quinta-feira, 23 de junho de 2011

PE. CORREIA DA CUNHA E O VERÃO

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VERÃO! OLHAR O MAR PARA ELE ERA POESIA. NÃO VIVIA SEM OLHAR PARA O MAR...




Estamos assinalar inquestionavelmente o início do Verão.


Nos anos 60 e 70, o Verão era para os jovens de São Vicente de Fora, meses de férias grandes e de veraneio. (Oh! Os veraneios!). O ponto de encontro de todos os jovens era as instalações da Paróquia, quando não se deslocavam para as “santas terrinhas” dos pais.


O Padre Correia da Cunha, possuidor de uma grande alma de marujo, nos meses de verão, tinha preferências arrebatadas: fugir das escaldantes atmosferas da sua amada paróquia e cidade, em busca de alguns refúgios, para observar o mar, onde podia esquecer o seu próprio esquecimento…Gostava do mar azul, com bastante sol. Não percebia como era possível sobreviver sem olhar o mar.



Possuía um imenso fascínio pela belíssima Estrada Marginal, que ao longo do Atlântico ia até Cascais, numa sucessão de elegantes e preciosas povoações, abrindo invejáveis panoramas. Esta maravilhosa e secular estrada era considerada por ele como uma das mais belas do mundo.


Verão! Olhar o mar para ele era poesia. À beira mar era um romântico que disfarçava a sua postura de integridade quotidiana que a sua incontestável opção de servidor sacerdotal colocara na sua alma.



Um passeio no seu velhinho mini-austin, por esta magnifica estrada, com pausa, num local com vista para o mar, para tomar e saborear uma bebida fresca, numa amena cavaqueira, era para si um forte momento de descanso.


As conversas à beira-mar eram ditames de pensamentos que a sua alma carregava e que os odores do mar tão bem sabiam libertar. Eram nestes diálogos que se modificavam e esclareciam por vezes muitas incertezas e confusões doutrinárias que amordaçavam as nossas emoções.






Nestes espaços reflectiam-se os outros que há em cada um de nós. Olhares discretos sobre a beleza da simplicidade feminina, que deseja sempre tornar ainda mais bela e que animava o nosso âmago e nos fazia sentir mais felizes. 

Ninguém como o Padre Correia da Cunha compreendia esta realidade humana e comportamental. Ainda guardo na memória a sua expressão: “que deveríamos olhar as mulheres num gesto de louvor e admiração como a mais perfeita obra da criação de Deus...”

Também dava preferência a um longo passeio no início das noites quentes, pelas largas ruas da Baixa Lisboeta e Chiado, tomando conhecimento das novidades literárias expostas nos escaparates das seculares livrarias.

Muitas vezes o acompanhei, com outros jovens, nestes passeios de longas horas. Foi nestes que aprendi, com ele, a saber viver as consequências que o destino divino coloca na vida de cada um.






Nessas idades, as nossas férteis imaginações confundem as variedades das concepções comuns, obstinadas com algumas enxurradas de filosofia que muita gente não compreendia, mas que o Padre Correia da Cunha tão bem sabia ler nos nossos subconscientes.


Sem matérias escolares para ocupar as nossas vidas, o Verão em São Vicente de Fora era um tempo para contemplação e para a realização de sonhos esparsos.


Visto a quarenta anos de distância parece um quotidiano triste, mas os jovens divertiam-se imenso.
No mês de Agosto, o  Padre Correia da Cunha retirava-se para a Alemanha Federal, onde procurava descansar e acompanhar de perto as inovações nas áreas da Liturgia e da Arte Sacra.


A hierarquia da Igreja Portuguesa encontrava-se demasiadamente acorrentada ao regime que a tornava muito abúlica.


Quando regressava vinha sempre entranhado de novas ideias e dinâmicas que procurava experimentar na sua Paróquia. Grande parte das alfaias, para os actos litúrgicos, era adquirida nesse país europeu. A singeleza e simplicidade das linhas atraíam o bom gosto de Padre Correia da Cunha.


Também a Igreja Católica Alemã era um modelo para superar os grandes desafios da modernidade, pois segundo o Padre Correia da Cunha dispunha de um conjunto efectivo de organizações que eram verdadeiros motores da doutrina social católica.


Na sua ausência, a calma e tranquilidade da Paróquia viravam numa agitação frenética da juventude irreverente, mas nunca era descorado o profissionalismo dos muitos jovens (cicerone), que se empenhavam no serviço de acompanhamento dos visitantes ao Mosteiro.


Recordo hoje, um cúmplice desse frenesi: o bondoso e saudoso Padre João Saraiva Diogo, que colaborava com oferta de baralhos de cartas e outros jogos, participando activamente com todos os jovens nesses tipos de actividades lúdicas. A maior referência deste sacerdote era viver o amor na alegria e na bondade em pessoa.


As novas sensações de Verão iam-se realizando e nós continuávamos a sonhar com o próximo Verão, na festa da vida.


Ainda hoje sentimos as recordações e as saudades que pairam nos nossos corações.


São essas vivências agitadas e inolvidáveis que influenciaram a nossa formação de homens livres e que deveríamos expressar carinhosamente neste blogue.



Não é demais referir que muito devemos a estes grandes PADRES.Homens enormes com quem convivíamos diariamente na Paróquia de São Vicente de Fora.
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sábado, 11 de junho de 2011

PE. CORREIA DA CUNHA E A NOITE DE STº ANTÓNIO

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ONDE ESTÁ O CHEIRINHO DAS SARDINHAS ASSADAS ?




Durante o mês de Junho pairava sobre o bairro de São Vicente de Fora um cheiro especial: o cheiro a sardinha assada.

Começava nos bairros históricos de Lisboa mas facilmente se espalhava por todos os outros, por todas as ruas, vielas e becos da cidade.

As festas populares de Lisboa não podiam passar sem que o Padre Correia da Cunha organizasse o seu belo e tradicional Arraial dos Santos Populares, na cerca do Mosteiro de São Vicente de Fora.

A preparação do arraial dos Santos Populares iniciava-se logo no início do mês de Junho. Erguiam-se os mastros, as barracas, as grinaldas e o coreto. As luzes, o festão e as bandeiras povoavam a Cerca do Mosteiro. O Padre Correia da Cunha, em colaboração com os paroquianos, tinha o recinto num autêntico “brinquinho” para os festejos. Era assim em São Vicente de Fora, onde os Santos Populares eram festejados à antiga portuguesa.






A sardinha assada era a grande rainha da festa. O seu cheirinho espalhava-se por aquele enorme espaço ao som de Amália Rodrigues, que interpretava as marchas Populares, fazendo o Padre Correia da Cunha questão de difundir a voz divinal da sua amada fadista, com a ajuda das enormes colunas da sua notável aparelhagem.

Este odor gostoso da sardinha assada ia de Alfama ao Bairro Alto e Campo Grande, onde a Feira Popular era um braseiro constante de tisnar as belas e frescas sardinhas, frangos e pimentos, entre muitos outros.

O Padre Correia da Cunha referia que Lisboa, na noite de Santo António, não podia ter outro cheiro senão o da sardinha assada em confronto com o dos vasos do manjerico.

Na Paróquia de São Vicente de Fora em de Lisboa não havia na noite de Santo António espaço onde coubesse um alfinete, quanto mais um automóvel. O Padre Correia da Cunha adorava este deslumbrante espectáculo popular, onde não faltavam os ingénuos tronos de Santo António, os festões, a música popular, os manjericos e os “comes e bebes”.





Lembro que o Padre Correia da Cunha sempre procedia solenemente à bênção e inauguração do trono de Santo António, na sede do grupo recreativo da Calçada de São Vicente: “Academia Recreativa Leais Amigos”, que ainda onde hoje organiza a marcha da freguesia de São Vicente.

Para ele o importante era que o povo se divertisse, que os jovens pudessem dar largas à sua alegria, dentro claro dos limites da boa ordem.
A missão de “policiar” era da sua conta. Quando surgia ali algum folião provocador, originando distúrbios, o Padre Correia da Cunha agarrava-o de imediato pelos colarinhos e colocava-o no exterior do recinto com um valente par de bofetadas, garantindo assim que não houvesse tormentos inúteis, pois o arraial era espaço de encontro marcado com a sã convivência e muita alegria e reinação.

Bem agarradinhos, mas claro com todo o respeito, para não parecer mal, as raparigas de mini saias, com os seus belos cabelos compridos e os rapazes, com elegantes camisas, gravatas de seda e com os cabelos penteados, dançavam no grandioso baile, brotando um outro cheiro: o dos perfumes da moda.

Muitos amigos de Padre Correia da Cunha, colocados em altas posições sociais, marcavam com as suas presenças, estes animados arraiais dos Santos Populares da Paróquia de São Vicente de Fora, pois sabiam que o produto destes festejos se destinava aos serviços de beneficência da comunidade paroquial, que tantas dificuldades apresentava, dado o Padre Correia da Cunha teimosamente nunca cobrar emolumentos pelos serviços religiosos. A Graça Divina não podia ter preço!



O CORVO VICENTE



Há quem traga ainda hoje à memória, de que o Padre Correia da Cunha se candidatou para ir à frente da Marcha de São Vicente, no desfile pela Avenida da Liberdade, com o seu afeiçoado corvo Vicente, ao ombro, pulando ao som do cavalinho da marcha.

Todos reconheciam a sua alma foliona e onde houvesse sardinha assada, caldo verde, pastéis de bacalhau, pão saloio, chouriço, pataniscas e bom vinho a jorrar nas jarras, a noite era prolongada até ao romper do dia.









Porém, em São Vicente de Fora, o Padre Correia da Cunha não celebrava apenas os Santos Populares, como também o grande magusto de São Martinho, a quadra Natalícia, com teatro nas escadarias da igreja e concursos de presépios, o dia do Santo Padroeiro e o final do ano catequístico, com passeios e piqueniques pelas mais belas regiões do país. 

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quarta-feira, 1 de junho de 2011

PE. CORREIA DA CUNHA, UM RETRATO (VI)

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“Amar é conhecer! Amar é escolher! O amor consiste em querer o bem do outro!” PCC




A cada dia que passava, milhares de casais noivos dirigiam-se à Paróquia de São Vicente de Fora, para ali concretizarem o grande sonho de construir um novo lar.

Padre Correia da Cunha, com o objectivo de ajudar esses jovens a construírem a sua felicidade na nova vida que queriam abraçar, organizava CPM’s (Cursos de Preparação para o Matrimónio).

A finalidade destes Cursos eram ajudar os noivos a tornarem-se casais unidos e cristãos. Nessas reuniões reflectia-se com eles sobre todas as realidades do casamento e difundiam-se os princípios fundamentais da espiritualidade conjugal.

Como pastor, Padre Correia da Cunha não podia deixar de ter esta enorme preocupação: orientar e ajudar estes jovens casais no seu desenvolvimento humano e cristão. Para ele, os noivos deveriam ser mais que simplesmente namorados. Deveriam ser futuros construtores de um lar estável, harmonioso, feliz e criador.

Na organização destes cursos havia uma estrutura de um grupo de trabalho: Padre Correia da Cunha, como assistente, e grupos de casais, com a responsabilidade de dirigir e animar esses frutuosos encontros. Quero hoje aqui recordar alguns desses casais que tanto contribuíram para o êxito destes cursos com o seu agradável testemunho de um matrimónio de verdadeiro Amor: Carlos Diamantino e esposa, Carlos Barradas e esposa, Casimiro Ferreira e esposa, Dr. Gomes da Silva e esposa, Dr. Abílio Fernandes e esposa, entre muitos outros.





Todos os noivos eram convidados a frequentarem os Cursos, devendo fazê-lo livre e espontaneamente, sem serem forçados. Porém, diga-se que Padre Correia da Cunha explorava habilmente a sede de felicidade que todos os noivos demonstram para motivá-los a participarem no CPM.

Todos diziam sim à chamada. A sua preocupação era ajudar a formar e transformar, procurando transmitir a convicção de que é possível ser deveras feliz e ter êxito no casamento, apesar da fraqueza humana e das dificuldades que iriam surgir pela vida fora.

Para o Padre Correia da Cunha não havia temas tabu, tudo ali era abordado desde Psicologia masculina e feminina, harmonia e vida sexual, o casamento no plano de Deus, vida e lar. A participação activa dos noivos era considerada por ele como fundamental.

Para a temática sexual era sempre convidado um casal de médicos. Padre Correia da Cunha como toda a sua natural frontalidade também gostava de meter a colherada na temática sexual pois, para ele, o sexo era muito importante como realidade humana e as relações sexuais não eram meros actos físicos; eram manifestações genuínas de amor e doação mútua.

A sua linguagem era muito acessível para os noivos. Nestas reuniões, mantinha os noivos num clima de saudável optimismo e bom humor, mas sem deturpar a verdade. Sempre se dirigia aos noivos como seus amigos e desejando realmente ajudá-los a realizar a sua felicidade, lembrando e insistindo muito sobre a importância do diálogo entre eles. Acrescentava: “Uma flor muito bela, se não for regada com todo o carinho diariamente, rapidamente morrerá. A água do casamento é o diálogo permanentemente.”


O encerramento dos Cursos de Preparação para o Matrimónio era sempre celebrado com uma grandiosa festa, nos claustros do Mosteiro. Reinava um ambiente de uma enorme e verdadeira amizade entre todos os participantes.

O Padre Correia da Cunha encarregava-se da preparação do beberete, onde nos frios não poderiam nunca faltar os seus predilectos pastéis de bacalhau. Eram ricos os menus destes jantares volantes e regados com uma boa pinga. Padre Correia da Cunha não dispensava um bom vinho. Degustar um bom vinho era um sublime ritual que ele nunca recusava.

Festa sem boa música também não era festa. A música era seleccionada para que os noivos não resistissem a um bom passo de dança. Recordo que as festas daquele tempo eram feitas de muitas riquezas, onde nunca faltava o respeito entre todos. O espírito era de fraterno ambiente cristão.
Todos os corações estavam alegres e reinava sempre uma alegria estrondosa entre todos os casais de noivos. No final deste fraterno convívio despediam-se, denunciando nos seus olhos uma plena felicidade. Creio mesmo que muitos casais mantiveram contactos douradores pelas suas vidas fora.


Também no tempo de Padre Correia da Cunha, havia na Paróquia de São Vicente de Fora, eventos e cerimónias nupciais de empolgante e rara beleza que mantenho inolvidáveis na minha memória.

Aquele templo era suplicado por muitos “marujos” para cenário dos seus casamentos. Admiradores do Capelão Correia da Cunha, não poderiam de deixar de o convidar para celebrante de tão nobre e inesquecível momento das suas vidas. A celebração de um matrimónio canónico era um momento marcante por excelência, como sabemos é uma decisão que compromete a vida dos noivos para sempre.

Assisti a centenas de Liturgias de Matrimónio celebrada por Padre Correia da Cunha para os seus amigos da armada.


Depois da Missa do meio-dia ninguém arredava pé, caso se constatasse que um oficial da marinha ia casar. A igreja magnificamente engalanada com belas flores povoava-se de muitos convidados. Entre os convidados destacavam-se os camaradas de curso da Escola Naval. Os que não estavam presentes andariam certamente pelo mar longínquo ao serviço da armada, com o sacrifício das suas vidas em prol da Pátria.

Depois de cumpridos os rituais religiosos da longa cerimónia, à porta da majestosa igreja, formavam-se nas harmoniosas escadarias, duas longas filas de oficiais da armada, que quando pressentiam a saída dos noivos, desembainhavam as espadas, que dois a dois cruzavam no ar.
Cumpria-se uma velha tradição. Os recém-casados passavam debaixo daquelas espadas reluzentes e nuas no simbolismo protector de que, sem limites, poderiam contar com a lealdade e solidariedade fraterna dos camaradas de armas.


O copo de água era um serviço rico. Os “marujos” animados, com as suas fardas de gala, que os raios solares reflectiam em brilho das bordaduras e dragonas douradas, colocavam no ambiente uma nota de realeza e júbilo, assim como uma ambiência de afectuosa e sã convivência.

A certa altura o Capelão Correia da Cunha levantava um brinde, com champanhe francês de boa marca para elogiar os noivos e desejar-lhes um futuro pleno de felicidade e muito amor, aproveitando para lhes recordar a homilia, onde fizera um eloquente discurso de Felicidade: “O casamento não é mais do que uma longa viagem marítima, em que ambos embarcaram num navio e largaram através do mar da vida num destino comum.”

Quem não recorda as longas homilias de Padre Correia da Cunha que mais pareciam lições de marinhagem:




Quando o mar é sereno, tudo corre bem, mas, por vezes desencadeiam-se ondas bravias, são as tempestades da vida.
O bom “marujo” tem de ter mão firme no leme e em colaboração íntima com ela vencer o temporal, como comandante que escolheu as rotas e vigia os rumos. Ela, como “zeladora pelo navio”, assim como o imediato, é responsável pelo aspecto impecável da embarcação. Mas não há felicidade a bordo sem o entendimento perfeito de ambos. Só a sua acção conjunta garante a chegada final ao porto de destino.”


Continua…
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