos prazeres.



Também nestas lides tenho seguido os bons (ou maus) conselhos do saudoso Padre Correia da Cunha, sem meditar nas consequências que daí possam advir.



Para mim ao menos assim tem sido!

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quinta-feira, 1 de março de 2012

PE. CORREIA DA CUNHA E O REGRESSO TRIUNFAL

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"A consciência do dever cumprido derrama na nossa alma doce alegria.”




A solenidade com que se revestiu Tenerife para honrar os marinheiros portugueses, assim como as manifestações de apreço da população, eram demonstrativas do ambiente de cordialidade e simpatia que os lusos marujos desfrutavam por estas paragens.


Ainda houve tempo de alguns elementos da guarnição espairecerem os seus sonhos românticos com um pé de dança ao ritmo sensual das músicas dos seus famosos cabarés: Rosaleda e Arrivederci Roma.

Para o Capelão Correia da Cunha, o tempo era de agradecimento e contemplação por tão grandioso feito. Só quem vive serpenteando nas ondas é capaz de compreender toda a grandeza do mar e as misérias humanas.



A noite era convidativa. Em amena cavaqueira, numa das belas esplanadas da cidade, o padre Correia da Cunha, o médico Félix António, o oficial Carlos Alvarenga e uma família local, conversam de forma prolongada, tendo regressado a bordo por volta das quatro horas da madrugada.


Ao Navio Escola «Sagres» não paravam de chegar as mais variadas mensagens de felicitações, provenientes de todos os lugares, e das quais destaco duas: a do então recente eleito Presidente da República, Contra Almirante Américo de Deus Rodrigues Tomás, que exprimia: “ Sua Excelência o Presidente da República muito se congratula com a vitória alcançada por esse navio” e a do Chefe do Estado-Maior da Armada, Vice-Almirante Guerreiro de Brito, que transcrevo: “Felicito com muita satisfação, comandante, oficiais e guarnição pelo brilhante triunfo alcançado e muito apreciado esforço desprendido”.



Nesta curta estadia de dois dias em Tenerife, ainda houve tempo para a tripulação da «Sagres» efectuar uma visita ao Navio Escola Norueguês, onde foi acolhida com agradáveis palavras de boas vindas e onde saudaram efusivamente a nossa Vitória.

O comandante, Capitão Tenente António Tengarrinha Pires, mostrou-se profundamente sensibilizado por esta demonstração de fair-play e não hesitou em convidar a tripulação norueguesa para uma visita de retribuição ao nosso Navio Escola.

O capelão Correia da Cunha considerava estes momentos como um privilégio para se aproveitar da sua vocação e gerar uma atmosfera de notável amizade, compreensão e sentimentos cristãos. Estou convicto que estas recepções entre “marujos” lhe ficaram indelevelmente gravadas na alma.




Finalmente o regresso a Lisboa, onde passados seis dias, fundeou o Navio Escola «Sagres» em frente do majestoso Terreiro do Paço para uma recepção triunfal.



Para esse cerimonial de acolhimento dos portugueses, o notável comandante Tengarrinha desembarcou de sobrecasaca, dragonas e chapéu armado, numa bonita galeota, a remos. No convés do navio e tendo como fundo o saudoso e adorável Tejo, todos os oficiais se deixavam fotografar para as fotos que ficariam para a posteridade.



Em inícios de Setembro, duas semanas depois da triunfal cerimónia de boas vindas a Lisboa, decorreu na pequena vila de Cascais o «Festival Náutico em Honra da Sagres II», organizado pela Associação Desportiva da Brigada Naval, Clube Naval de Cascais e Associação Naval de Lisboa, com o patrocínio da Federação Portuguesa de Vela.



Nesse festivo dia a «Sagres», ornamentada, encontrava-se ancorada na bela baía de Cascais. O Ministro da Marinha, Vice-Almirante Fernando de Quintanilha e Mendonça Dias, ofereceu a bordo um almoço à tripulação que contou com a honrosa presença do Presidente da República.



O local onde se encontrava fundeada a «Sagres» serviria demarcação da linha de partida para o disputado Troféu D. Pedro V, que compreendeu regatas nas classes dragão, star, sharpie’s e vouga. Este evento náutico integrou-se na Festa dos Pescadores, que constitui ainda hoje um dos costumes mais genuinamente cascarejos, pois a festa representa uma bênção lançada à pesca, tendo como cenário a foz do estuário do Tejo. Lembremo-nos que Cascais é ao mesmo tempo terra de reis e pescadores.



Naquele longínquo ano 1958, toda a população desta vila piscatória se associou à merecida Homenagem que o país prestou ao Navio Escola «Sagres» pela conquista da Regata Oceânica Brest – Las Palmas.



Para terminar aproveito para explanar a interrogação do Contra-Almirante Félix António:



 “Será que o Padre Correia da Cunha poderia ter tido uma carreira eclesiástica suficientemente preenchida, atractiva e até compensatória, sem ter ingressado nas fileiras da Marinha Portuguesa? “



Ao Exmº Sr. Contra-Almirante médico naval Joaquim dos Santos Félix António expresso o meu muito obrigado por ter possibilitado concretizar estes textos sobre a Regata Oceânica Brest-Las Palmas no ano 1958.

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