sexta-feira, 25 de março de 2011

PE. CORREIA DA CUNHA E O SEU CHAPÉU

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“…era para ele que descobria a sua cabeça.”


Não sei se nos assiste o direito de lembrar aqui, a história de um grandíssimo e inseparável amigo de Padre José Correia da Cunha, o seu chapéu.


Fazemo-lo porque a sua modéstia e a sua simplicidade de homem, com sentido de humor, entenderiam as nossas salutares e irónicas intenções. Evocá-lo em todos os momentos, que com ele convivemos, e lembrá-lo com veneração, sempre nos mereceu e continuará merecer respeito.


Mas jamais nos esqueceremos da figura simples, modesta e simpática deste diligente sacerdote com o seu chapéu de feltro preto na mão.


Aquele chapéu era o seu companheiro e confidente amigo de todas as horas. Junto desse chapéu havia sempre um livro e punhado de folhas onde Padre Correia da Cunha escrevia os seus belos textos, pois como sabemos, Padre Correia da Cunha era um mestre e prestidigitador na arte de fazer viver as palavras.


Muitas cenas pitorescas e farras presenciaram irmanados. Muitas confissões e penitências escutaram lado a lado.



Juntos alimentaram ilusões e desejos estranhos de construírem um mundo mais solidário e humano. Ele era um estóico obreiro da doutrina cristã, apontando sempre o bom caminho a todos e reconhecendo a estes as suas almas de pecadores, mas exaltando que ai também havia muita gratidão e reconhecimento; pois para ele os puritanos, com raras excepções, não sabem ou não querem compreender as razões do mal.


Ele, publicamente e com toda a humildade, na companhia do seu companheiro de jornada, confessava alguns pecados contra os mandamentos. Nas muitas actividades cívicas de respeito social sempre se fazia acompanhar deste seu parceiro, amigo inseparável.


O seu chapéu cobria a sua cabeça, cheia de pensamentos solidários e de esperanças e ilusões … O mundo todo era de Deus!


Havia alturas que o deixava abandonado, dependurado pelos mais variados locais que frequentava. Mas o seu companheiro fiel sempre lhe era devolvido justamente no momento em que sentiam saudades um do outro.


Nos dias mais quentes, ficava solitário dependurado no cabide do Cartório Paroquial, como um simples chapéu. Mas os chapéus também têm o seu destino e uma existência. Era tão necessário ao Padre Correia da Cunha o seu chapéu, como o chapéu precisava de Padre Correia da Cunha.


Ele sentia o prazer de andar aperaltado na cabeça de Padre Correia da Cunha, escutando sábias conversas e segredos inconfessáveis. Padre Correia da Cunha e o seu chapéu, durante muito tempo, sempre se acompanhavam voluntariamente nos longos passeios que efectuava pelas ruas da sua pelintra paróquia, descobrindo-se respeitosamente diante de todos os seus irmãos para os saudar e trocar uns dedos de conversa.





Era um chapéu jovial!



Adorava os recantos acolhedores de Alfama.



Fado de vielas de severas e rufias. Gostava de se perder pela noite em grande folias e tertúlias.



O seu chapéu era um seu bom amigo.



O chapéu não o abandonava.



Quando o retirava… era também para ele que descobria a sua cabeça.



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sábado, 19 de março de 2011

PADRE CORREIA DA CUNHA E A PRIMAVERA

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“Deus planta o seu Reino.”


Ninguém como Padre Correia da Cunha percebia tão bem a natureza. A estação que mais lhe enchia o seu coração era a Primavera. Não era necessário calendário para ele sentir as carícias dos dias primaveris, porque o canto melodioso dos passarinhos e o perfume suave das flores lhe despertavam os seus apurados sentidos.


Costumava recordar os seus longos passeios primaveris pelos alegres parques do seminário dos Olivais, na companhia dos seus dilectos amigos seminaristas.



Foi do Padre Teodoro Marques que escutei o seguinte testemunho: “ Correia da Cunha todos inícios de primavera, no peitoril da janela do seu quarto, construía ninhos com algodão para que os passarinhos ali pusessem os seus ovos e criassem com toda a segurança as suas crias. Com ingénita espontaneidade acrescentava: Deus planta o seu Reino.”

Primavera! Para ele era a estação das flores dos sorrisos e dos passarinhos… A Primavera fazia desabrochar nos corações as mais doces ilusões e o cheiro dos aromas das coisas que renascem.
Quanta beleza e harmonia haviam nas árvores renascentes!






Quando era jovem Capelão da Marinha e vivia no Mosteiro de São Vicente de Fora, tornou-se num verdadeiro amante da canaricultora. Deleitava-se com o canto, beleza da plumagem e da aguçada inteligência destes animais.

Mais tarde e durante longos anos, Padre Correia da Cunha possuía nos claustros do majestoso Mosteiro de São Vicente de Fora dois bonitos corvos negros, Vicente e Valério, seus leais e inseparáveis companheiros.

Nas manhãs festivas e perfumadas, Padre Correia da Cunha acordava com a ânsia de contemplar e saudar os seus pássaros que tratava com delicado zelo e carinho, que considerava como belas criaturas da mãe natureza.

As tardes de Primavera, para Padre Correia da Cunha, tinham a serenidade das coisas misteriosas, que nasciam na transparência amena de um raio de sol! Eram nestas horas quentes do crepúsculo que a sua alma se inebriava no sublime esplendor da obra divina que os seus olhos sabiamente contemplavam. Padre Correia da Cunha era um jovem padre que ambicionava transformar o mundo pelo coração do Homem.

Sempre se interrogava como era possível a Graça de Deus o ter enchido com tantas riquezas, tendo ele um coração tão pecaminoso e não valer nada…mas em compensação o Senhor colocara no mundo tantas pequeninas coisas, que embriagavam a sua alma e que ele não se cansava em transmitir aos seus jovens por forma a saborearem e a viverem com toda a ventura, pois os conduziriam às ditosas esperanças…


Os dias de primavera para Padre Correia da Cunha eram bafejos divinos, que afagavam a sua vida e regavam a sua consciência para viver em compaixão com todos os homens, seus irmãos.

Mais tarde, já como Pároco de São Vicente de Fora costumava referir: A paróquia deve ser uma família onde todos devemos aproveitar a “primavera constante sempre florida” ao longo do ano para aí colhermos pouco a pouco, dia-a-dia, a força para o serviço desinteressado aos irmãos.
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terça-feira, 1 de março de 2011

PE. CORREIA DA CUNHA E O YÉ YÉ

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“É PRECISO MUITA COMPREENSÃO  E COMPAIXÃO.”



Hoje, quero trazer à memória aquela noite mágica de Julho, do ano de 1967, na Paróquia de São Vicente de Fora. Naquele dia, o seu vizinho Tejo ainda apresentava um admirável poente rubro.


Era uma noite de sábado cálida, saborosa, em que aos jovens lhes apetecia cantar e dançar ao ritmo do seu tempo.


Ao redor da esplendorosa Igreja de São Vicente de Fora, viam-se numerosos grupos de jovens e alguns com instrumentos musicais modernos: com natural predomínio para a guitarra eléctrica. Os transeuntes e observadores mais desprevenidos gaguejavam de espanto – todos estes jovens se dirigiam para a igreja. Alguma coisa de invulgar e absolutamente estranha naquele local iria acontecer.

Muitas centenas de pessoas acorriam a esta Para-Liturgia com jovens. Eram estes naturalmente que predominavam e, havia nos seus rostos um enorme entusiasmo visível. Porém, também os mais idosos estavam representados com largueza; desde as velhinhas até aos religiosos (incluindo os Padres Beneditinos da Igreja da Graça) todos estavam presentes. Homens feitos, alguns marinheiros, soldados, estudantes de capa e batina, assim como gente bem conhecida, como as actrizes Amélia Rey Colaço e Henriette Morineau, e a poetiza Shopia de Mello Breyner Anderson, entre outras personalidades, também para lá acudiam.



No transepto havia um pequeno altar, sóbrio e liso. Do lado do Evangelho, um conjunto de música moderna – três violas eléctricas, um órgão, uma bateria, um acordeão e, ao fundo, uma harpa.


Padre Correia da Cunha para este grandioso evento produziu um magnífico guião, com os cânticos que se iam entoar ao som e ao ritmo desse tempo, que com tanto entusiasmo líamos e que todos os presentes tinham nas mãos.

Padre Correia da Cunha iniciou esta Liturgia, dirigindo-se a todos os participantes com as seguintes palavras:





“A liturgia cristã foi, nas suas origens e durante séculos, a expressão religiosa espontânea do povo de Deus. Deixou de o ser para se tornar um protocolo complicado, um rito esquemático, uma obrigação, um preceito. Deu-se então um divórcio entre a vida de todos os dias e a oração.
O Concílio Vaticano II veio renovar também a liturgia. Em vez do latim, a língua de cada povo. E mais; uma liturgia sem rigidez, flexível, lançada na aventura da vida, procurando o sol, inserindo-se na sua época, em busca do seu ser verdadeiro.”

Houve então uma leitura das Sagradas Escrituras, seguidas de comentários. Houve belos cânticos. Procurou-se que todos participassem activamente.

Padre Correia da Cunha falou de seguida com palavras claras e vigorosas:

“Todos quantos temos fé, e estamos com o Senhor, devemos viver em caridade, amar o próximo. É preciso muita compreensão e compaixão. Se assim não for, ninguém se poderá salvar, por mais missas que ouça.
Temos de ir todos, velhos e novos, pais e filhos, para o choque da vida de todos os dias. Isso é indispensável.”

Padre Correia da Cunha queria que naquele templo, com séculos de história, habitasse uma espiritualidade rejuvenescida.


Em profundo e absoluto silêncio, seguiu-se a distribuição da Eucaristia. Houve muita gente que comungou. O conjunto musical irrompeu então com uma melodia bonita, animada, moderna que era um tributário do “jazz”. Não era o órgão, pesado, secular, mortiço; era sim uma renovada chama. Alguma coisa de novo. E todos os participantes cantavam. Nos jovens havia redobrado entusiasmo. Os mais velhos também aderiram e aqui e ali já batiam o compasso com o pé, tal como os mais jovens.

No majestoso templo, com séculos de história, uma música de 1967 foi cântico de espiritualidade rejuvenescida:







Exultemos de alegria no Senhor
Vinde, vinde reunir-vos e aproximai-vos
Vós que fostes salvos
De entre todas as nações.




Ouvi este alvoroço
Que se ergue na cidade
Escutai esse tumulto
Que nos vem lá do templo.



Um cântico de entrada e dois cânticos de meditação, um clamor crescente, cada vez mais harmonioso, atingiram o clímax no cântico final: GRAÇAS AO SENHOR!A música, todos a conheciam, da ouvirem na voz rouca, inconfundível, de Louis Amstrong – When the Saints (jazz, espirituais negros).

Os jovens, sobretudo, cantavam com uma enorme alegria, a que alguns locais já se tinham desabituado:

Graças ao Senhor
Porque Ele é bom…

Que alegrais a minha Juventude.








Cada época tem a sua fisionomia, as suas características, a sua sensibilidade. Tem também o seu ritmo vital. Padre Correia da Cunha costumava referir: que a cultura muda, a inteligência é forçada a dar atenção à sensibilidade e aos novos fenómenos, a abrir-se para novas formas de viver, criando estruturas diferentes, porque as outras se vão naturalmente quebrando pela dilatação da alma renovada que se forma no interior. Ninguém pode estar contra o seu tempo.


Quem se colocar contra ele, perde-se invariavelmente. Pode, por momentos dominar, mas apenas isso – pela força e de forma provisória. Os sinais dos tempos de que falava o Papa João XXIII acabam necessariamente por se impor.
No final da cerimónia, o ambiente era de animação, de júbilo, quase de euforia.


Brevemente voltarei abordar as experiencias levadas a cabo por Padre Correia da Cunha, para assembleias restritas, cujos resultados foram geradores de cristãos de fibra e de força no serviço aos irmãos.

Só o velho sacristão Sr. Manuel, que servia devotamente há mais de
cinquenta anos a Paróquia de São Vicente de Fora, ficava mal-humorado e expressava com toda a sua indignação: “Não compreendo nem sei o que isto representa. Dizem que é o YÉ – YÉ…”
























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