domingo, 29 de agosto de 2010

PE. CORREIA DA CUNHA E A «DOR»

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A DOR - Autor Francisco Franco




‘’O SENTIMENTO DA DOR PURA EXPRESSA NAQUELAS MÃOS...’’
Padre Correia da Cunha



O Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa, desempenhava o papel histórico da última morada dos membros finados da Família Real da Dinastia de Bragança.

O Panteão da Casa Real Brigantina foi mandado erigir no antigo refeitório dos frades regrantes de Santo Agostinho, no ano de 1855, por D. Fernando II de Saxe-Coburg Gota, viúvo da Rainha D. Maria II.

No início do século passado, este espaço apresentava um aspecto de um amontoado de esquifes votados ao abandono e onde era possível ver-se ainda os cadáveres embalsamados de alguns dos nossos últimos reis.

Panteao antes da intervenção do Arq. Raul Lino


Em 1932, uma comissão de monárquicos, visando celebrar condignamente o 25º aniversário do regicídio, envergou todos os esforços no sentido de se renovar o Panteão Real da nossa última dinastia. Iniciou-se essa restauração com a construção de um magnífico monumento fúnebre para o Rei D. Carlos I e seu filho primogénito príncipe D. Luís Filipe, que seria inaugurado solenemente no dia 8 de Fevereiro do ano de 1933.

Há época já se falava que os dignitários do poder político em Portugal deveriam manifestar uma maior atenção para a elevação daquele espaço, onde repousavam tão ilustres servidores da nossa amada Pátria.

Foi então encarregado da execução do projecto de revitalização desse jazigo de família o prestigiado Arqt.º Raul Lino, que haveria de optar por gavetões muito simples de mármore ao longo das paredes laterais, onde apenas seria esculpidas em letra tumular os nomes, as datas de nascimento e falecimento. Esses gavetões acolheram assim as urnas de tão ilustres personagens, que até ali apresentavam um desmazelo total.





Interior do Panteão da Dinastia de Bragança


Quando nos anos quarenta, o Padre Correia da Cunha chegou ao Mosteiro de São Vicente de Fora, já toda esta renovação estava concluída. O Panteão da Dinastia de Bragança tinha-se tornado num espaço sóbrio onde sobressaíam: um túmulo duplo ao centro e um outro junto ao altar, onde repousam respectivamente D. Carlos I, o príncipe Luís Filipe e o nosso último Rei D. Manuel II, falecido no exílio no ano de 1932.

Só uma coisa convidava o Padre Correia da Cunha a entrar nesse Panteão da Dinastia de Bragança: uma ‘’mulher’’ que se encontra à cabeceira do duplo túmulo, coberta de um manto talhado de uma única peça, numa verticalidade levemente obliqua cujo rosto cobre com as duas mãos.

Ouvia frequentemente dizer que a figura esculpida representava a Rainha D. Amélia, chorando a perda de seu marido e adorável filho. A mesma figura era também entendida por muitos como a Pátria carpindo a morte dos nossos estimáveis e saudosos rei e príncipe, suplicando o acolhimento divino destes grandes heróis…

A escultura é da autoria de Francisco Franco, discípulo de Simões Almeida, um dos mais activos artistas da estatuária pública do Estado. Reconhece-se hoje que a escultura portuguesa viveu um extraordinário período de ouro e expansão no início do século XX. Esse património actualmente muito nos honra.

Para o Padre Correia da Cunha, esta peça de arte representava simplesmente a DOR  e interrogava: Como umas mãos podiam exprimir admiravelmente esse sentimento sem terem de recorrer à expressão facial? Era uma magnífica obra de génio.

Esta obra é perturbadora e gera ao visitante um choque. A luz torna a escultura estranha, como se irradiasse uma luz divina. Como referia o Padre Correia da Cunha ao contemplarmos estas mãos, apoiados nos degraus do túmulo de D. Manuel II, sentimos algo impossível de verbalizar … o sentimento da dor pura expressa naquelas mãos vai até ao íntimo da alma de cada um que as observa… quando um objecto tem a capacidade de nos transmitir sensações e sentimentos estaremos certamente na presença de uma grande obra de arte.




João Paulo Dias junto da escultura de Francisco Franco

Esta minha foto, de 1972, junto da escultura de Francisco Franco, a DOR, é da autoria de um dos muitos jornalistas brasileiros que efectuaram enormes reportagens sobre a transferência dos restos mortais de D. Pedro IV Rei de Portugal e 1º Imperador do Brasil, do Panteão da Dinastia de Bragança para o Monumento do Ipiranga em São Paulo – Brasil.

A partida dos despojos mortais de D. Pedro IV desfalcou o Panteão Real de São Vicente de Fora, povoado de tantas memórias ligadas à enorme civilização lusíada, que tanto nos orgulhamos. Mas uma coisa é certa, na sua nova morada ele seria único e insubstituível como o verdadeiro fundador da nacionalidade Brasileira.

O Padre Correia da Cunha seguiu integrado na comitiva oficial, a bordo do Paquete Funchal, para as grandes celebrações de entrega fraternal da doação dos restos mortais de D. Pedro IV à Nação Brasileira. Em nome de Portugal, estava presente o Presidente da República Portuguesa – Almirante Américo Deus Rodriguez Thomás e em Nome do Brasil, o Presidente da Republica Federativa Brasileira – General Emílio Garrastazu Médice.

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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

PE. CORREIA DA CUNHA E A SAGRES

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'' A MÚSICA CELEBRAVA O RELACIONAMENTO ENTRE DEUS E...''


Na actualidade, a SAGRES vem insistindo em associar à selecção nacional este belo slogan ‘’ A SAGRES É A NOSSA SELECÇÃO’’.

Nos anos 60, o Padre Correia da Cunha congregava à sua roda uma selecção de jovens seus amigos, onde a SAGRES contribuía para o fortalecimento duma amizade solidária e fraterna.

O Padre Correia da Cunha possuía um contrato de abastecimento da SAGRES com a Sociedade Nacional de Cervejas. Cada 15 dias era reabastecido o seu stock assim como o seu enorme frigorífico, reposto de uma quantidade significativa de garrafas desse precioso líquido.

O Padre Correia da Cunha tinha um espírito farrista, liberto de preconceitos, coração e mãos abertas, sincero e muito fervoroso na sua fé cristã.

Nos seus aposentos no Mosteiro de São Vicente de Fora, dava longos serões onde eram assíduos muitos jovens paroquianos. Acolhia a todos com muita atenção e com um especial carinho, o que lhe era natural.

Rodeado de uma corte de admiradores e como um bom amaliano, não faltavam os discos de vinil com as brilhantes interpretações de Amália Rodrigues que ia passando na sua aparelhagem de alta-fidelidade.O  Padre Correia da Cunha aproveitava para falar sobre os poetas eruditos, que podíamos encontrar no universo da sua amada Amália e graças a ela se tornariam familiares a todos nós bem como ao povo português.







Todos sabíamos que beber cerveja era cordial e punha-nos de bem com a vida. A Voz de Amália era uma fonte a jorrar poesia que até ali era reservada apenas aos instruídos intelectuais e interdita ao povo. O fado era o fatalismo, o destino subjacente ao quotidiano.

O Padre Correia da Cunha não poderia deixar de gostar do fado, pois era o sentimento e a voz do seu povo e sempre referia que Deus se revelava na simplicidade e na voz do povo. Como orgulhoso marinheiro o fado para ele teria nascido no mar aos ritmos das ondas…

Na época o fado era visto como perdição, mas as impressionantes interpretações de Amália eram êxitos no plano nacional e internacional. Cantava com a Voz que Deus lhe dera e os seus fados eram sucessos que passavam muito rapidamente para a voz do povo.

O Padre Correia da Cunha teve muita influência na formação musical dos jovens de São Vicente de Fora, quando ouviam em sua casa o melhor, não só de Amália Rodrigues, mas também as obras dos grandes compositores clássicos.

Recordo aqui as palavras de Rogério Martins Simões sobre esses inesquecíveis tempos:

’Foi num passado recente, quando frequentava a Igreja Paroquial de São Vicente de Fora, que o grande Padre José Correia da Cunha nos seduziu para a cultura. Graças a ele, quase todas as semanas existiam concertos e outras festividades, nomeadamente ópera, concertos naquele extraordinário órgão, e até o bom fado da Amália. Foi assim que a cultura chegou a grande parte dos lares daquela paróquia. Estas suas iniciativas elevavam o nível cultural dos seus paroquianos, e deveriam ser mais incrementadas, como fazia o bom Padre José Correia da Cunha. ‘’







O Padre Correia da Cunha referia que quatro séculos de música clássica, com cerca de cem grandes compositores com agradáveis reportórios, colocavam enormes dificuldades na escolha. Para ele o mais importante era o prazer inigualável de ouvir música.

Padre Correia da Cunha procurava oferecer sugestões que nos ajudassem e auxiliassem a começar a explorar toda a amplitude da música clássica.

Fazia habitualmente descrições não muito técnicas que nos permitiam determinar o compositor, a época e assim nascia em cada um de nós uma profunda paixão pela música clássica. Lembro-me dos seus compositores eleitos: J.S. Bach, Byrd, Purcell, Monteverdi, Stravinky.

Para o  Padre Correia da Cunha a música celebrava o relacionamento entre os seres humanos e DEUS…

Aquelas noites, rodeado por jovens afectuosos, bebendo umas SAGRES fresquinhas e ouvido o reportório de grandes compositores, todos nós nos apercebíamos que ficávamos muito mais ricos culturalmente.

Estes momentos continuarão nas nossas mais gratas recordações. Explorando a sua memória, um grande amigo há dias confidenciava-me que Padre Correia da Cunha armazenava, como um grande tesouro as grades das Sagres por debaixo da sua monumental cama, peça de singular beleza do séc. XVIII.




















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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

PE. CORREIA DA CUNHA E OS CICERONES

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‘’ Jovens voluntários de grande generosidade…’’


Velhos e bons tempos em que grupos de jovens indulgentes com formações nas mais diversas áreas do conhecimento, ali se encontravam para exercerem com toda a dignidade as funções de cicerones aos muitos visitantes nacionais e estrangeiros, acompanhando-os na visita daquele magnífico e esplendoroso Mosteiro de São Vicente de Fora.



Naqueles grupos eram criados laços de amizade, ternura e amor, indubitavelmente pela grande dedicação e amizade que todos tínhamos pela nossa querida Ti Alice (1), cimento da unidade dessa sã convivência solidária…


Estes jovens utilizavam a sua formação académica associada à formação que era ministrada pela grande ‘Mestra’, que durante de mais de quarenta anos honrava a ‘Cátedra’ no conhecimento de todos os detalhes da história da Igreja e Mosteiro de São Vicente de Fora. Ti Alice conhecia, como ninguém, toda a história da família Real da Dinastia de Bragança que ali repousava e estava confiada ao seu zelo, respeito e amizade especial.
Era solenemente cumprimentada por descendentes da Realeza Portuguesa e Europeia, que ali se deslocavam para prestarem sentidas homenagens aos muitos familiares que se encontram naquele sereníssimo jazigo de família.




Haviam ali cicerones que eram grandes e eloquentes oradores, que fascinavam os visitantes ao explanarem ao detalhe e com todo o seu entusiasmo a história de cada recanto daquela peça de arte.

Quero aqui hoje recordar de uma forma especial o nome de muitos desses jovens e menos jovens que abraçavam de uma forma profissional essa brilhante tarefa: Pedro Cardoso, António Rato, Hernâni Santos, Rogério Martins Simões, António Martins, José Melo e Faro, João Martins, Mário Jorge, José Manuel Barata, Vitor Soares, Fernando Rosas, António Mourato Quaresma, João Paulo Dias, Manuel Mourato Quaresma, António Melo e Faro …

Todos apreendíamos com a Ti Alice: um cicerone digno desse nome, se não tem por acaso resposta pronta para as eventuais perguntas que lhe sejam colocadas, que fuja da pergunta, mostrando toda a segurança e firmeza; ficar calado ou papaguear é que não, porque ficaria desacreditado e com a imagem negativa.

Padre Correia da Cunha, homem de grande amor a esse património e de reconhecido talento, também aproveitava sempre que possível, para manifestar aos visitantes toda a grandiosa beleza que se podia retirar daqueles espaços.

Ao fundo dos claustros, revestidos de ricos de azulejos do séc. XVIII de assuntos ao gosto da época e com as célebres fábulas de La Fontaine, fica o Panteão da Dinastia de Bragança, mandado construir em 1855 por D. Fernando II. Este Panteão ocupa o antigo refeitório dos frades de Santo Agostinho. Em 1932, sobre a direcção do Arqt.º Raul Lino, foi dado a este espaço um sentido nobre e consentâneo ao seu destino. Ao centro, quatro túmulos de mármore de Vila Viçosa, Estremoz e Sintra: D. Carlos I, D. Luiz Filipe unidos e o de D.Manuel II e D. Amélia de Orleães e Bragança isolados.
No lado direito do Panteão dos monarcas, príncipes e mais pessoas reais situa-se o Panteão dos Patriarcas de Lisboa, depois de 1834 até ao Cardeal Patriarca de Lisboa D. António Ribeiro falecido em 1998.

A Sacristia situada nos claustros é toda revestida em mármores embutidos com arcazes de pau-santo e bronzes dourados. Possui ao fundo, um altar com pintura em tela de André Gonçalves, simbolizando Nossa Senhora da Assunção. Sobre a porta um alto revelo de D. João V.

Recomendo uma visita ao velho Mosteiro de São Vicente de Fora, hoje com uma imagem renovada, que certamente Padre Correia da Cunha muito se orgulharia mas certamente não perdoaria que a igreja não pudesse acolher os milhares de visitantes que ali se deslocam.

A terminar gostaria de ter uma palavra de homenagem a António Rato grande e nato cicerone e de uma enorme criatividade, entusiasmo na apresentação dos espaços do Mosteiro de São Vicente de Fora. Contrariamente aos jovens que ali passavam as suas férias escolares, para desenvolver os estudos das línguas e angariar umas boas ‘’coroas’’… António Rato fazia-o diariamente e as gratificações eram o seu principal rendimento, garantindo a sua sobrevivência…

Como referia Padre Correia da Cunha, estes jovens voluntários, através desta sua acção manifestavam o grande amor que dedicavam à sua paróquia. Era com o apoio deste ‘’ pequeno exército’’ que Padre Correia da Cunha continuava com o seu enorme bom gosto e engenho a criar condições de exposição de peças de arte singulares e pelas quais nutria uma paixão muito sentida.
Padre Correia da Cunha foi um magnânimo servidor deste mosteiro durante o ano 1960 até 1977.

Fico aguardar nomes de mais jovens cicerones.
(1) -

.Ti Alice (Maria Alice da Fonseca Roque Alves) era familiar do Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa D. António Mendes Belo. Veio habitar o Paço de São Vicente de Fora como os seus pais ainda muito criança. Foi guardiã do Panteão Real e realizava a cobrança dos bilhetes de entrada no Mosteiro. Ali viveu até ao ano de 1976.,
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