domingo, 21 de julho de 2013

PE CORREIA DA CUNHA E O SACRAMENTO DO MATRIMÓNIO











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“ Unindo-vos em matrimónio, ides prometer amor e fidelidade um ao outro. É por toda a vida que o prometeis.”

 

 

 

O Padre Correia da Cunha era um homem simples mas extraordinariamente feliz e cativante. Adorava ouvir e conviver com os seus paroquianos, desde a mais pequena criança ao mais idoso. Proporcionava a todos um ambiente de sã camaradagem expressa em gestos de grande amor e carinho fraterno, que considerava serem as missões primordiais de um clérigo. Conhecia os paroquianos pelos nomes e a todos tratava com o mesmo afecto.
 

Para o Padre Correia da Cunha, a fé era um dom de Deus, que tinha de ser alimentada permanentemente com uma forte relação de Amor com os irmãos em Cristo. O celibato não era um problema que o preocupasse e nem o entendia como uma obrigação da sua opção pelo sacerdócio.






 
A ordenação do Pe Correia da Cunha foi uma escolha livre e lúcida, para toda a vida, um dom de si próprio ao Senhor na fé, que exigia sobretudo generosidade e amor.

 

Reconhecia a profundidade da vida cristã, numa família ou sociedade, quando favorecessem o desabrochamento desse desejo de serviço à Igreja de Jesus Cristo (povo de Deus). Referia que foi DEUS que o chamou.

‘’ Ninguém tome esta honra para si mesmo, mas tão-somente quem é chamado por DEUS.”

 

A sua ordenação era um dom gratuito do Senhor.





Um dos Sacramentos em que Pe. Correia da Cunha muito se empenhava na sua preparação era o do Matrimónio. Nas celebrações matrimoniais, as suas homilias eram arrebatadoras. Como bom mestre de retórica começava: “Meus Queridos Irmãos, em Nosso Senhor Jesus Cristo, a mulher deve ser submissa ao seu marido, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja… (Ef.5,22-23).

 

Depois de uma longa pausa, agora, dirijo-me a todos os machistas, já de peito feito, aqui presentes. Muita atenção: o homem deve amar a sua mulher, como Cristo amou a Igreja e se entregou a si mesmo à morte por Ela. (Ef.5,22-32).

 

Sinceramente que não sei qual será mais alcançável. Depois falava da fidelidade, que dentro de momentos os noivos iriam jurar um ao outro. Dizendo: A fidelidade não é um sacramento. A sua observação é no entanto inseparável do matrimónio. A fidelidade é como a construção de uma grande Catedral, pedra sobre pedra, até atingir a sua verdadeira monumentalidade e grandiosa beleza. Se se tirar uma pedra, dificilmente a Catedral cairá mas se começarmos a retirar sucessivamente pedras…, desmorona-se como castelo de cartas.



A fidelidade conjugal é primeiro que tudo a lealdade mútua dos esposos ao contrato do matrimónio. Não deixava de lembrar: De sorte que já não são dois, mas uma só carne. Aquilo pois que Deus uniu não o separe o homem.
 
Quando Pe Correia da Cunha dava conta que o enorme grupo de convidados apenas esperava pelo grande momento de encher o bandulho, manifestando uma total indiferença e menosprezo ao cerimonial litúrgico, aproveitava este especial momento para efectuar uma rica e viva catequese.
 
 
A celebração da renovação dos votos do matrimónio, a todos os casais ali presentes, era efectuada logo após a manifestação solene do consentimento mútuo dos noivos.
 
 
 
Publicamente, com a união das mãos esses imensos casais tinham que pronunciar a fórmula improvisada pelo Pe. Correia da Cunha, relembrando as promessas efectuadas no dia dos seus matrimónios.
 
 
Por vezes, depois da bênção dos esposos, também haviam bênções particulares para os convidados. O matrimónio era uma festa, ocasião de regozijo e banquete, mas também oportunidade para uma catequese para aqueles que apenas entram pelas portas da igreja para estes eventos. O Padre Correia da Cunha apelidava estes cristãos de cristãos a três tempos (baptizados, casamentos e funerais).
 
 
 
Normalmente, estes convidados, pouco assíduos às práticas litúrgicas da Comunidade, eram atraídos para ficarem como meros espectadores encostados em posições descuradas nas balaustradas do monumento, assistindo indiferentes ao grandioso “espectáculo”.
 
 
O Pe Correia da Cunha ficava furioso com a postura destes incautos observadores, convidando-os a sentarem com a seguinte recomendação:
 
 
- Meus queridos amigos. Esta cerimónia não é um espectáculo tauromáquico. Um templo não é uma arena como a do Campo Pequeno! Nem eu sou o boi por estar vestido de preto, nem os noivos são os toureiros por envergarem estes pomposos trajes de gala…
 
Perante esta sua bombástica narrativa, todos se sentavam em rigoroso silêncio. O Pe Correia da Cunha ficava inesquecível para o resto das suas vidas, quer pela surpreendente e frontal agressividade de linguagem adquirida na sua vida de bom marujo, quer pelo ritual em que procurava implicar e tornar participativos todos os membros da cerimónia ali presentes.
 
A igreja de São Vicente de Fora à época era seleccionada para as cerimónias matrimoniais de muitos noivos de todos os bairros de Lisboa. O Pe Correia da Cunha era muito solicitado para presidir aos casamentos de muitos noivos da paróquia de São Vicente de Fora e não só. Recordo os imensos casamentos de oficiais da Marinha de Guerra por si oficializados.









Eram oportunidades de encanto e pedagogia catequética a que ninguém podia fugir, dada a sua preocupação em fazer que todos os presentes tomassem consciência dos ideais cristãos e do compromisso assumido publicamente pelos noivos. O Padre Correia da Cunha estendia também o Ritual a todos os casais presentes, levando-os a renovarem os votos no tocante à dignidade deste sacramento e na educação cristã dos filhos, frutos dessa união de amor abençoada por DEUS.

 

Ainda muito recentemente uma noiva, cujo casamento foi realizado pelo Padre Correia da Cunha, recordava as palavras duras de ouvir mas que ele não se recusava de pronunciar no último encontro com as noivas:

 

- Devem possuir a responsabilidade e perceberem que a união que vão realizar pelo sacramento é para toda a vida…

 
Que não deveriam aceitar esta opção matrimonial por tradição, porque a cerimónia é bonita ou para exibirem o lindo vestido como se de um espectáculo de Hollywood se tratasse.

O acto que vão concretizar muito em breve deve ser fruto de um livre consenso de um homem e mulher, cuja liberdade traduz a lucidez e o desejo de ambos. Não venham depois queixar-se que a Igreja é uma “merda” por não permitir o divórcio.


A indissolubilidade do sacramento depende somente da Lei Divina já que essa união está intrinsecamente na natureza da poderosa união com Deus.






A vida a dois somente se realiza quando houver uma comunhão interpessoal, uma comunicação real de vida. Isto supõe que os esposos se respeitem, um ao outro, na igualdade e dignidade da pessoa humana e possam encarar-se frente a frente como auxiliares mútuos. Esta comunhão une os dois ao ponto de se completarem como pessoas.

 

O homem e a mulher deixam certo dia a comunidade em que nasceram, a família, para fundar, juntos uma nova comunidade na qual eles poderão atingir o máximo da recíproca integração e união que os fará “ dois numa só carne”.

 

Tal comunidade chama-se matrimónio, referia o Padre Correia da Cunha. A graça deste sacramento não destrói a sua natureza, antes pelo contrário, a eleva. O matrimónio é, em primeiro lugar, uma realidade terrestre, colocada ao dispor dos homens pelo Criador independente de qualquer legislação civil ou religiosa. “ Deus criou o homem à sua imagem: criou-o à imagem de Deus: criou-o homem e mulher. Portanto não separe o homem o que Deus uniu.




















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terça-feira, 2 de julho de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA E A GASTRONOMIA













«Não se pode Evangelizar um faminto proclamando as virtudes do jejum.».

 
 

Por mais que façamos, não nos podemos livrar das mais elementares necessidades materiais que pesam sobre nós. Os alimentos que comemos, a água que bebemos, o sono que dormimos, o ar que respiramos, não dependem da nossa vontade, visto que nos são impostas como a própria vida, tendo nós de as acolher em total liberdade sem colocar qualquer objecção.

O Padre Correia da Cunha alheava-se das coisas terrenas, pois o seu pensamento estava direccionado para a contemplação, para as coisas do alto, para a cultura e para a arte do bem-fazer. Mas era categórico no seu discurso no tocante à gastronomia: «Não se pode Evangelizar um faminto proclamando as virtudes do jejum.».

 Quem assim pensasse não passaria de um charlatão e não o convenceria com essa filosofia barata ou sonhos de quimeras ilusórias. Para ele era inútil pregar moral a estômagos vazios.

O Padre Correia da Cunha fazia altos elogios à simplicidade da boa gastronomia que era entendida por ele como uma verdadeira obra de arte.

Mas salientava que a primeira condição para bem comer era o apetite espontâneo, não forçado, provocado ou incentivado… Tudo era bom e saboroso para si, quando a natureza e as suas leis imperam sobre cada um de nós.




 
 
Outra condição era a companhia; o Padre Correia da Cunha detestava comer sozinho, convidava sempre os dilectos discípulos ou fazia-se convidado pelos seus amigos paroquianos. Recordo aqui, que ele telefonava, sempre previamente, solicitando à dona da casa que se acrescentasse um pouco mais de água na panela da sopa. Era com imensa alegria que o Padre Correia da Cunha era sempre acolhido nas casas dos muitos amigos paroquianos.


 
 
Também preenchia todas as noites das quintas-feiras, num jantar com um grupo de amigos chegados; oficiais superiores do exército, membros das OGFE, da armada e personalidades de reconhecido mérito. Fazia-o por prazer intelectual, pois ali falava-se livremente de tudo. Todos reconheciam que o Padre Correia da Cunha pela sua inteligência e o seu saber se entusiasmava nas suas prelecções, mas também ninguém como ele sabia harmonizar os debates respeitando as diferenças das intervenções, servindo-se da indagação filosófica que elevava muito as discussões. As despesas destes jantares regulares eram rotativas e as faltas eram punidas com coimas.

O Padre Correia da Cunha frequentava e conhecia os melhores restaurantes de Lisboa, mas dava preferência aos que disponham de vista panorâmica sobre o seu amado Rio Tejo. Adorava conversar durante as refeições. Era um excelente conversador e tinha imensa facilidade de tratar de todos os temas culturais o que era um mérito do seu elevado estado de espírito.

O que era para o Padre Correia da Cunha má gastronomia? Um requintado serviço mas uma comida intragável que nem o bom vinho ajudava a disfarçar. A propósito de bons vinhos recordo que a selecção era sempre da sua exclusiva competência e fazia-o com uma enorme paixão das coisas belas e nobres. O vinho produzido pelo José Maria da Fonseca com a designação Piriquita, vinho frutado, era um dos seus mais emblemáticos merecendo a sua especial preferência.

 
 
 
Beber um bom vinho para ele era um elevado prazer espiritual e não propriamente para satisfazer um vício cego e tonto.

Trago à memória que quando a garrafa chegava à mesa e depois do habitual ritual de abertura com mil cuidados, como era exigido por ele, botava a boa pinga no copo. O Padre Correia da Cunha aproximava-o da boca para degustação e soltava esta exclamação: «abençoado sejas, pelo bem que fazes aos mortais!»

Estas refeições tomadas na companhia do saudoso Padre Correia da Cunha eram saudáveis acções de convívio, amizade e simplicidade em que cada um sem esforço se sentia restituído à sua pureza. É que um bom vinho inebria e fortalece os espíritos. Não sei a quem pertence esta frase mas ouvia repetidas vezes ao nosso clérigo: «Enche o teu copo e alivia a tua alma!»

O Padre Correia da Cunha, como na vida não esquecia nunca a simplicidade no comer, no beber, no vestir e até no pensar… A boa gastronomia inspirava-o na sua sociabilidade e no convívio com os homens seus irmãos.

Ele sabia que é à volta da mesa que o homem se realiza podendo assim contribuir para a busca das grandes verdades, da beleza do bem comum.

Não foi por mero acaso que a última ceia, teve para Jesus Cristo a definitiva consagração da sua Obra.



















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