quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA E AS CINZAS


 
 
 
 
 
 
 
 
 
.
 
 
 
«MEMENTO HOMO QUIA PULVIS ES ET
IN PULVEREM REVERTERIS»

 
 
 

Depois da festa de Carnaval, euforicamente realizada nas enormes salas dos claustros do Mosteiro de São Vicente de Fora, tudo voltava à calma comum de todos os dias. Os festejos de carnaval eram o parêntese que o Padre Correia da Cunha aproveitava para confraternizar com todos os paroquianos pobres e ricos, velhos e novos, crianças e adolescentes…
 

A juventude freneticamente decorava aquelas salas com balões, bandeiras de papel coloridas e muitas serpentinas. Estas festas tinham início no Sábado, com um estrondoso baile. O Padre Correia da Cunha adorava dançar e era ele que fazia a abertura dos bailes, chamando assim todos para dançarem. O ambiente era de festa e o velho gira-discos rodava os vinis com as músicas em voga, enquanto muitos arremessavam confetis e esguichavam lanças – perfumes… toda a família paroquial se entregava desenfreadamente a estas extravagâncias, liberta nestes folguedos de fantasias burlescas. Aquilo era uma doidice!
 

No dia seguinte, nos vários templos da cidade de Lisboa, celebravam-se as primeiras cerimónias da Quaresma, com bênção e imposição solene das cinzas. Na igreja de São Vicente de Fora, essas celebrações tinham o maior esplendor, dada a importância que o Padre Correia da Cunha lhe atribuía. A interiorização deste rito das cinzas levava-nos a concluir que o Carnaval era uma ilusão necessária.

 
 




Essa velha liturgia realizada pelo Padre Correia da Cunha, que colocava a cinza na cabeça de cada um de nós, recordando-nos que “somos pó e a ele voltaremos”, terá perdido a actualidade?

Teremos a certeza que estamos a caminhar no bom sentido? Estaremos a escapar à desordem, à confusão, à dúvida e ao desespero? Como referia o Padre Correia da Cunha “ o Homem não se conforma com a dispersão, pois pretende unidade na sua vida e no seu pensamento”.

A Quarta-Feira de Cinzas era o momento propício para uma profunda reflexão sobre a nossa imperfeição e a morte. O rito das cinzas recordava-nos a nossa condição de mortais e de frágil barro divino, convidando-nos a uma radical mudança.

Interrogava o Padre Correia da Cunha: - Que nos falta para podermos chegar à verdadeira felicidade?

Uma fé forte e uma robusta confiança em nós mesmos são as armas para vencermos a indiferença e o desgosto, a mágoa e o desconforto originado pelos prazeres efémeros e mortíferos da vida sem horizontes.

Recordo o Padre Correia da Cunha que, nas suas persuasivas homilias quase nos obrigava, custasse o que custasse, a recuperar o gosto de viver, de lutar e de vencermos na plenitude da fé pelo amor a Deus e ao próximo.
 


 
 
No momento actual em que o país se encontra, envolvido por uma imensa falta de confiança, como libertá-lo dessa opressora agonia e restituir-lhe a verdadeira liberdade? Certamente, o Padre Correia da Cunha escolheria este solene momento litúrgico das cinzas para nos ajudar na busca da grandeza, da pureza e do ideal da perfeição.

Para que a união, a justiça e a felicidade sejam dignas das nossas súplicas, não deveremos procurá-las como perdulários nos momentos de dificuldade, mas na humildade, na solidariedade e compaixão. Todos sabemos que quando nos rendemos ao jugo da matéria, consentindo que ela nos domine e escravize, esta torna-se tirânica.

Quando é que encontraremos o nosso Mundo, aquele Mundo em que cada ser e cada alma viverão o ideal da grandiosa perfeição humana e espiritual.

Desejo terminar este escrito com um pequeno texto de Padre Correia da Cunha: “Deus nos criou à sua imagem e semelhança. Deus nos fez do barro Divino e nos valorizou, imprimindo em nós a sua imagem…Mas este vaso criado por Deus é tão frágil que persistentemente se quebra… Só Deus como criador é aquele que dá forma certa ao vaso e se encontra sempre totalmente disponível para o restaurar e torna-lo útil, nos serviços aos irmãos.”

Temos, porém este tesouro em vasos de barro divino, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós.

Aos que ainda se recordam e eram crianças ou adolescentes do ritual das cinzas, celebrado pelo Padre Correia da Cunha, não admira que possam sentir uma vaga de saudades e que murmurem: “ BONS TEMPOS”.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
.

Sem comentários:

Enviar um comentário