quarta-feira, 1 de maio de 2019

PE. CORREIA DA CUNHA – ACÇÃO CATÓLICA XII E SEU IRMÃO














TRABALHO E MEMÓRIAS




O dia 1º de Maio é o dia do operário. Após a leitura atenta do texto da autoria do Padre Correia da Cunha, um incansável lutador pela harmonia social dos jovens operários jocistas, estou absolutamente de acordo que havia de instituir-se também neste dia áureo, a festa de Cristo Operário, cuja liturgia nos ajudasse a descobrir a grandeza da vocação do operário. 

O Padre Correia da Cunha nasceu a 24 de Setembro de 1917. Os seus pais eram José Cunha e Maria Amália Mendes Correia da Cunha foi o primeiro filho do casal que teve depois dele mais cinco.

Dentro do mês de Maio, está também o dia das mães. Recordo que quase todos os dias o Padre Correia da Cunha evocava sua adorável mãe Amália, que segundo as suas palavras, lhe deu: «o exemplo de uma fé firme, provada em cruz e dificuldades…» 

Hoje, sinto vontade de aqui evocar um grande operário: o seu irmão Lindorfe Ernesto Correia da Cunha, segundo filho do casal, nascido em Lisboa no dia 21 de Agosto do ano de 1919.

Lindorfe Correia da Cunha tinha como formação um curso na área da gestão comercial. Mas foi um destacado operário marceneiro. Muito jovem, após alguma experiencia laboral em outros domínios, fundou uma pequena marcenaria para fabrico de mobiliário, percursor na industrialização de móveis de alta qualidade que atestavam o seu qualificado profissionalismo. 

Poder escrever umas singelas palavras de homenagem a Lindorfe Correia da Cunha é para mim um grande privilégio. Não posso deixar de manifestar aqui a minha alegria e honra em poder estar no rol dos que tiveram a distinção de o terem conhecido. 

Penso que Lindorfe Correia da Cunha tinha a profunda consciência que o Zezito, seu irmão mais velho, teria nascido para o sacerdócio. Foi escolhido e predestinado por Deus para operário ao serviço da Igreja. O plano fosse ele humano ou divino, estava muito bem traçado, pois todos os que lutam por um ideal são operários, pois daí depende todo o desenvolvimento da progressão espiritual e humana da Comunidade. 

Pelo que me recordo, este seu irmão, era o mais próximo do Padre Correia da Cunha, pois quando chegavam as épocas festivas ou o aniversário do sacerdote, não perdia tempo para ir a São Vicente de Fora, dar-lhe um forte abraço. Se a amizade era tão boa e sincera era também porque havia compreensão entre eles. Honrado, dedicado, foi uma pessoa sempre presente na vida dos seus familiares e amigos.

Este seu irmão operário dedicou toda a sua vida na gestão da sua empresa que tinha a missão de transformar a madeira em arte. Sempre soube dar testemunhos da prática solidária, concretizada em actos de extrema simplicidade, como enviar operários da sua indústria para repararem os bancos corridos da igreja paroquial de São Vicente de Fora e restaurarem as peças de madeira sob a sua orientação, sem deixar de transparecer a sua profunda piedade.

Lindorfe Correia da Cunha transpôs para a sua fábrica valores intemporais, como o saber, a solidariedade, a dedicação, a perseverança, o humanismo e a integridade que tiveram presentes na sua génese e que conferiram à sua empresa um elevado prestígio, credibilidade e sucesso.

Foi na manhã do dia 6 de Janeiro de 1990 que o coração de Lindorfe Ernesto Correia da Cunha parou de bater para sempre, naquele que era um coração de homem. Deixou muitas saudades a toda sua família.

Como voam as lembranças! Se recordar é viver, estou revivendo uma época em que havia muitas coisas boas. É pois justo que preste esta merecida homenagem Lindorfe Correia da Cunha. Foi um competentíssimo e digno industrial da sua arte, que com a vontade, pragmatismo, disciplina, eficácia e honradez contribuiu para que soubesse compreender a profunda e exigente filosofia do saber e querer… 




Texto Padre Correia da Cunha

SENTIDO ORDINÁRIO E CATÓLICO DA PALAVRA: VOCAÇÃO

Esta palavra vocação é tomada na linguagem corrente e especialmente nos meios clericais como sinónimo exclusivo de chamamento divino ao estado religioso ou sacerdotal. Assim quando se diz: fulano tem vocação parece indicar-se que há-de ser sacerdote; não tem vocação está reduzido a permanecer numa vulgaridade obscura; como se Deus quisesse que o primeiro fosse uma alma de escol e o segundo um maltrapilho na economia divina. Muito diferente porém, o conceito de São Paulo sobre esta palavra a que Ele dá um sentido muito mais amplo em inúmeros passos de suas epistolas: «propositum Dei vocatur alius (Rom.), alius non vocatur, vocato datur gratuitum bonum…». Se Ele usa este termo num sentido universal, de maior largueza de vistas é porque certamente a vocação não é apanágio somente de umas santas almas de excepção. É porque cada um de nós é chamado especialmente e nomeadamente por Deus para a realização de seus altos desígnios. Priusquam te formarem in útero novi te nomine tuo… não são simples palavras da escritura aplicáveis só a Isaías ou a João Baptista mas também a cada um de nós que somos objecto de uma vocação particular como dum amor pessoal de Deus. A palavra de Nosso Senhor: Estote ergo vos perfecti, sicut Pater vester sit … não era só para os seus apóstolos mas para todos os cristãos.

Assim também as palavras de São Paulo indicam bem que todos os cristãos são chamados à perfeição. Seja pois qual for o caminho por onde tenham de andar, ou por onde a hajam de realizar, o que é certo é que todos são chamados à perfeição. Basta considerar um pouco a doutrina de São Paulo sobre o corpo místico. Assim como todos os membros são igualmente bons e uteis, assim neste corpo todos os membros devem ser bons, uteis, prestáveis alcançando a sua perfeição máxima para a perfeição total.

ASPECTO SOCIAL DA VIDA SOBRENATURAL

Não devemos considerar só na doutrina do Corpo Místico o aspecto individual mas também o aspecto social. Membros de Cristo somos membros uns dos outros. Portanto a nossa santificação não pode ser egoísta, mas cada um de nós santificar-se-á na medida em que desempenhar o papel para que Deus o criou, exercendo a função que desde toda a eternidade Deus lhe destinou no Corpo de Seu Filho. 

Pouco importa que seja um membro silencioso, apagado, sofredor, mortificado, ou activo, especializado, encarregue de comunicar ou transmitir a vida de Cristo, religioso, padre ou leigo, o que é preciso é que esteja onde Deus o quere. Para isso receberá todas as graças suficientes. Uns quis que: « Vnusquisque ut accepit gratiam, in alterutrum ministrantes, sicut boni dispensatores multiformis gratiae Dei».

A VOCAÇÃO JOCISTA

Poder-se-á com propriedade falar da vocação jocista, do papel providencial traçado por Deus a jovens operários cristãos de cujo perfeito e cabal desempenho resultará a sua santidade e a maior perfeição do Corpo Místico de Cristo? Sem dúvida nenhuma. 

Há almas, e são inumeráveis que Deus chama só para serem jovens operários cristãos e nada mais. Essas almas são destinadas a serem simples, pobres, a trabalharem, construírem um lar, louvando assim a Deus e construindo o edifício da sua perfeição e, cada um por sua parte e na sua humilde esfera completamos o corpo de Cristo. Não pode haver maior ambição do que esta unificação consciente com Jesus que foi o primeiro dos jovens operários cristãos. Conformes fieri imaginus Filis Dei!... E quem mais se aproxima do Filho de Deus, pelo aspecto exterior da sua vida, que aqueles que partilham com Ele da humilde vida de operário e da dignidade sublime de Filho de Deus? Ou não foram os pobres deste mundo que Deus escolheu para os enriquecer com a Fé e os tornar herdeiros do reino prometido por Ele aos que o amem? Como diz São Tiago! Na verdade há uma vocação jocista de posições e encargos bem determinados e de eminente dignidade quando é bem compreendida.


DEVEMOS PROCURAR QUE SEJA BEM COMPREENDIDA

Assim como o Santo Padre Pio XI instituiu a festa de Cristo Rei para proclamar bem alto contra o laicismo negador dos direitos de Cristo do nosso tempo, assim devemos trabalhar para que se estabeleça a Festa de Cristo Operário para a cristianização do trabalho. Será assim a liturgia mais um meio para nos ajudar a descobrir aos jocistas o sentido e grandeza de uma vocação. Será mais uma ocasião de mostrarmos a figura divina de Cristo Operário que quis não abaixar-se à humilde condição de trabalhador mas exaltar essa condição humilde a que pertence a maior parte dos homens. Não são pois os operários os desprotegidos da corte, os cristãos de zona inferior, não! Pelo contrário se há alguma aura é para eles o serem companheiros do Mestre. Não devem envergonhar-se por isso, da sua condição.

Não quere isto dizer que não trabalhem para melhorar a sua situação, mas que não queiram por mal compreendida honra, fugir do meio em que Deus os colocou e que Ele próprio para si escolheu.

E REALIZADA

Devemos confessar que a vocação jocista é difícil e árdua nos nossos tempos. Não nos devemos humilhar, por isso, a expô-la a fazê-la compreender mas também a realizar. Porque esta simples palavra jocista implica a descoberta e a conquista de si mesmo e no presente e para o futuro. Não ficarão sempre jovens, nem sempre jocistas os que hoje o são, por isso preparemos-lhe o futuro que terá uma influência já no presente. 

Como a vocação jocista é viver cristãmente a vida concreta do jovem trabalhador, ajudemo-los a descobrir, apreciar e a por em execução a excelência da sua vocação: a ver, julgar e agir sempre cristãmente.

O que Deus espera deles é que sejam sem mancha e simples como filhos de Deus que são irrepreensíveis no meio de um mundo perverso e corruptor, onde devem luzir como luzitas que tem em si o verbo da Vida! Como diazia São Paulo aos Filipenses.

EM MEIO DE UM MUNDO PERVERSO E CORRUMPIDO

Este mundo perverso e corrumpido é para o jovem operário o seu meio de trabalho: a oficina, lar, rua, distracções etc… Agora como sempre as paixões, triste herança do pecado original aumentado por taras ancestrais refervem nesses corações moços pondo-os em perigosas cumplicidades em contínuas solicitações.

Portanto a sua conquista de si mesmos será nosso meio e contra o meio. Há-de ser terrível. Mas nunca a graça de Deus falta à boa vontade, nem elas serão experimentadas acima das nossas forças. Nesta correspondência à graça pode haver elementos humanos que ocupam um lugar preponderante como a J.O.C.

Apesar da corrupção do meio em que devem estar mergulhados e contra o qual devem lutar não murmuremos um nos escandalizemos. Se Deus o destinou a respirar e viver esta atmosfera Anticristo é porque tem seus desígnios sobre eles e por eles sobre seus irmãos no trabalho. É porque os quere luzeiros em trevas espessas, portadores da palavra de salvação da boa-nova, fermento do mundo, luz e sal da terra.

Que a nossa vida brilhe como sol de verdade que é Deus iluminando esses infelizes que estão sentados na sombra da morte.

E já que o trabalho da santificação irá ressurgir naturalmente na vitalidade de todo o corpo social – corpo místico – os jocistas procuram pelo seu esforço de santificação pessoal o aperfeiçoamento e conversão da sociedade operária.

Que brilhem ainda pela simplicidade de vida; ela contribuirá para transformar o materialismo moderno, desconsolador da dignidade cristã. 





















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