sábado, 23 de fevereiro de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA E A QUARESMA












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Não encaravam sacrifícios para o bem-estar dos seus…

 

 

O tempo quaresmal na Paróquia de São Vicente de Fora era o período privilegiado para a oração, recolhimento e silêncio. 

 

Com o início da liturgia das cinzas, o cenário do majestoso e luzidio templo era transformado pelo Padre Correia da Cunha num ambiente suavemente sombrio. Todas as imagens e crucifixos eram cobertas por amplos panos roxos e negros. Todos os sinais que manifestassem alegria ou festa eram retirados, assim como eram suprimidas as toalhas ornamentais, flores, frontais de altar e os fortes holofotes. Recordo que inclusivamente a voz dos sinos era quebrada para dar lugar às solenidades do tempo da paixão. As campainhas, lavradas a prata, das celebrações eucarísticas eram substituídas por matracas.

 


Todo este ambiente era propício à meditação. Na capela do Santíssimo, vários genuflexórios cobertos de ricos roxos panos eram colocados para o murmúrio das longas orações.

 


Os cheiros fortes, das nuvens de incenso, eram difundidos em profusão pelos resplandecentes turíbulos de prata lavrada, ascendendo em direcção ao alto como que unindo as súplica dos fiéis a Deus.

 


Com esta descrição, estou a estimular as emoções da minha infância vivida na companhia do Padre Correia da Cunha, naquele magnífico espaço que era a Igreja Paroquial de São Vicente de Fora. Na realidade, foi ali que muitos jovens viveram e despertaram para os nobres sentimentos cristãos.

Era nesse clima, com a ajuda do Padre Correia da Cunha, que cada um de nós em espírito de reflexão, ia esgravatando a sua consciência e exercitando a busca de novos comportamentos perante Deus, os outros e consigo próprio.




IN MEMORIAM

 

MANUEL NUNES DOMINGOS

 

(1921-2013)

 

 

Foi também na manhã quaresmal de 16 de Fevereiro passado que recebi a triste notícia da partida para o PAI, do meu venerado e estimado amigo ENGº Manuel Nunes Domingos, com 92 anos de idade.


Não sei porque, mas nestes últimos dias não me sai da lembrança a figura simpática e alegre do meu carismático amigo. Homem simples, modesto, bom e sempre bem-humorado, era imensamente admirado por todos que o conheciam.


Tinha o coração de um excepcional e indulgente empresário, sendo estimado e respeitado por todos, pois para ele as relações humanas eram mais importantes que todas as outras considerações.


À semelhança do Padre Correia da Cunha, não lhe faltava a sabedoria e a pedagogia para encarar os problemas da adolescência e juventude com uma abertura verdadeiramente invejável, segundo testemunho que ouvi do seu genro.

 

Dedicado ao seu lar, a família era tudo para ele.


A morte de Manuel Domingos deixa em todos um profundo vazio, mas estou certo que nunca esqueceremos as muitas recordações gravadas no nosso âmago do muito que apreendemos nas sinceras e animadas conversas mantidas com ele.

 

Não resta a menor dúvida que, ainda hoje, há empresários capazes e imbuídos de ideais respeitadores, na defensa intransigente dos interesses dos seus leais e dedicados colaboradores e famílias.

 

Os sentimentos fraternos são naturais nos corações humanos, como referia o Padre Correia da Cunha, mas são homens com este, que ao longo da sua existência nos marcaram indelevelmente pelos nobres valores e princípios que sempre nortearam a sua caminhada terrena.

 

E por tudo o que pensou e fez neste mundo, deve merecer prosperidade e a recompensa da vida eterna. Era um sábio na modéstia e simplicidade. É por tudo isto que não consigo esquecer a imagem deste bondoso amigo que foi convocado para celebrar a Páscoa Libertadora, mesmo sendo tempo quaresmal.

 

Aproveitemos este tempo de silêncio e meditação para um pensamento de fé e de respeito à memória do nosso saudoso amigo.

 

Manuel Domingos dorme hoje um sono sagrado… uma vez que os bons homens nunca morrem.

 

RECEBEI, SENHOR, NO REINO DOS JUSTOS O NOSSO IRMÃO. REQUIESCAT IN PACE

 


















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Nota: agradeço o texto, testemunho do seu genro, que me foi enviado gentilmente pelo seu neto Alexandre Clerici. Texto inspirador para esta merecida homenagem. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA E AS CINZAS


 
 
 
 
 
 
 
 
 
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«MEMENTO HOMO QUIA PULVIS ES ET
IN PULVEREM REVERTERIS»

 
 
 

Depois da festa de Carnaval, euforicamente realizada nas enormes salas dos claustros do Mosteiro de São Vicente de Fora, tudo voltava à calma comum de todos os dias. Os festejos de carnaval eram o parêntese que o Padre Correia da Cunha aproveitava para confraternizar com todos os paroquianos pobres e ricos, velhos e novos, crianças e adolescentes…
 

A juventude freneticamente decorava aquelas salas com balões, bandeiras de papel coloridas e muitas serpentinas. Estas festas tinham início no Sábado, com um estrondoso baile. O Padre Correia da Cunha adorava dançar e era ele que fazia a abertura dos bailes, chamando assim todos para dançarem. O ambiente era de festa e o velho gira-discos rodava os vinis com as músicas em voga, enquanto muitos arremessavam confetis e esguichavam lanças – perfumes… toda a família paroquial se entregava desenfreadamente a estas extravagâncias, liberta nestes folguedos de fantasias burlescas. Aquilo era uma doidice!
 

No dia seguinte, nos vários templos da cidade de Lisboa, celebravam-se as primeiras cerimónias da Quaresma, com bênção e imposição solene das cinzas. Na igreja de São Vicente de Fora, essas celebrações tinham o maior esplendor, dada a importância que o Padre Correia da Cunha lhe atribuía. A interiorização deste rito das cinzas levava-nos a concluir que o Carnaval era uma ilusão necessária.

 
 




Essa velha liturgia realizada pelo Padre Correia da Cunha, que colocava a cinza na cabeça de cada um de nós, recordando-nos que “somos pó e a ele voltaremos”, terá perdido a actualidade?

Teremos a certeza que estamos a caminhar no bom sentido? Estaremos a escapar à desordem, à confusão, à dúvida e ao desespero? Como referia o Padre Correia da Cunha “ o Homem não se conforma com a dispersão, pois pretende unidade na sua vida e no seu pensamento”.

A Quarta-Feira de Cinzas era o momento propício para uma profunda reflexão sobre a nossa imperfeição e a morte. O rito das cinzas recordava-nos a nossa condição de mortais e de frágil barro divino, convidando-nos a uma radical mudança.

Interrogava o Padre Correia da Cunha: - Que nos falta para podermos chegar à verdadeira felicidade?

Uma fé forte e uma robusta confiança em nós mesmos são as armas para vencermos a indiferença e o desgosto, a mágoa e o desconforto originado pelos prazeres efémeros e mortíferos da vida sem horizontes.

Recordo o Padre Correia da Cunha que, nas suas persuasivas homilias quase nos obrigava, custasse o que custasse, a recuperar o gosto de viver, de lutar e de vencermos na plenitude da fé pelo amor a Deus e ao próximo.
 


 
 
No momento actual em que o país se encontra, envolvido por uma imensa falta de confiança, como libertá-lo dessa opressora agonia e restituir-lhe a verdadeira liberdade? Certamente, o Padre Correia da Cunha escolheria este solene momento litúrgico das cinzas para nos ajudar na busca da grandeza, da pureza e do ideal da perfeição.

Para que a união, a justiça e a felicidade sejam dignas das nossas súplicas, não deveremos procurá-las como perdulários nos momentos de dificuldade, mas na humildade, na solidariedade e compaixão. Todos sabemos que quando nos rendemos ao jugo da matéria, consentindo que ela nos domine e escravize, esta torna-se tirânica.

Quando é que encontraremos o nosso Mundo, aquele Mundo em que cada ser e cada alma viverão o ideal da grandiosa perfeição humana e espiritual.

Desejo terminar este escrito com um pequeno texto de Padre Correia da Cunha: “Deus nos criou à sua imagem e semelhança. Deus nos fez do barro Divino e nos valorizou, imprimindo em nós a sua imagem…Mas este vaso criado por Deus é tão frágil que persistentemente se quebra… Só Deus como criador é aquele que dá forma certa ao vaso e se encontra sempre totalmente disponível para o restaurar e torna-lo útil, nos serviços aos irmãos.”

Temos, porém este tesouro em vasos de barro divino, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós.

Aos que ainda se recordam e eram crianças ou adolescentes do ritual das cinzas, celebrado pelo Padre Correia da Cunha, não admira que possam sentir uma vaga de saudades e que murmurem: “ BONS TEMPOS”.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA E O 1º DE FEVEREIRO

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D. Luis Filipe e D. Carlos


«O REI D. CARLOS E PRINCÍPE
REAL D.LUIZ FILIPE NÃO
MERECIAM O TRÁGICO FIM QUE
TIVERAM.»





Nos anos sessenta, o primeiro dia de Fevereiro tinha um grande significado na Paróquia de São Vicente de Fora. Naquele imponente templo renascentista eram celebradas missas de «Requiem» por alma do Rei D. Carlos I e do Príncipe herdeiro D. Luiz Filipe.

Era o dia para recordar os malogrados heróis que foram assassinados barbaramente, apenas porque desejavam que a vida constitucional portuguesa seguisse na maior harmonia e paz…

O Padre Correia da Cunha, na sua qualidade de anfitrião apresentava o templo com um aspecto festivo, cenário próprio para a realização das solenes cerimónias de exéquias. O templo totalmente repleto. Todos os presentes, desta forma homenageavam aqueles que bem serviram a Nação e cujo patriotismo não poderemos negar sem injustiça. O Senhor D. Carlos tinha notabilíssimas qualidades, era um hábil diplomata, tendo prestado enormes serviços a Portugal e aos portugueses, que a História hoje reconhece e são justas e merecidas todas as homenagens que anualmente lhe prestam os portugueses com celebrações eucarísticas de sufrágio pelas suas almas.


Sei que estas piedosas solenidades contavam sempre com a presença de muitas altas personalidades da vida nacional e de muito povo que aproveitavam para assim expressarem a sua gratidão à memória do grande monarca e de seu filho o, príncipe.





Lembro-me perfeitamente que a primeira celebração era uma missa cantada, presidida pelo Rev. Padre Correia da Cunha, no majestoso templo. Este louvor de sufrágio era mandado celebrar anualmente pelos Srs. Condes de Vale de Reis. Na sua homilia o Padre Correia da Cunha expressava a sua imensa admiração e sincero respeito pelos seus irmãos em Cristo: Carlos, rei e Luiz Filipe, príncipe.

Mais tarde, no Panteão da Dinastia de Bragança era celebrada missa de exéquias, presidida pelo Mons. José de Castro, esta mandada celebrar pela Fundação da Casa de Bragança. Nas filas de cadeiras colocadas naquele panteão de família viam-se muitas figuras pertencentes a famílias da nobreza portuguesa: Condes de Vale de Reis, Viscondes da Trindade e de Asseca, Condes das Alcáçovas e da Lousã, Marquês do Lavradio, Visconde de Botelho, Conde e Condessa do Seixal, Conde e Condessa de Castelo Mendo, Condessa de S. Mamede, Marquês de Sabugosa, Marquês de Belas e pela casa de Bragança, D. Duarte Nuno, D. Fernando de Almeida, D. Manuel de Bragança e D. Miguel Pereira Coutinho…

Havia também figuras de casas reais estrangeiras, como por exemplo, o Rei Humberto de Itália.

Estas solenes celebrações terminavam sempre com a deposição de belos ramos de flores na base dos túmulos do Rei Dom Carlos e do Principe Dom Luiz Filipe. Este rico monumento da autoria do Arqt.º Raul Lino apresentava uma inscrição gravada a ouro da autoria do poeta Afonso Lopes Vieira, onde se lia:


AQUI DESCANSAM EM DEUS EL-REI D. CARLOS I E O

PRÍNCIPE REAL D. LUIZ FILIPE QUE MORRERAM PELA

 PÁTRIA.



Túmulos do Príncipe D. Luis Filipe e D. Carlos (escultura a Dor)



Em ambos os túmulos foram esculpidas coroas reais. É um gesto justo, pois Dom Luís Filipe foi Rei de Portugal, morreu momentos depois do Pai. Expirou aliás, em pé, em defesa do progenitor.

Contou-me o Padre Correia da Cunha esta narrativa: «que tendo o Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar assistido durante toda a manhã às sagradas cerimónias de grande sumptuosidade do 1º de Fevereiro, em memória do atentado a El-Rei D. Carlos e Príncipe Real D. Luiz Filipe, com a presença de todas as mais elevadas entidades eclesiásticas, militares e civis nacionais, na Igreja Paroquial de São Vicente de Fora, curiosamente, terá regressado pela tarde muito discretamente e incógnito (sem nenhum tipo de segurança) para no Panteão da Dinastia de Bragança, junto dos túmulos do monarca e filho, se inclinar, e ter um longo instante de profunda meditação».


Será que quis desta forma o Chefe do Governo da Nação homenagear o enorme estadista de méritos no rumo da história, das ciências e das artes e que também em difíceis circunstancias muito se empenhou a favor da defesa da integralidade nacional. Só o penetrante silêncio do sóbrio espaço poderá testemunhar a mensagem ali depositada pelo coração do governante.




Altar do Panteão da Dinastia de Bragança


Recordo mais tarde, nos anos setenta ter acolitado o Mons. Cónego D. João Filipe de Castro (Nova Goa) e o Cónego Corrêa de Sá (Asseca), ( capelão da armada tal como o Padre Correia da Cunha), que presidiam a muitas celebrações eucarísticas, no altar do Panteão da Família Real de Bragança. O Padre Correia da Cunha com a sua inesgotável bondade disponibilizava todas as alfaias e paramentaria… da paróquia, para que essas celebrações tivessem o maior brilho.


Cónego Corrêa de Sá (Asseca)


Decorrido tudo este tempo sobre o regicídio, tempo considerado suficiente para julgar serenamente homens e acontecimentos e interpretar estes actos imparciais e objectivamente, continua-se a seguir a arraigada tradição de venerar com afecto a memória dessas duas figuras sublimes da nossa História.


A Real Associação de Lisboa continua a mandar celebrar em homenagem a estes augustos mártires da Pátria uma missa na Igreja de São Vicente de Fora, presidida pelo Rev. Padre Gonçalo Portocarrero de Almada, com romagem ao Panteão da Dinastia de Bragança para colocação de flores nos túmulos de El-Rei e do Príncipe Real pelos Duques de Bragança.






Requiem aeternam dona ei Domine,

et lux perpetua luceat ei. Requiescat in pace. Amen.















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