sexta-feira, 31 de julho de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA E OS RITOS

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‘’…guardei a fé. Só me resta a coroa de glória’’






Padre Correia da Cunha, com já referi, era um grande liturgista. Não podemos esquecer que foi um dedicado discípulo de Mons. Pereira dos Reis, reitor do Seminário de Cristo Rei – Olivais, que o marcaria para sempre nessa temática. Era assinante de todas as publicações, nacionais e estrangeiras, sobre liturgia pastoral, desenvolvendo pesquisas na perspectiva de as introduzir na Comunidade Paroquial e com elas formar todos os seus membros.

Todos os sinais litúrgicos nos eram explicados minuciosamente por Padre Correia da Cunha, pois tinha a convicção que não poderíamos aderir aquilo que não conhecíamos. Padre Correia da Cunha referia que vivíamos numa sociedade, onde éramos permanentemente bombardeados com símbolos e sinais de todas as espécies … A Liturgia Cristã socorria-se de sinais e praxes para nos ajudar a compreender e a vivermos as verdades mais profundas.

Lembro-me da pedagogia utilizada pelo Pe. Correia da Cunha nos intróitos que sempre fazia antes de proceder à administração de um sinal, associando-o sempre à vida real. Perguntando: para que serve a água? Para que serve o sal? Par que serve a luz? Para que servem os óleos? Para que serve o pão?

Estas reflexões muito simples permitiam que se apreendesse, de uma forma intuitiva, a essência dos sinais e a razões que levaram a igreja adoptá-los nos ritos litúrgicos.

Lembro-me de lhe ter ouvido dizer: ’’Se entrasse numa igreja, pela primeira vez, sem ter um mínimo de conhecimento do acto litúrgico, as imagens que ficariam na sua mente seriam: Um palhaço faz-tudo, vestido com veste compridas até aos pés e um enorme grupo de espectadores tristes com comportamentos tipo robot. Quando um se levanta, todos se levantam e não se entende o que dizem…’’

Os actos litúrgicos para Padre Correia da Cunha tinham que ser participativos. As celebrações só eram válidas se compreendidas por todos os presentes. A vivência da igreja estava muito ligada à maneira com celebra e se exprime através dos ritos litúrgicos.







COMEMORAÇÃO VICENTINA DOS ’AMIGOS DE LISBOA’’



Conferência, na sede, pelo PADRE CORREIA DA CUNHA, no dia do Padroeiro da Cidade em 1954




VII PARTE





Não será novidade para ninguém a afirmação de que a Liturgia católica, no que diz respeito ao cerimonial de que se revestem todos os seus actos, não é obra definitivamente estabelecida por Cristo ou rapidamente formada pelos Apóstolos. É trabalho de muitas gerações cristãs, que se vem fixando desde os tempos apostólicos e enriquecendo através dos séculos com a experiência da Igreja, sob a inspiração divina.

O mistério ou sacramento, por outras palavras, o núcleo da acção sagrada é de instituição divina de Cristo; mas o seu quadro ritual o conjunto de cerimónias que emolduram essa acção central, é obra da Cristandade, sob moção do Espírito Santo.


Não é de estranhar, pois, que principalmente nos primeiros tempos, e até ainda hoje, tenham existido e existam ritos diferentes para a celebração dos mesmos mistérios.

Os três primeiros séculos foram tempos de vida atribulada em que os mistérios e os mártires do Cristianismo eram celebrados a ocultas. Não podiam estabelecer-se formas rígidas de culto. No entanto, quer no Oriente, quer no Ocidente, surgem normas litúrgicas mais ou menos generalizadas, que rapidamente se divulgam pelos dois impérios.

No ocidente, a Liturgia de Roma, como era natural, serve de modelo e norma a todas as igrejas. Dada, porém a relativa independência de acção e, sobretudo, o período de formação do cerimonial, aparecem diversas formas litúrgicas com características locais e próprias, embora radicadas no Rito Romano e formando com ele uma família. As mais notáveis são a Liturgia Galicana, a Liturgia Milanesa ou Ambrosiana, e a Liturgia Romano-Visigótica, mais conhecida, ainda que impropriamente, pelos nomes de «Mosarábica».

Só mais tarde S. Gregório Magno esboça e depois Carlos Magno consegue levar a cabo a tentativa de unificação das liturgias ocidentais. Os esforços então enviados e posteriormente seguidos, após muitos trabalhos e lutas, alcançam, embora não por completo, o almejado fim. Alguns ritos persistem, impostos pelas tradições que tinham, pela beleza das suas formas e pela riqueza do seu simbolismo.


Deles, os principais são o Milanês e o Romano-Visigótico; este ainda vivo em Toledo e nalgumas igrejas de Espanha, e aquele em Milão e em diversas igrejas circunvizinhas.



Não pretendi fazer aqui um resumo histórico da evolução dos Ritos, mas julguei dever tentar este esboço e explicação para que VV. Exªas. Pudessem mais facilmente avaliar da profunda e geral devoção que os nossos maiores consagraram oficialmente ao nosso Santo Diácono.

Até ao século VII, portanto durante três séculos, após o martírio de S. Vicente, a Liturgia Romana prestou ao invicto mártir, a mesma consagração que aos grandes Diáconos Santo Estêvão e S. Lourenço. MAIS AINDA: os textos da Missa arranjados expressamente para a celebração litúrgica de S. Vicente, foram depois servir para a de qualquer outro santo mártir. Mas, nos finais daquele século, chega a Roma o corpo de um santo monge presa, Anastácio de sua graça, que, em Jerusalém, no ano 528, na perseguição de Cósroés, deu o sangue pela Fé de Cristo. Justo era que a memória deste mártir, também glorioso, fosse evocada pela Cristandade. E então a MISSA DE SÃO VICENTE, que até essa altura era a Missa Laetábitur, foi substituída pela missa Intret in conspectu tuo, própria para comemorar vários mártires.

Com a divulgação do Rito Romano todo o Ocidente vai adoptando também esta Missa, excepção feita para as igrejas em que o culto do Mártir de Saragoça era mais fervoroso ou que tinham por Padroeiro o Santo Diácono. O mesmo sucedeu nalgumas Ordens Religiosas, como a Dominicana, que na celebração do Santo, ainda hoje conservam a missa Loetabitur.

Exceptuam-se ainda é claro, os lugares onde substituíram os antigos ritos, como Milanesa e a Mosarábica.


Nalgumas outras Igrejas ainda, embora tenham adoptado o Rito de Roma, por motivos de especial devoção, o Santo Diácono é celebrado com uma missa própria, com textos expressamente escolhidos.

Sirva de exemplo, a católica Espanha, Pátria do Santo, que lhe consagra uma Missa, de textos tão sabiamente arranjados e tão inspiradamente escolhidos, que não resisto á tentação de citar.

Nos cânticos dessa Missa, fala-se constantemente no grande combate em que, com a graça de Deus, o glorioso Mártir justificou seu nome. Eis alguns exemplos:

Intróito - « O Senhor deparou-lhe um grande combate, mas para que ele saísse vencedor. Acompanhou-o no sofrimento e na prisão não o abandonou».

O Gradual, cantando a sua heroicidade na luta, cita as palavras de S. Paulo:

«Combati o bom combate; terminei a minha carreira; guardei a fé. Só me resta a coroa de glória».

E no verso é ainda o Santo quem refere o sentido do seu martírio:

«Cristo será engrandecido no meu corpo, tanto na vida como na morte!»

Nos outros cânticos – verso aleluiático, trato e ofertório – fala-se do triunfo do Santo que, por ser vencedor, será revestido da veste branca da imortalidade. O trecho da Epístola é aquele passo do Apocalipse em S. João, numa visão grandiosa, descreve Deus a recompensar o vencedor e que em latim começa os diversos períodos com as palavras VINCENTI dabo – onde se vê alusão clara ao nome do nosso Mártir.

Tais são os formosos textos que hoje se rezam em toda a Espanha do Rito Romano.

Nos Ritos Milanês e Mosaárabe, aliás muito semelhante não só porque no fundo conservam muitas das primitivas formas do velho Rito de Roma, mas ainda porque entre as duas Igrejas houve intenso intercâmbio cultural, social e litúrgico, tem S. Vicente uma consagração muito especial.

Não me foi possível consultar os textos litúrgicos desses Ritos, embora os tivesse pedido a livrarias da especialidade. Todavia, o hino de Prudêncio (sec. V) e as sequências de Adão de S. Vítor (sec. XI), transcritos por D. Guéranger no seu célebre Anné Liturgique, dar-nos-ão já uma ideia da pompa e da beleza com que neles é celebrado o invicto Mártir.

Lamenta aquele sábio e santo monge não poder dar no seu livro toda a bela poesia de Prudêncio. Que não hei-de dizer eu que, apesar de toda a boa vontade, só posso oferecer a VV. Exªs. a tradução de algumas das suas quadras? Faço-o, porém, e em verso (embora de pé – quebrado), para que VV. Exªs. possam fazer ao menos uma pálida ideia do suave perfume de tão deliciosos néctar:

Vicente, Mártir Santo,
Este dia é radioso,
Pois nele ganhaste a palma
De um martírio glorioso.

Porque em tal dia venceste
O carrasco e o tirano,
Cristo te leva aos Céus,
Vitorioso e ufano.

Hoje ao lado dos Anjos
Tua veste resplandece,
Foi lavada no teu sangue,
Por isso, bela aparece.

Levita da tribo sacra,
Ministro do Santo Altar,
És coluna da Igreja
Que ajudaste a triunfar.

Em vida triunfador,
Na morte vitorioso,
Não te deixaste dobrar
Pelo tirano orgulhoso.

Ó Mártir, por tuas dores,
Escuta os devotos teus:
- Sê para nós pecadores
Advogado junto a Deus.



E aqui têm VV. Exas. Uma pobre amostra do culto de S.Vicente nos cultos mosarábicos e ambrosiano. Quem quiser apreciar as belas sequências de Adão de S.Vitor facilmente as encontrará no citado livro de D. Guéranger.

E entre nós (que é o que mais interessa), que se passa no que respeita ao culto litúrgico de São Vicente?

Após a reconquista cristã da nossa terra – autêntica cruzada contra a moirama – o Rito Romano, pois já haviam realizado as tentativas de unificação dos Ritos, a que atrás aludi.

É, porém, natural que os cristãos, espalhados pelos territórios ocupados pelos Árabes praticassem a Liturgia Romano-Visigótica, tanto mais que o IV Concílio de Toledo, no ano 633, impusera aquele Rito a todas as Espanhas, salvo á região bracarense, que conservava o velho Rito de Roma, ainda não reformado.

De resto, devido á falta de contacto com a capital do Cristianismo, o Rito Romano-Visigótico teria conseguido manter-se vivo. Pelo que podemos concluir que os Mosárabes mantinham o Culto Romano-Visigótico.


A cruzada de reconquista ia, no entanto, impondo o Rito Romano já unificado.

No que se refere, porém, a S. Vicente, é de crer que o Rito em que o Santo era celebrado, continuasse a ser o Romano-Visigótico, que, certamente, se manteve até 1775, pelo menos.

A quem tenha mais tempo e paciência deixo o cuidado de procurar documentação decisiva sobre esta tese. Creio, porém, poder afirmar-se com toda a segurança que, pelo menos, na Capela de S. Vicente da Sé Patriarcal de Lisboa, o invicto Padroeiro da Capital era celebrado neste Rito Romano-Visigótico ou Mosarábico.


Texto de Padre José Correia da Cunha


Continua...




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sábado, 25 de julho de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA E S.VICENTE NA LITURGIA

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VICENTE, MÁRTIR SANTO, ESTE DIA É RADIOSO!




Padre José Correia da Cunha dava grande ênfase à Celebração Litúrgica em memória de São Vicente. Como grande especialista na área da Liturgia, o dia 22 de Janeiro, dia da morte do santo, era magnificamente celebrado na Paróquia de São Vicente de Fora. Recorria a todos os meios para que essa data ficasse gravada na memória de todos os paroquianos, desde a decoração do templo, com magníficos arranjos florais, aos paramentos de cor vermelha, com bordados a ouro, e um rito por si seleccionado para esse grandioso e radioso dia. Obviamente que os cânticos não eram esquecidos. Que beleza!

O dia de São Vicente, na sua paróquia, era feriado ‘‘paroquial ‘‘. Eram convidados para as magnificentes festas em honra do mártir de sua eleição, todos os paroquianos assim como todos os lisboetas que sempre manifestaram carinhosa devoção ao grande Padroeiro da sua querida Cidade. Como Padre Correia da Cunha referia, foi São Vicente que levou Lisboa à pia baptismal e a tornou cristã.

O encerramento do festivo dia terminava com um grandioso e ímpar Concerto de Órgão confiado a um dos maestros das suas amizades, que se deslocava a Lisboa de propósito para corresponder ao convite inegável do seu carinhoso e afável amigo.

Todos os membros dos mais variados movimentos paroquiais estavam presentes nestas imemoráveis celebrações, que enchiam de grandes bênçãos as nossas vidas. Tudo hoje é diferente… até o templo se mantém encerrado.










COMEMORAÇÃO VICENTINA DOS ’AMIGOS DE LISBOA’’






Conferência, na sede, pelo PADRE CORREIA DA CUNHA, no dia do Padroeiro da Cidade em 1954








VI PARTE








D. Guéranger, o sábio monge de S. Bento, renovador do espírito e dos estudos litúrgicos, diz que S. Vicente não pertence apenas às Espanhas, mas a toda a Igreja. Com Santo Estêvão e S. Lourenço, o Mártir Saragoçano faz parte do triunvirato glorioso de Levitas que regaram generosamente com o próprio sangue a sementeira da Fé.

Por isso, como vimos, foi S. Vicente honrado pela Cristandade logo após o seu martírio e bem depressa a Liturgia sancionou este culto popular, pois, ciosa como é da glória dos seus santos, não podia esquecer quem, com tanta galhardia e fé dera a vida por Cristo.

E, assim, logo que se divulga no Ocidente a popular forma litúrgica das Ladainhas, no primeiro quartel do século IV, o nome de S. Vicente aparece junto aos dos outros dois célebres Diáconos, sendo invocados devotamente nestas orações oficiais do culto, pois, como é do conhecimento geral, as Ladainhas dos Santos são cantadas nas grandes procissões litúrgicas e noutras cerimónias religiosas.

Nos Martirológios em que a Cristandade vai registando os nomes de seus heróis, logo nos primeiros séculos, aparece também o nome glorioso de S.Vicente. Esses livros que, pouco a pouco, se vão compilando por toda a parte, formando martirológios locais, dão mais tarde origem ao Célebre Martirológio Romano (de carácter geral) aprovado pelo Papa Gregório XIII, em 1854, a pedido do nosso Rei Magnânimo D. João V.

Actualmente ainda este Martirológio Romano é lido, dia a dia, no Ofício Divino, à hora de Prima, para que os cristãos de hoje, recordando as grandes figuras de santidade da Igreja, nelas vejam exemplos a seguir e advogados a quem recorrer.

Mas a maior consagração litúrgica dos heróis da Fé Cristã, está na celebração da Missa e no canto do Ofício Divino. É nestes actos fundamentais da Liturgia que devemos ver até que ponto foi a devoção oficial da Igreja ao nosso Santo Patrono.


Texto de Padre José Correia da Cunha


Continua…
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sábado, 18 de julho de 2009

PE.CORREIA DA CUNHA E A DEVOÇÃO A SÃO VICENTE

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‘‘ LISBOA É AFILHADA DE SÃO VICENTE ‘’




Sinto que ao publicar, hoje, a quinta parte da Conferência Comemorativa Vicentina dos Amigos de Lisboa, de Padre Correia da Cunha, no ano 1954, este acto contribui para a preservação da sua indelével memória e dos grandes valor defendidos por si ao longo da sua fulgente vida sacerdotal.

Todos nós que servimos com total dedicação a Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora, ao longo dos anos que Pe. Correia da Cunha era o seu líder, alguns por mais do que uma geração, revemo-nos na profunda devoção de Padre Correia da Cunha pelo Mártir São Vicente que era carinhosamente o seu padroeiro de eleição.


Essa devoção a um jovem santo que ‘’não fugiu com o rabo à seringa ‘’, quando teve de dar testemunho da sua verdade e da fé em Jesus Cristo, despertava em todos os jovens de São Vicente de Fora, discípulos de Padre Correia da Cunha, o fortalecimento do espírito criador, da memória contra o esquecimento daqueles que por ideais da razão e da fé se entregavam às grandes causas dos direitos humanos, na busca da verdade, da justiça e do amor solidário entre irmãos que tinham um PAI COMUM.



Padre Correia da Cunha proclamava que o Cristianismo, não era só o conjunto de ensinamentos de tratados teológicos ou filosóficos…, mas sobretudo uma vida que se vive todos dias em prol dos irmãos, que resumia: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei! (João 15-9)








COMEMORAÇÃO VICENTINA DOS ’AMIGOS DE LISBOA’’


Conferência, na sede, pelo PADRE CORREIA DA CUNHA, no dia do Padroeiro da Cidade em 1954



V PARTE






D. Afonso Henriques tem conhecimento de tudo isto por informações de alguns presos moçárabes que, durante o domínio sarraceno, se mantiveram fiéis à
fé de Cristo e à devoção ao Santo Diácono. Por tal motivo promove a trasladação das veneradas relíquias para Lisboa, pouco depois da sua conquista.

Condizentes com as descrições dos Cronistas são os versos do Épico:


…Do Mártir Vicente
O Santíssimo Corpo venerado
Do Sacro Promontório conhecido
À cidade Ulisseia foi trazido


A 15 de Setembro de 1175, por um braço de mar que do Tejo ali subia, chega o corpo do Santo Mártir ás chamadas portas de S.Vicente, pouco mais ou menos onde é hoje o Arco do Marquês de Alegrete. Pernoitou na igreja de Santa Justa e Rufina e foi no dia seguinte levado, em grandiosa procissão, para a Sé Catedral. É por esta razão que tanto o Patriarcado de Lisboa como o Bispado do Algarve celebra, deste tempos imemoriais, a festa da trasladação do Santo.


Como ficou dito, prometera D. Afonso Henriques levantar um templo a S. Vicente. E, se bem o pensou, melhor o fez. No local da antiga enfermaria e cemitério dos Cruzados, o grande Rei lança a primeira pedra com toda a solenidade, e, em breve, surge a magnífica igreja e o grandioso mosteiro, que logo confia aos piedosos varões da Regra de Santo Agostinho chamados Cónegos Regrantes.

Afilhada de S. Vicente, LISBOA inteira consagra, desde logo, carinhosa devoção ao seu Santo Patrono. Festeja a chegada do seu corpo com solenidade, como se viu. E depois, pelos tempos fora, beija-lhe as relíquias com religioso respeito, ao menos uma vez por ano; pede-lhe a bênção com filial ternura; inscreve a Nau e os Corvos do Padrinho nas Armas da Cidade, nos cunhais das casas, nos frontispícios das fontes e monumentos; tributa-lhes foros; esculpe-lhes imagens; reconstrói-lhe o templo; levanta-lhe altares; acende-lhes círios; faz-lhe promessas; roga-lhe favores, e santifica o seu dia natalício (não esqueçamos que o dia natalício de um Santo é o dia do seu martírio), guardando-se de trabalhos servis e festejando o seu Padroeiro com toda a alegria, entusiasmo e fervor.


E a propósito: Dizem que para não arruinar a economia da Nação é que se aboliu este e outros dias santificados. Mas a verdade é que nem por isso se vê grande trabalho feito. Acaso trabalhariam menos os Portugueses que deram novos mundos ao Mundo e – que mais – novas estrelas? Acaso hoje se constroem padrões de imortal glória como a Torre de S. Vicente em Belém, ou se pintam painéis maravilhosos como os de Nuno Gonçalves?
Como os tempos mudaram!... E até no culto Litúrgico, valha a verdade.



Texto de Padre José Correia da Cunha


Continua…


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segunda-feira, 13 de julho de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA E O SEU MÁRTIR

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‘’VENI, VINCENTTI ACEPI CORONAM QUAM TIBI DOMINUS ‘’





Padre José Correia da Cunha, pároco na Paróquia de São Vicente de Fora, em Lisboa, entre 1960 e 1977, foi além de um brilhante padre diocesano, um pedagogo, um mestre e um enorme amigo que marcou sucessivas gerações de jovens na Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora.
Todos lamentamos imenso que não tenha deixado obra escrita sobre os seus infindáveis conhecimentos em áreas como: filosofia da cultura, liturgia, história das religiões, cultura clássica, arte e teologia da espiritualidade do mistério da Incarnação, havendo uma tradução sua da autoria do grande teólogo francês Paul Bourgy.

A transcrição desta quarta parte da sua conferência, sobre o Santo Padroeiro de Lisboa, realizada em 1954 na sede dos Amigos de Lisboa, reflecte a vastidão e densidade de conhecimento sobre a vida do grande jovem mártir de Saragoça, que velava pela sua paróquia e que era modelo de virtudes para todos os jovens da Paróquia de São Vicente de Fora.








COMEMORAÇÃO VICENTINA DOS ’AMIGOS DE LISBOA’’




Conferência, na sede, pelo PADRE CORREIA DA CUNHA, no dia do Padroeiro da Cidade em 1954






IV PARTE








Pois para quem não tiver bem presentes os traços principais da vida de S. Vicente, aí vai:

‘’ VINCENTIUS OSCAE IN HISPÁNIA CITERIORE NATUS A PRIMA AETATE STUDIIS DEDITUS SACRAS LITERAS A VALERIO CAESARAUGUSTANO EPISCOPO DIDICIT… ET RELIQUA’’


Assim começa a lição do Segundo Nocturno do Oficio do Santo.
Que esta lição não mente, é coisa assegurada pelos eruditos trabalhos dos Padres Bolandistas; dos historiadores, como Florez, na Espana Sagrada: por documentos coevos, como as Acta Martyrum; pela rápida expansão do culto do Santo; e ainda pela consagração litúrgica, logo a partir do Sec. IV.

Ei-la, em resumo, a vida do grande Mártir:

Aragonês era, e em Saragoça foi ungido com óleo da fé e da virtude (diz Menendez y Pelayo, na sua História de los Hetorodoxos).
Seus pais, Eutrício e Enola, cedo o consagraram a Deus, deixando que ele abraçasse a vida eclesiástica. Fez seus estudos guiado por Valério, Bispo daquela cidade. Recebeu as ordens de Diácono, e, como tal, ministro do Evangelho, foi encarregado do múnus da pregação, tanto mais que o Bispo sofria de grave defeito físico na fala.


Qual fosse o zelo do Jovem Levita e a eloquência da sua palavra, fácil será de supor a julgar pelos requintes de crueldade de que Daciano, ao tempo Prefeito das Espanhas, usou para com o invicto defensor da Fé.

Pagão da força de Diocleciano, sob cujas ordens servia, jurou este Prefeito afogar em sangue a cristandade hispânica. Para tanto, ordenou e moveu a mais cruel perseguição de que há memória.

Como até ele chegasse a notícia das conversões operadas pelo apostólico Diácono, manda-o prender juntamente com o velho Bispo Valério. Carregados de grilhões, são metidos nas imundas masmorras de Valência. E, certo dia, em que Daciano interpela o Santo Bispo e Diácono, de sangue na guelra, não resiste e dirige ao seu Prelado estas palavras: ‘’ Não fales submisso a esse tirano! Fala-lhe com alma, e pede a Deus que esmague a sua soberba! ‘‘

Perante uma atitude destas, Daciano inflige ao grande Levita toda a espécie de torturas. Foi apedrejado, lançado numa grelha de ferro em brasa; dilaceraram-lhe o corpo com raspas e lâminas candentes, atiraram-no para a prisão repleta de objectos cortantes e perfurantes.

A tudo resiste o invicto Vencedor, que tanto quer dizer Vicente. E como prémio de tanta heroicidade, Deus o coroa de uma auréola de luz sobrenatural.

Sabedor disto, o tirano raivoso muda de táctica e vai tentar o herói com falinhas mansas, acenando-lhe com delicias e mimos. Mas a constância do mártir é inalterável. Nada o demove da Fé de CRISTO por quem, finalmente, dá a vida aos onze dias das calendas de Fevereiro (ou seja a 22 de Janeiro) do ano da Graça de 304.

Seu corpo ficou algum tempo insepulto, tal era o ódio que não foi possível praticar-se obra tão humana. Mas uns corvos o guardaram e defenderam dos cães, dos lobos e de aves de rapina. Furioso, o tirano manda lançá-lo ao mar, mas as ondas trazem-no á praia, sempre guardado pelos corvos.

Finalmente, a ocultas, alma cristã lhe dá sepultura.
Pouco depois, oito anos precisamente, Constantino publica o célebre Edito de Milão, em que reconhece à Igreja de Cristo foros de cidade. A Cristandade respira livremente. Organiza o seu culto e não esquece os seus Mártires. S.Vicente é dos primeiros a receber as honras litúrgicas, após as perseguições. E facilmente se divulga e espalha a devoção a tão heróico Santo.

Mais tarde, a Península dos Visigodos, baptizada e civilizada pela acção da Igreja, cai nas mãos dos Sarracenos. Esmorece e quase morre a vida da Cristandade hispânica. No entanto, apesar de tudo, o fogo da vida cristã não se apaga por completo, e as tradições são guardadas religiosamente.

Segundo uma destas tradições (de que aliás restam vários documentos, tanto cristãos como árabes. Veja-se Lisboa Antiga de J. Castilho), quando ABD-ER-RAHAM, respirando ódio feroz, arrasa Valência a ferro e fogo, nos anos de 755 e 788, o corpo do glorioso Mártir, sempre acompanhado dos corvos, é trazido devotamente por uns fugitivos para a Ponta de Sagres ou Promontório Sacro. Por isso, é hoje chamado Cabo de S. Vicente e Cabo dos Corvos.

Texto de Padre José Correia da Cunha

Continua…


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sábado, 11 de julho de 2009

ALA DOS AMIGOS DE PE. CORREIA DA CUNHA

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Os amigos que partiram…






IN MEMORIAM


MANUEL MOURATO QUARESMA


1954 -2004





Manuel Mourato Quaresma era do Alentejo, mais propriamente da Aldeia Nova de São Bento (entretanto elevada a Vila), em Serpa, Distrito de Beja. Nasceu no dia 4 de Outubro de 1954. Frequentou a Catequese Paroquial, foi acólito e quando jovem frequentava assiduamente a Comunidade de São Vicente de Fora, onde foi instruído pelos sábios conselhos e sobretudo testemunho de vida de Padre Correia da Cunha. Recordamos Manuel Quaresma na sua radiosa juventude pelo empenho que colocava na actividade de cicerone do Mosteiro. Possuidor de um fluente inglês e francês, Manuel granjeava naturalmente simpatia e amizade de muitas das turistas que ali se deslocavam, sendo muitas vezes advertido pelo Reverendo, em estilo ousado, com a célebre frase de Cervantes: “O Homem é de fogo, a mulher de estopa; o diabo chega e sopra.”

Como amigo era verdadeiro e sincero, muito alegre e era um orgulho privar e conviver com ele. Era muito generoso, ajudando nos estudos todos aqueles que a ele recorriam para explicações das várias disciplinas dos estudos liceais. Há época Manuel Quaresma frequentava o Liceu Nacional de Gil Vicente.


É na Federação Portuguesa de Futebol, na Praça da Alegria, que iniciou a sua actividade profissional no ano em que falecia o seu amigo e pároco Pe. Correia da Cunha. Serviu com total dedicação e lealdade durante cerca de três décadas essa prestigiada instituição do futebol português.

A sua determinação e a imensa capacidade de trabalho, levou-o exercer com elevado brio altos cargos na FPF que o conduziram a colaborar na preparação daquele que foi unanimemente reconhecido como o melhor Campeonato da Europa.

A funesta madrugada de 11 de Julho de 2004 foi fatal. Manuel Quaresma faleceu subitamente. Deixou a sua memória que hoje recordamos pela sã amizade e pelo resplandecente coração que possuía, ao lado de um brilhante profissionalismo que não queremos nem podemos esquecer.

Quero deixar esta homenagem em aberto para os comentários de muitos dos seus afectuosos amigos vivos, que deverão aproveitar assim para prestarem a este saudoso e grande amigo, que em todos deixou um enorme sentimento de perda e tristeza, o merecido tributo.


São Vicente de Fora guarda-o em seu coração! Deixou em todos muitas saudades.


RECEBEI, SENHOR, NO REINO DOS JUSTOS O NOSSO IRMÃO.

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terça-feira, 7 de julho de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA, O MESTRE

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SÃO VICENTE E AS TRADIÇÕES LISBOETAS



Todos reconhecíamos que ele era um verdadeiro e indiscutível mestre, no melhor sentido da palavra, um grande formador de homens. Mas durante toda a sua vida manifestava estar convencido do seu próprio nada, do seu próprio demérito; interrogando-se como era possível a grandeza da graça divina o ter enchido com tanta riqueza e ter elegido o seu coração pecaminoso para nos ajudar a preparar a felicidade, respeitando em cada um de nós a Liberdade de filhos de Deus.


A Liberdade para Pe. Correia da Cunha era um património que se trazia com a entrada neste mundo. O Estado podia fazer a injustiça de impedir o uso desse direito sagrado mas não o podia retirar.

Transcrever hoje a terceira parte da Conferência sobre o seu Santo de eleição, SÃO VICENTE, é permitir que muitos possam ampliar os seus conhecimentos com aquilo que hoje herdámos dos seus escritos e conferências. Todos temos muita pena de não haver espólio escrito sobre as suas magníficas, polémicas e inflamadas homílias que originavam acaloradas discussões por longas horas, retirando Pe Correia da Cunha sempre a suprema conclusão: ‘’os nossos conhecimentos eram imperfeitos e que o homem errava; engano porém seria depreciar por causa disto todos os nossos conhecimentos…’’












COMEMORAÇÃO VICENTINA DOS ’AMIGOS DE LISBOA’’



Conferência, na sede, pelo PADRE CORREIA DA CUNHA, no dia do Padroeiro da Cidade em 1954

III PARTE








A Lisboa nada falta, nem sequer aquela aura misteriosa de ter sido princesa mourisca, conquistada à Fé Cristã por valente e pundonoroso cavaleiro.

Quando D. Afonso Henriques a tomou à sua conta esta Menina e Moça (e não foi lá com duas cantigas: que os tiranos, que a dominavam, a não queriam largar por nada, e muito menos à mão de Deus Padre…), mas enfim, quando ele conseguiu tê-la a são e salvo, pensou logo baptizá-la para a fazer cristã, e (claro está) arranjou-lhe padrinhos, pois quem não tem padrinhos morre mouro.

E assim foi.

Depois de tomar posse da cidade, a 25 de Outubro de 1147 (como rezam as Crónicas e o comprova o profundo estudo do Sr. Dr. Augusto de Oliveira) e depois de pôr tudo em ordem, o grande Rei tratou de levar Lisboa à Pia Baptismal.

No dia 1º de Novembro desse mesmo ano, organizou-se luzidia procissão do Castelo até á Mesquita Maior, para transformar esse templo de Mafoma em Igreja de Cristo, et ipso factu, baptizar a Princesinha.



E tanto que Lisboa se tomou (escreve Duarte Nunes de Lião na sua crónica dos Reis de Portugal) El-Rei com todos os cristãos, com solene e devota procissão, foi à Mesquita Maior, que ora é a Sé: e depois de mundificada dos sacrifícios que nela se faziam a Mafamede, os bispos e sacerdotes revestidos entraram nela cantando o cântico TE DEUM LAUDAMUS. E depois de consagrada e dedicada à Virgem Santa Maria Nossa Senhora, se celebraram nela os ofícios divinos e se disse Missa solene, e se nomeou por SÉ CATEDRAL…

António Coelho Gasco, na Primeira Parte das antiguidades da Muy Nobre Cidade de Lisboa, descreve com mais pormenores ainda esta solene procissão. E todos os cronistas e historiadores, que se ocuparam do assunto, concordam com a descrição do cronista citado e a confirmam (1).


(1) – Conf. Nicolau de Oliveira, in Grandezas de Lisboa: Damião de Góis, descripção de Lisboa; D. Rodrigo da Cunha, História Ecclesiástica de Lisboa: Faria e Sousa, Epítome das Histórias Portuguesas; Pe. Jorge Cardoso, Agiológio Lusitano, etc.

E pelo que dizem, se conclui que a Madrinha da cidade foi a Virgem Santa Maria Nossa Senhora. Do Padrinho já nem falam, pois toda a gente o sabia e eles já o haviam dito. É que, segundo o testemunho unânime de todas as crónicas e histórias de Lisboa, Afonso Henriques já contava com S.Vicente, para apadrinhar a Moça. De onde se pode inferir, sem receio de enganos, que foi o Mártir S. Vicente quem levou a Menina á Pia Baptismal, pegou na vela acesa e lhe poisou a dextra sobre os ombros delicados, como quem aceita satisfeito as responsabilidades de encaminhar a neófita pelos novos trilhos da Vida Cristã e de a proteger em todos os combates. Aliás, Ele fora Diácono da Santa Igreja; cumpria-lhe o ofício de Baptizar. Não podia portanto, declinar o convite.

D. Afonso Henriques convidara-o ainda antes de ter a Menina a seu recato.

Dizem os biógrafos da nossa Lisboa, todos os já citados e ainda Osberno, na sua célebre carta, e o anónimo autor do Indicullum Fundationis Monasterii Snti Vincentii, que o nosso primeiro Rei determinara se reservassem dois terrenos nos montes fronteiriços á cidade, um a ocidente para cemitério dos cruzados anglo-saxões que morressem mártires da fé, e outro a oriente para tratamento e sepultura dos teutões e flamengos, que adoecessem ou morressem nas mesmas circunstâncias.

Dizem ainda os mesmos cronistas que o Rei fizera voto de mandar erigir um templo em cada um desses locais. No do poente uma igreja a Nossa Senhora dos Mártires; no levante uma outra igreja e mosteiro a glorioso Mártir S. Vicente. De modo que não há sombra de dúvida acerca desta verdade: - Se Nossa Senhora é a Madrinha, S. Vicente é o Padrinho da cidade de Lisboa.


Da Virgem Mãe de Jesus todos conhecem a vida e a sua acção protectora. Mas do invicto Padrinho desta Menina-Cidade é que …talvez…

Texto de Padre José Correia da Cunha

Continua ...


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quarta-feira, 1 de julho de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA, AMOR A LISBOA

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COMO EU GOSTO DE LISBOA!




O Padre Correia da Cunha tinha um compromisso de amor com a cidade que o viu nascer. Esta segunda parte da sua conferência, realizada em 22 de Janeiro do ano de 1954, no Palácio da Mitra em Lisboa, é um testamento dessa sua relação espiritual e de uma enorme paixão pela MUI NOBRE E SEMPRE LEAL CIDADE DE LISBOA.

Evocar este texto do Padre José Correia da Cunha é tornar presente aqueles diálogos entre si e os seus discípulos, onde eram sempre exaltados os encantos sublimes desta nossa querida e amada Lisboa. Para o Padre Correia da Cunha, pela sua localização, São Vicente de Fora era e estava no seu coração…sempre afagado pela voz ‘’divinal’’ e harmoniosa da sua e nossa inesquecível Amália!


Com olhar de confiança no futuro e nesta foto que mostra a sua paróquia, a Junta de Freguesia de São Vicente de Fora terá de perpetuar um dia uma Homenagem Pública este seu grande servidor que foi o Padre Correia da Cunha.


Quero renovar no dia do aniversário de Amália Rodrigues (?), o compromisso em prosseguir convosco a missão de não esquecermos as memórias destas duas distinta e marcantes personalidades.









COMEMORAÇÃO VICENTINA DOS «AMIGOS DE LISBOA»



Conferência, na sede, pelo PADRE CORREIA DA CUNHA, no dia do Padroeiro da Cidade em 1954

II PARTE





Quanta vez, entrando a barra, eu não senti a graça do seu perfil, o calor do seu olhar, o encantamento da sua luz, a sedução da sua voz! É que Lisboa tem perfil de sereia, uma luz diáfana e quente uma voz fresca de rapariga.


Ainda há pouco, vindo de Nova Iorque, cidade do barulho e da enormidade, onde tudo nos esmaga e nos arranha (pois se até arranha-céus…), eu senti a deliciosa fascinação da nossa Lisboa.

Não será bonito, mas manda a verdade que se diga. A mim vieram-me as lágrimas aos olhos, quando às oito da manhã (Ela acordara cedo para nos saudar), Lisboa me sorriu e disse: - ‘’ Bem-vindo sejas, Amigo! ‘’… e a luz do seu olhar beijou meus olhos.

Não se julgue, porém, que isto se deu só comigo. Não! Todos os camaradas do Aviso Gonçalves Zarco viveram a mesma alegria. Se o não dizem, é só por acanhamentos…


Como eu gosto de Lisboa!


Quanta vez, fazendo a ronda dos bairros, eu não sinto mais orgulho dos meus pergaminhos de Lisboeta!
Gosto tanto de a ver de perto…
Airosa Menina e Moça, é sempre gentil e formosa, quer calce as tamanquinhas e, de canastra à cabeça, vá da Ribeira à Madragoa apregoando – ‘’ Viva da Costa’’ – quer se fique horas perdidas junto ás portas da Rua da Regueira ou do Largo da Adiça, como senhora comadre, contando histórias da carochinha.

É sempre bela Lisboa!

No Bairro Alto é fadista; em S. Vicente, fidalga; na velha Alfama é marinheira; na Graça e Arroios é garrida; em Alcântara e Xabregas, operária, no Castelo é Princesinha; na Madragoa, varina; nas Avenidas, donzela, na Estrela, Senhora-Dona; e, quando fora
de portas, tem rebitesas saloias.

Em toda a parte sorri; em todas as ruas canta; em todo o lado moureja (jeito que lhe ficou de pequena). E, quando, pela tardinha, desce o Chiado catita, Lisboa é ‘’Flor d’Altura’’ – ‘’vai formosa e não segura! …’’.

Se a figurinha delicada e airosa de Lisboa assim nos cativa, qual não será o nosso encantamento perante a beleza das suas lendas, tradições e história, dessas três irmãs Siamesas que tecem com todo o enlevo o manto auri fulgente desta Rainha de ontem, de hoje e de sempre?

Como eu gosto de Lisboa, da sua história, das suas tradições, das suas lendas, da sua alma, enfim, sobre a qual pairou sempre e paira ainda a bênção do Senhor!

Ou não será expressão da verdade a poesia do nosso saudoso Irmão, Noberto de Araújo, que nós trauteámos com altivo entusiasmo:

Lisboa nasceu,
Pertinho do Céu,
Toda embalada na Fé.
Lavou-se no Rio
- Ai, ai , ai Menina,
Foi baptizada na Sé!



É verdade, é sim, Senhores! Lisboa é obra da graça de Deus!

Em cada página da sua multissecular biografia, como em Livro de Horas, há iluminuras cristãs, registos de santos, perfis de torres e de igrejas, imagens de devoção e altares de ex-votos. Sempre e a cada passo se encontra o Crisma do Sinal da Cruz e em cada pedra a sigla do Cristianismo.

A Fé Cristã de Lisboa a manifestar-se através dos tempos, nas igrejas, nas procissões, nas devoções populares e nas solenidades litúrgicas, que belo tema para ser desenvolvido!...

Foi essa vida de Fé que a fez grande.

Há anos, falsos amigos quiseram tirar-lhe esse espírito cristão.
Mas, graças a Deus, se conseguiram dar-lhe os ares de Virgem Louca, não conseguiram, por mais que o intentassem, apagar-lhe a lâmpada da Fé que recebera no Baptismo.

Mas não falemos em coisas tristes.

E perdoem-me VV. Exªas. Se me demorei muito a falar-lhes do meu embevecimento perante esta cidade de magia. Decerto, terão razão para dizer, com Virgílio: ‘’Jam satis prata biberunt ‘’ E passemos adiante, pois V.V.Exas querem ouvir falar do Santo Padroeiro da Cidade, cujo é o festivo dia de hoje.



Texto de Padre José Correia da Cunha





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