quarta-feira, 23 de junho de 2010

PADRE CORREIA DA CUNHA E O PATRIMÓNIO

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UM HOMEM SÓ… DE UM SÓ ROSTO, UMA SÓ FÉ!


O Padre José Correia da Cunha, guardião nos anos 60 e 70 da Igreja de São Vicente de Fora e Mosteiro, dedicou-se de corpo e alma à defesa daquele singular e valiosíssimo património. Só hoje, compreendo como ele em toda a sua monumental grandeza, pressionava permanentemente os poderes públicos, como a Direcção Geral dos Monumentos Nacionais, com o intuito de salvar um dos mais belos e imponentes monumentos de Lisboa. A publicação dessa correspondência possibilitaria explorar a importância histórica e simbólica que Padre Correia da Cunha colocava num quadro de valores do ‘seu’ valioso património arquitectónico, e que lhe estava confiado.



Cumpre-me destacar a sua descomunal actividade espiritual assim como o seu imenso amor à beleza, a inventividade artística e a perene juventude das suas ideias. Ao longo dos seus 17 anos de pároco, a fecundidade da preservação do património foram autênticos milagres. Os seus ‘projectos’, arrancados pelas suas convicções e determinação, levavam-no a ter contacto com as mais altas figuras do Estado. Lembro-me de o Padre Correia da Cunha ter abordado directamente, por várias vezes, o Prof. Oliveira Salazar sobre várias intervenções de vulto necessárias no monumento, sob pena de Portugal perder de uma forma irreparável esta peça do seu tão adorável património. Todas essas intervenções se realizaram sem se ter de encerrar o edifício ao culto.



Quero recordar hoje aqui que em pouco mais de dois anos se construiu uma dupla cúpula e se revestiram os ricos interiores em pedra lioz do Panteão Nacional. Seria por ter o empenhamento pessoal de Salazar?



Passados dois anos sobre o encerramento da Igreja de São Vicente, impressionante monumento nacional ex-líbris da cidade de Lisboa, não só pelo seu estilo artístico mas sobretudo pela forma como se impõe com as suas proporções grandiosas, dominando a cidade e o Tejo, temos todos de reconhecer que independente do momento de dificuldades financeiras que todos vivermos terá de haver aqui também veladamente falta de competência e uma total falta de responsabilidade. Este gesto retira aos milhares de visitantes desta amada cidade a possibilidade de um encontro com esta magnifica jóia da arquitectura. Estou seguro que o Padre Correia da Cunha já teria convidado o seu bom amigo Presidente da República, marujo das mesma águas, a visitar e a presenciar in loco o grave atentado que se estaria cometendo com este prolongado encerramento da Igreja mais emblemática do Centro Histórico de Lisboa.



Está escrito em várias revistas da época que: “era difícil encontrar pessoa de iniciativa e mais expedito que este grande benemérito pároco de São Vicente de Fora – Padre José Correia da Cunha – que conseguia operar milagres no edifício, especialmente na IGREJA’’. Padre Correia da Cunha tinha um imenso cuidado na exposição, filtrada pela sua invejável inteligência e requintado e absoluto bom gosto. O seu círculo de amigos bem conheciam o seu elaborado processo afectivo que primava por uma requintada sensibilidade… porque os objectos e tesouros de arte eram um pedaço da sua alma.



Quando em 1960, o Padre Correia da Cunha assumia a Paróquia de São Vicente de Fora, muito do Património edificado encontrava-se em estado de ruína e os claustros, votados completamente ao abandono. Hoje, verifica-se que o desprezo pelo estudo e conservação dos monumentos históricos persiste; e todos assistimos, de um modo estranho, pacificamente a isto. Todos assistimos aos dois anos de inactividade da desta peça de arte, completamente retiradas dos olhos de milhares visitantes, e dos grandes actos de culto ali realizados.



São Vicente de Fora era a sua casa. Tinha com aquele imenso espaço uma forte relação de amor. Todos ainda nos recordamos do Padre Correia da Cunha com a sua batina preta, caminhando tão leve e silenciosamente que os seus pés pareciam plumas.



Quase 33 anos depois do seu falecimento, era propósito de um grupo de amigos de Padre Correia da Cunha em colaboração com a Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora, considerar uma Homenagem de Gratidão, com um Concerto de Órgão, no próximo dia 24 de Setembro, aproveitando-se a presença do seu adorável amigo Robert Descombes, actual titular e conservador do órgão d'Orgelet, um dos mais antigos instrumentos de Franche Comte.


Mas, infelizmente as obras eternamente adiadas e sem fim tão características do templo de Santa Engrácia (actual Panteão Nacional) transitaram para o templo de São Vicente de Fora.

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sexta-feira, 11 de junho de 2010

PE. CORREIA DA CUNHA E A TOPONÍMICA

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A festa significava ter um coração cheio de alegria




Os magníficos claustros eram os recantos mais vivos do nosso Mosteiro de São Vicente de Fora.
Aqueles longos corredores esfregavam a imaginação e a criatividade de qualquer jovem.


No longo corredor, que descia da Capela dos Meninos de Palhavã, existia ali uma inscrição, a Avenida do Padre Cunha, merecedora de respeitosas reverências. O corredor que passava junto ao Panteão dos Patriarcas tinha uma inscrição: Rua Foge, vem aí o Prior. Ainda hoje me recordo destas inscrições nas esquinas… e com uma saudade longínqua. Penso que alguém me poderá ajudar a descobrir para este pedacinho da história… a toponímica das restantes ruas e avenidas…



Aquele monumento era um depósito de recordações e tinha o privilégio de destacar naqueles corredores, onde havia um cheiro rústico, grandes experiências da fecunda e incontrolada imaginação da juventude…



Há tantas emoções espalhadas por ali! Desde o silêncio sepulcral até ao balançar dos pares de namorados que aproveitavam aqueles espaços graciosos para se deixarem enrolar nas vibrações das promessas e dos beijos. Mas o local mais belo dos Claustros de São Vicente de Fora era o pátio onde se encontrava uma velha cisterna – local de eleição e inspirador para muitos namorados, que ali vivam os seus breves flirts.




Estas ruas e avenidas em bons traços geométricos sempre defraudavam nossas expectativas, pois Padre Correia da Cunha acabava por aparecer, procurando sanar as loucas correrias e os brados duma juventude irrequieta. Como mestre, lá acariciava os corações dos seus educandos e aproveitava para transmitir o seu saber, contribuindo assim para o nosso crescimento de bons cristãos, de valores morais e cidadãos construtores de um mundo melhor.




Há certos lugares, nas nossas vidas que nunca ficam esquecidos, os claustros do Mosteiro de São Vicente são um deles.
Se não fossem as esquinas, as ruas não seriam ruas e avenidas: seriam estradas ou caminhos. Mas aqueles claustros tinham esquinas. E as esquinas são em geral o ângulo recto das ruas e avenidas, onde a gente quase sempre encontra uma voz ecoando, com ou sem eco, afagando uma esperança qualquer, enrolada num sonho hipotético.



Era também nestes belos claustros que Padre Correia da Cunha organizava as grandes festas de confraternização com os seus paroquianos, assim como os grandes jantares partilhados com as gentes da Beira Serra.


Estas muitas iniciativas destinavam-se a proporcionar neste belo local, revestido de azulejos do séc. XVIII, movimentadas festas onde os seus paroquianos participavam e onde era impressas, sempre por Padre Correia da Cunha, notas de verdadeira originalidade e beleza.




Quem não recorda ainda as magníficas exposições/concurso de sugestivos presépios, que davam uma nota de remarcado bom gosto aos claustros. Era um ambiente de festa natalícia cheia de delicadeza com música ambiente própria do tempo. Que encanto e beleza!



O presidente do júri era sempre Padre Correia da Cunha, que confiando no seu sentido de bom gosto, permanentemente atribuía o prémio ao presépio de maior originalidade mas construído dos materiais mais singelos.



Padre Correia da Cunha acreditava que uma alegria profunda era o sinal mais claro do desígnio de Deus para o ser humano. A rabugice não constituía para ele uma virtude cristã. Não há Santos eternamente tristes. Se Deus é o centro da nossa vida a festa e alegria são inevitáveis.

É curioso e ainda hoje me interrogo: como as pessoas vivendo tempos dolorosos, difíceis e tristes ainda tinham tanta alegria dentro dos seus corações.
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sexta-feira, 4 de junho de 2010

PE. CORREIA DA CUNHA E A ABENÇOADA BOFETADA

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‘’AMIZADES VERDADEIRAS NÃO SE PERDEM… SÃO ETERNAS. ‘’





Em Lisboa, o mais visto, o mais concorrido e mais popular arraial era o promovido por Padre Correia da Cunha, na Cerca da Igreja de São Vicente de Fora, durante o mês de Junho.

Os jovens e suas famílias enchiam esse espaço até de madrugada. Não faltava a boa sardinha assada,o bom vinho… e cheiro a manjerico, nunca esquecendo a boa música para o baile que se realizava nesse simpático espaço, engalanado com festões e balões coloridos iluminados.

Numa daquelas noites quentes de Junho o coração de um jovem estava arrefecido. Ela que era o seu sonho e a sua grande esperança tinha partido…É verdade! Tinha-se despedido dela no Aeroporto de Lisboa. De longe viu-a gesticular uma carícia que se resumia a um beijo de despedida…

Cada um de nós está envolvido por sentimentos e emoções que tocam profundamente as nossas almas. No regresso a São Vicente, calcorreando as longas avenidas e ruas da cidade… aqui e ali haviam umas pequenas paragens nas rústicas tabernas para afogar as mágoas, que sublimavam esta terrível separação. Quebravam-se as promessas? Embriagado sempre se embalava nas carícias, que conservava no seu pensamento…

Por falar em separação… lembro também que teriam ocorrido alguns actos bruscos entre o jovem e Padre Correia da Cunha, que tinham rompido os gestos afectivos e de admiração entre ambos. O corte de relações era um acto consumado já com alguns meses de duração.


As tradições das noites dos Santos Populares eram sonhos colocados nas páginas das nossas vidas. Reminiscência de uma época que cultivava o romantismo que reinava nas noites encantadas que Padre Correia da Cunha teimosamente continuava a oferecer aos seus queridos paroquianos, naqueles saudosos arraiais.

Aquele arraial era tudo para aquele jovem. Como poderia ir para casa sem primeiro ali marcar presença?
Era ali que tinha os seus amigos mais próximos e onde poderia continuar afogar a sua enorme dor. Impulsionado por esse forte desejo ali terminou a sua longa caminhada.

Era tradição de Padre Correia da Cunha no final da folia colocar-se no enorme portão da cerca, na qualidade de anfitrião, para saudar e agradecer a presença dos folgazões.

Surgia aqui um grave problema para o nosso jovem. Como sair?

- Esquivo-me, para além de evitar certas inconveniências, o Padre Correia da Cunha não me verá…

Quando iniciava esta arriscada operação, deu de caras com o Reverendo, sendo obrigado a estender-lhe a mão e a cumprimentá-lo respeitosamente.


Sendo de imediato interrogado por Padre Correia da Cunha:

- Há tanto tempo que não me cumprimentas, porque o fazes hoje?

Saiu-lhe de imediato a resposta.

- Porque estou bêbado!

Padre Correia da Cunha bruscamente levanta a mão e dá-lhe uma grande bofetada.

Apesar deste seu acto irreflectido Padre Correia da Cunha sabia muito bem como conquistar com os seus gestos afectivos a amizade dos seus amigos.

Esta história teria um fim feliz porque a realidade nesse tempo tinha sentimentos humanos. Depois de uma longa conversa de corações abertos, consolidou-se o amor, recuperou-se uma amizade profunda… e com mais uns bons copos à mistura lá se construiu uma promessa em novas e jubilosas esperanças.

AMBOS RECONHECERAM QUE ERAM LEAIS E BONS AMIGOS!

As tradicionais noites dos Santos Populares já não são como deveriam ser. Esta história bonita é impensável nos nossos dias, porque a realidade actual excluiu os sentimentos humanos e o respeito pelos mais velhos, assim como toda aquela parcela de romantismo que reinava na nossa juventude.

Neste mês de Junho vão realizar-se as Festas dos Santos Populares. Creio que poderá haver uma nesga de felicidade com estas tradições dos arraiais e das marchas populares.

Sinto-me feliz ao recordar as noites dos Santos Populares naquela magnifica cerca de São Vicente de Fora, quando na noite de São João se acendia a fogueira e se queimavam as alcachofras. Tudo era muito simples mas um belo espectáculo…


Velhas Noites dos Santos Populares!!!.
Enquanto numa já muito afastada noite de São João, certo rapaz reconquistava a amizade do Padre Correia da Cunha, eu conservo recordações e lembranças ingénuas das noites bem passadas da minha juventude. E estou certo que há quem se sinta feliz em recordar estes tradicionais arraiais.







NOTA: A cerca de São Vicente de Fora fica situada ao cimo da ladeira, que dá acesso ao popular Telheiro de São Vicente de Fora. (no lado esquerdo da fachada da Igreja de São Vicente). Casas pitorescas do Telheiro de São Vicente de Fora - Gravura de Martins Barata
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