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«MEMENTO
HOMO QUIA PULVIS ES ET
IN PULVEREM REVERTERIS»
Depois da festa de
Carnaval, euforicamente realizada nas enormes salas dos claustros do Mosteiro
de São Vicente de Fora, tudo voltava à calma comum de todos os dias. Os
festejos de carnaval eram o parêntese que o Padre Correia da Cunha aproveitava
para confraternizar com todos os paroquianos pobres e ricos, velhos e novos,
crianças e adolescentes…
A juventude
freneticamente decorava aquelas salas com balões, bandeiras de papel coloridas
e muitas serpentinas. Estas festas tinham início no Sábado, com um estrondoso
baile. O Padre Correia da Cunha adorava dançar e era ele que fazia a abertura
dos bailes, chamando assim todos para dançarem. O ambiente era de festa e o
velho gira-discos rodava os vinis com as músicas em voga, enquanto muitos
arremessavam confetis e esguichavam lanças – perfumes… toda a família paroquial
se entregava desenfreadamente a estas extravagâncias, liberta nestes folguedos
de fantasias burlescas. Aquilo era uma doidice!
No dia seguinte, nos
vários templos da cidade de Lisboa, celebravam-se as primeiras cerimónias da
Quaresma, com bênção e imposição solene das cinzas. Na igreja de São Vicente de
Fora, essas celebrações tinham o maior esplendor, dada a importância que o
Padre Correia da Cunha lhe atribuía. A interiorização deste rito das cinzas
levava-nos a concluir que o Carnaval era uma ilusão necessária.
Essa velha liturgia
realizada pelo Padre Correia da Cunha, que colocava a cinza na cabeça de cada
um de nós, recordando-nos que “somos
pó e a ele voltaremos”, terá perdido a actualidade?
Teremos a certeza que
estamos a caminhar no bom sentido? Estaremos a escapar à desordem, à confusão,
à dúvida e ao desespero? Como referia o Padre Correia da Cunha “ o Homem não se
conforma com a dispersão, pois pretende unidade na sua vida e no seu
pensamento”.
A Quarta-Feira de
Cinzas era o momento propício para uma profunda reflexão sobre a nossa
imperfeição e a morte. O rito das cinzas recordava-nos a nossa condição de
mortais e de frágil barro divino, convidando-nos a uma radical mudança.
Interrogava o Padre
Correia da Cunha: - Que nos falta para podermos chegar à verdadeira felicidade?
Uma fé forte e uma
robusta confiança em nós mesmos são as armas para vencermos a indiferença e o
desgosto, a mágoa e o desconforto originado pelos prazeres efémeros e
mortíferos da vida sem horizontes.
Recordo o Padre Correia
da Cunha que, nas suas persuasivas homilias quase nos obrigava, custasse o que
custasse, a recuperar o gosto de viver, de lutar e de vencermos na plenitude da
fé pelo amor a Deus e ao próximo.
No momento actual em
que o país se encontra, envolvido por uma imensa falta de confiança, como
libertá-lo dessa opressora agonia e restituir-lhe a verdadeira liberdade?
Certamente, o Padre Correia da Cunha escolheria este solene momento litúrgico
das cinzas para nos ajudar na busca da grandeza, da pureza e do ideal da
perfeição.
Para que a união, a
justiça e a felicidade sejam dignas das nossas súplicas, não deveremos
procurá-las como perdulários nos momentos de dificuldade, mas na humildade, na
solidariedade e compaixão. Todos sabemos que quando nos rendemos ao jugo da
matéria, consentindo que ela nos domine e escravize, esta torna-se tirânica.
Quando é que encontraremos
o nosso Mundo, aquele Mundo em que cada ser e cada alma viverão o ideal da
grandiosa perfeição humana e espiritual.
Desejo terminar este
escrito com um pequeno texto de Padre Correia da Cunha: “Deus nos criou à sua imagem e semelhança. Deus nos fez do barro Divino
e nos valorizou, imprimindo em nós a sua imagem…Mas este vaso criado por Deus é
tão frágil que persistentemente se quebra… Só Deus como criador é aquele que dá
forma certa ao vaso e se encontra sempre totalmente disponível para o restaurar
e torna-lo útil, nos serviços aos irmãos.”
Temos,
porém este tesouro em vasos de barro divino, para que a excelência do poder
seja de Deus, e não de nós.
Aos que ainda se
recordam e eram crianças ou adolescentes do ritual das cinzas, celebrado pelo
Padre Correia da Cunha, não admira que possam sentir uma vaga de saudades e que
murmurem: “ BONS TEMPOS”.
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