segunda-feira, 24 de junho de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA E A EPOCA DOS EXAMES












 
 

“Não podia omitir-se! E seria difícil lavar as mãos como Pilatos, deixando que os seus jovens se arranjassem…”

 

 
 
 
 
 


No mês de Junho, Lisboa vestia-se de beleza e alegria. Milhares de pessoas afluíam ao coração da velha cidade para demonstrarem em absoluto o interesse pelas festas dos Santos Populares que constituíam um dos mais belos espectáculos de animação e entusiasmo.
 
Mas era também o mês, para muitos pais que tinham filhos a estudar, a época de grande penitência. Lembravam-se de súbito que chegava o momento desagradável das sanções (os malditos exames).
 
O Padre Correia da Cunha bem sabia e tinha profunda consciência que muitos pais tinham levado meses e meses despreocupados do trabalho escolar, do esforço e até da capacidade intelectual dos seus filhos.
 
Os seus paroquianos eram gente humilde, laboriosa e honesta, oriunda da Beira Serra e com um baixo nível de escolaridade. Não observavam, não vigiavam a boa ou má vontade, a maior ou melhor apetência dos filhos perante a obrigatória e quotidiana tarefa que era estudar.
 
Muitos pais nem sabiam o que os seus filhos tinham aprendido, nem o que lhes era ensinado. Mas envidavam todos os esforços, chegando às raias do sacrifício, com o objectivo de dar aos seus filhos um “futuro diferente” pela escolarização e assegurar-lhes um lugar no ensino superior.
 
 Esta boa gente convictamente pensava: O futuro a Deus pertence!
 
O futuro ali estava porém transformado em presente angústia. Era tempo de mostrar interesse superlativo, aliás, compreensível mas muitas vezes tardio pela sorte dos seus filhos.
 
Urgia o tempo certo da intervenção do Padre Correia da Cunha pelo bem comum, educando, protegendo e derramando as lições salvadoras em benefício do futuro de muitos dos adolescentes e jovens que frequentavam as actividades da sua paróquia.
 
Convocava todos os professores da Comunidade Paroquial para darem (gratuitamente) explicações intensivas sobre as mais diversas matérias dos vários programas escolares. Pois, numa Comunidade Cristã todos temos o dever da entreajuda como membros da mesma família. E ao longo das semanas de preparação para os exames, a azáfama aumentava nos claustros do Mosteiro de São Vicente de Fora e as muitas salas eram transformadas em locais de trabalho e estudo para os ajudar a adquirir conhecimentos indispensáveis para se ultrapassar uma nova meta no nosso currículo escolar.
 
 

 




Ficava a seu cargo o ensino do Português pois como sabemos, o Padre Correia da Cunha tinha um verdadeiro culto pelo Latim. Na interpretação de qualquer texto dos famosos da nossa literatura, punha em movimento todo o nosso espírito, obrigando-nos a um trabalho de penetração igualmente fecundo para a inteligência e para a sensibilidade. Para ele não podia haver um homem perfeito sem dominar a mãe da língua e efectuar uma correcta interpretação morfológica da língua portuguesa. Era ponto central, para o Padre Correia da Cunha, o profundo e correcto conhecimento da língua de Camões.

 

Aprovação? Reprovação? Eram as inquietações e lamentações dos pais que mais cedo ou mais tarde deveriam ser conhecidas e verificadas.


 
 
 
O Padre Correia da Cunha considerava que, como pastor e mestre, tinha o dever de colaborar nesta difícil e delicadíssima incumbência das famílias e colocar em prática todos os meios eficientes para ajudar na educação escolar das novas gerações. Era com este espírito que cooperava com as famílias, professores e jovens universitários… para, em verdadeiro espírito de missão, solidariamente todos contribuíssem para o sucesso de mais um ano lectivo dos seus jovens.

 

Havia muitas famílias que nesta época estavam convencidas de que os professores eram uma espécie de Senhores absolutos e tiranos que tinham a faculdade de aprovar ou reprovar.


Mas efectivamente não era assim. O Padre Correia da Cunha considerava muito importante abrir uma escola para os pais, onde pudessem ser ajudados a colocarem em prática métodos eficientes para suprimirem os defeitos que porventura existiam ao longo do ano lectivo dos seus filhos, com uma maior aproximação à escola e aos seus mestres.

 

Mas como referia o Padre Correia da Cunha: CHORAR É MAIS FÁCIL QUE TOMAR INICIATIVAS ÚTEIS.

 

No final, todos felizes pelos resultados alcançados nos exames, os adolescentes e os jovens de São Vicente de Fora partiam para as “ Santas Terrinhas” dos seus pais, onde lhes eram transmitidos conhecimentos da laboriosa vida rural pelas gentes daquelas paragens e tão desconhecidos das grandes cidades.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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quarta-feira, 12 de junho de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA E O ARRAIAL DA CERCA











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“Enquanto houver arraiais. Enquanto houver Santo António. Lisboa não morre mais.”

 

Era na véspera do dia de Santo António, um dos “quatro” Santos Populares de Lisboa, que o Padre Correia da Cunha se irmanava com os seus amigos paroquianos, no mesmo ardor, para viverem na folgança do arraial organizado pela paróquia, todos os anos na Cerca do Mosteiro de São Vicente de Fora.
A abertura do famoso arraial de beneficência da Paróquia de São Vicente de Fora, nessa noite festiva de Santo António, era um acontecimento de interesse popular para o pitoresco bairro e para a cidade de Lisboa.
Milhares de pessoas se deslocavam até aquela linda cerca, engalanada para o efeito, onde sabiam que tinham numerosos motivos de entretenimento. 

 
 
 
 
Tinha razão o Padre Correia da Cunha em mobilizar todos os seus paroquianos, os vários movimentos (Conferências de São Vicente de Paulo, Catequese Paroquial, Apostolado da Oração,Patronato de Nuno Alvares Pereira, Grupos de Jovens…) para que tudo estivesse impecável na noite de Santo António, dia oficial da abertura do arraial.
As expectativas confirmavam-se amplamente. No recinto, havia uma oferta infindável de divertimentos: barracas de jogos de setas, com o intuito de acertar em várias cartas coladas no enorme placard de cortiça; argolas para enfiar nos gargalos das garrafas de vinho do Porto, bolas de trapo para derrubarem as latas…
As tendas das quermesses com as suas gambiarras de lâmpadas coloridas, festões e bandeiras, proporcionavam um belíssimo aspecto ao local. O recinto de baile, cuidadosamente decorado de festões e luz a jorros, era o centro de atracção do magnífico local com vista sobre o Tejo.
Por sobre isto, havia arranjos meticulosos e sempre com jeito educativo, tronos dos Santos Populares, aos quais o Padre Correia da Cunha nunca se esquecia de juntar o do seu devoto Santo Padroeiro de Lisboa, São Vicente.
Como era possível alcançar-se todo este panorama decorativo? Sem dúvida devido ao bom gosto do Padre Correia da Cunha que todos os anos não se cansava de pedir ao vereador do pelouro da Câmara Municipal de Lisboa, a cedência dos mastros de bandeira, casinhotas decorativas, vasos de verduras ornamentais e outros equipamentos para a logística do evento.
 
 
Recordo que o Padre Correia da Cunha convidava para este arraial altas individualidades da vida nacional, que se faziam acompanhar das suas esposas e aquém ele oferecia sempre um vaso de manjerico com os tradicionais cravos de papel. Quase sempre em troca, recebia um donativo para as obras caritativas da Paróquia.
Outro aspecto fundamental do recinto era a banca dos comes e bebes com as comidas típicas da época assim como a boa música portuguesa que animava todo aquele enorme espaço.

 
 




As rainhas da festa eram a sardinha fresca e a febra saborosa acompanhada do vinho seleccionado, cujas qualidades o Padre Correia da Cunha tanto gostava de enaltecer. Para estas noites de folia, o Padre Correia da Cunha aconselhava-se com o deus Baco que lhe recomendava um néctar de cor carregada, que na gíria se dava pelo nome de carrascão, mas como ele referia sem baptismo (sem mistura de água).

As sardinhas assadas quentinhas e loirinhas, acompanhadas de uma boa salada de tomate, alface, pepino e pimento e muita cebola, eram a justificação para se repetirem as muitas rodadas do bom vinho servido em canjirões de barro.

 

A título de curiosidade histórica relembro que nos primeiros tempos da Monarquia, o preço do vinho em Lisboa era posto em «Assembleia dos Homens bons do Concelho», presidida pelo prior de São Vicente de Fora.

O Padre Correia da Cunha era um bom amigo dos seus paroquianos e da sua amada Lisboa pelo que valorizava as Festas dos Santos Populares e todos os anos organizava naquele ameno local aquele fantástico arraial.

 




Não arrefecerá tão cedo a memória deste alfacinha, marinheiro, simples, dedicado, culto e infatigável que foi este prior de São Vicente de Fora e soube fazer ao seu modo, subjugado pela magia que a cidade que o viu nascer, lhe havia marcado na sua alma de Lisboeta.

Lisboa e o bairro de São Vicente de Fora precisarão sempre de homens que em toda a sua simplicidade exaltem estas tradições impregnadas de grande sensibilidade e que o povo adora participar activamente. Sim, porque o povo idolatra as festas dos seus Santos Populares: Santo António, São João, São Pedro e São Vicente.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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quinta-feira, 6 de junho de 2013

PE CORREIA DA CUNHA E O ARCO DE SÃO VICENTE












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(aguarela de Salgado Dias)

 

 

“ AQUELE ARCO COM O RIO TEJO AO FUNDO FAZIA O SACERDOTE POETA SONHAR…”

 

 
 

O Padre Correia da Cunha teve a graça e o privilégio de conduzir uma paróquia que se localizava num local raro de Lisboa que lhe permitia sonhar e ter visões retrospectivas. Do seu “triunfal” ARCO podia observar meia freguesia do bairro fidalgo e popular que se fez crescer à sombra do velho e histórico Mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho.

 

É certo que o imponente ARCO não é antigo, data de 1807, substituiu a velha porta de São Vicente da cerca nova de D. Fernando I. Mas o caminho a que o ARCO dá acesso é tão recuado como a imagem de Nossa Senhora da Conceição da Enfermaria que o Padre Correia da Cunha lembrava ter estado no arraial do nosso primeiro Rei D. Afonso I (situado no Telheiro de São Vicente)

 

 

Este ARCO de São Vicente de Fora era diariamente atravessado pelo Padre Correia da Cunha no seu trajecto para o Hospital da Marinha e mais tarde para as OGFE. Estou seguro que foi este o cenário que o inspirou para escrever o primeiro acto do seu Auto de Natal. Era nesta caminhada pelo solitário espaço do Campo de Santa Clara que recordava a sua novela de vida, pois este lugar era o quadro de poesia melancolicamente bairrista.





 
Para lá do alto ARCO nascia o Campo de Santa Clara com a sua imensa grandeza e a evocação das freiras da Ordem Franciscana de Santa Clara, e a secular Feira da Ladra que remonta ao Séc. XIII. Ali desde 1882, saborosa e pitoresca, duas vezes por semana – às terças-feiras e aos sábados –.
 
Nesse Campo fica também o Palácio dos Barbacenas, transformado em Messe dos Oficiais do Exercito Português que o Padre Correia da Cunha frequentava continuamente, pois os hospedes que ali se alojavam eram seus paroquianos durante a estadia. Chamava-lhes  paroquianos itinerantes.
 
 
 Era importante para ele desejar-lhes as boas-vindas. Também ali almoçava e jantava muitas vezes na companhia de muitos amigos em conversas francas e genuínas. O Padre Correia da Cunha reconhecia a importância e o prazer de conviver com amigos e outras pessoas, o que era essencial para manter o seu equilíbrio emocional.
 



O Palácio Sinel de Cordes estava transformado na Escola Primária do bairro. O Padre Correia da Cunha com a colaboração das Irmãs Salesianas da Casa Pia de Santa Clara esmerava-se na instrução religiosa das cerca de 600 crianças de ambos os sexos, que frequentavam aquele velho casarão.

 

Recordo que à época o livro da instrução primária, designado de único, era preenchido com vários capítulos da Doutrina Cristã. Uma hora por semana era ministrada a formação católica aos alunos que frequentavam aquele estabelecimento de ensino. Aproveito para homenagear alguns dos dedicados professores que abriram os horizontes do Mundo a tantas gerações de crianças do bairro de São Vicente de Fora: Prof. Pedro e s/esposa Emilia, Prof. Oliveira, Profª Olga, Prof. Lousã, Prof. Pires, Prof. Rebocho, Profª Laura, Profª Lucinda, Profª Isabel, Prof. Gustavo Cardeira, Profª. Varandas, Profª Natália, Prof. Ramalho…

Fico à espera que sejam recordados mais nomes dos abnegados professores que ali exerceram a sua missão na formação integral das crianças, tendo a preocupação da sua saúde, higiene, alimentação, exercício físico, desportivo… estimulação intelectual e participação social.




O Palácio do Lavradio transformado no ano de 1875, para funcionamento dos Tribunais Militares apresentava a sua fachada virada para o jardim Boto Machado. No seu frontão principal tem a estátua da Justiça, representada por uma figura feminina sentada, ostentando a espada e a balança. Ali era exercida a Justiça Militar.

 

A terminar, o Páteo de São Vicente que viu rodar os coches de sete Patriarcas de Lisboa, o mercado de Santa Clara, de onde se avista o Panteão Nacional e ao longe, o Tejo largo e azul. 

 

A Feira da Ladra que o Padre Correia da Cunha frequentava assiduamente e onde adquiria objectos de grande valor artístico e histórico, nem sempre funcionou no Campo de Santa Clara com aquela imagem pitoresca.

Só ali estava desde 1882 e sempre ouvi falar da sua transferência para outro local da cidade. Aliás, na sua longa existência atribulada e movediça já deu muitos saltos.

 

Referia o Padre Correia da Cunha que a Feira da Ladra fazia singular contraste com o ambiente aristocrático de São Vicente de Fora mas tinha complicada história o popularíssimo mercado de velharias e inutilidades.

 

Descende em linha recta segundo os investigadores de uma feira que em tempos anteriores à monarquia se realizava num pequeno largo junto do Castelo de São Jorge. Temos assim, que a Feira da Ladra – embora sem tal denominação já existia no período sarraceno.

 

Desde o reinado de D. Afonso III até 1430 não se sabe onde andou vadiando o pitoresco mercado. Sabe-se é que em tempos de D. João III a Rainha D. Catarina, á semelhança do Padre Correia da Cunha ,frequentava as suas tendas.

 

A primeira vez que aparece a denominação “Feira da Ladra” é numa postura do ano de 1610.

 

Várias vezes interroguei o Padre Correia da Cunha sobre o nome atribuído a esta secular feira. Dizia ele, que havia grandes divisões dos historiadores sobre o passado Lisboeta deste mercado. Pelo que não valia a pena investigar e arranhar a cachimónia, mas aceitar tal como se apresenta desde os inícios do Séc. XVII.





Só no tempo do nosso Rei D. Luis I, decorria o ano de 1882, é que a Feira da Ladra se fixou no Campo de Santa Clara – o velho campo da forca – onde continua ainda à sombra do Mosteiro de São Vicente de Fora transformado, desde o ano de 1998, na Sede do Patriarcado de Lisboa, entre os velhos Palácios da fidalguia e o majestoso ARCO com horizontes debruçados sobre o Tejo.



Também foram sob este ARCO que se sentiram os novos ventos de mudança nas posições vitais da Igreja Paroquial de São Vicente de Fora, com correntes de pensamento de sinais contrários: uns que pretendiam conservarem os valores tradicionais, e os que sobre a corajosa determinação do Padre Correia da Cunha queriam introduzir reformas para que a Igreja pudesse responder às necessidades do novo mundo que nascia com o Concilio de Vaticano II.

 

Para o Padre Correia da Cunha era urgente a evangelização de um povo oficialmente cristão mas que não assimilava pessoalmente a FÉ, enquanto para muitos o importante era conservar incólume a grei dos baptizados.

 

A velha paróquia de São Vicente continua a merecer os favores dos Lisboetas que nunca lhe faltaram desde os tempos recuados da sua fundação fora dos muros da cidade.















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