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“Enquanto houver arraiais. Enquanto houver Santo
António. Lisboa não morre mais.”
Era na véspera do dia de Santo
António, um dos “quatro” Santos Populares de Lisboa, que o Padre Correia da Cunha
se irmanava com os seus amigos paroquianos, no mesmo ardor, para viverem na
folgança do arraial organizado pela paróquia, todos os anos na Cerca do
Mosteiro de São Vicente de Fora.
A abertura do famoso arraial de
beneficência da Paróquia de São Vicente de Fora, nessa noite festiva de Santo
António, era um acontecimento de interesse popular para o pitoresco bairro e
para a cidade de Lisboa.
Milhares de pessoas se
deslocavam até aquela linda cerca, engalanada para o efeito, onde sabiam que
tinham numerosos motivos de entretenimento.
Tinha razão o Padre Correia da
Cunha em mobilizar todos os seus paroquianos, os vários movimentos
(Conferências de São Vicente de Paulo, Catequese Paroquial, Apostolado da
Oração,Patronato de Nuno Alvares Pereira, Grupos de Jovens…) para que tudo estivesse impecável na noite de Santo
António, dia oficial da abertura do arraial.
As expectativas confirmavam-se
amplamente. No recinto, havia uma oferta infindável de divertimentos: barracas
de jogos de setas, com o intuito de acertar em várias cartas coladas no enorme placard de cortiça; argolas para
enfiar nos gargalos das garrafas de vinho do Porto, bolas de trapo para
derrubarem as latas…
As tendas das quermesses com as
suas gambiarras de lâmpadas coloridas, festões e bandeiras, proporcionavam um
belíssimo aspecto ao local. O recinto de baile, cuidadosamente decorado de
festões e luz a jorros, era o centro de atracção do magnífico local com vista
sobre o Tejo.
Por sobre isto, havia arranjos
meticulosos e sempre com jeito educativo, tronos dos Santos Populares, aos
quais o Padre Correia da Cunha nunca se esquecia de juntar o do seu devoto
Santo Padroeiro de Lisboa, São Vicente.
Como era possível alcançar-se
todo este panorama decorativo? Sem dúvida devido ao bom gosto do Padre Correia
da Cunha que todos os anos não se cansava de pedir ao vereador do pelouro da
Câmara Municipal de Lisboa, a cedência dos mastros de bandeira, casinhotas
decorativas, vasos de verduras ornamentais e outros equipamentos para a
logística do evento.
Recordo que o Padre Correia da
Cunha convidava para este arraial altas individualidades da vida nacional, que
se faziam acompanhar das suas esposas e aquém ele oferecia sempre um vaso de
manjerico com os tradicionais cravos de papel. Quase sempre em troca, recebia
um donativo para as obras caritativas da Paróquia.
Outro aspecto fundamental do
recinto era a banca dos comes e bebes com as comidas típicas da época assim como a boa música portuguesa que animava todo aquele enorme
espaço.
As rainhas da festa eram a
sardinha fresca e a febra saborosa acompanhada do vinho seleccionado, cujas
qualidades o Padre Correia da Cunha tanto gostava de enaltecer. Para estas
noites de folia, o Padre Correia da Cunha aconselhava-se com o deus Baco que
lhe recomendava um néctar de cor carregada, que na gíria se dava pelo nome de
carrascão, mas como ele referia sem baptismo (sem mistura de água).
As sardinhas assadas quentinhas
e loirinhas, acompanhadas de uma boa salada de tomate, alface, pepino e pimento
e muita cebola, eram a justificação para se repetirem as muitas rodadas do bom
vinho servido em canjirões de barro.
A título de curiosidade
histórica relembro que nos primeiros tempos da Monarquia, o preço do vinho em
Lisboa era posto em «Assembleia dos Homens bons do Concelho», presidida pelo
prior de São Vicente de Fora.
O Padre Correia da Cunha era um
bom amigo dos seus paroquianos e da sua amada Lisboa pelo que valorizava as
Festas dos Santos Populares e todos os anos organizava naquele ameno local
aquele fantástico arraial.
Não arrefecerá tão cedo a
memória deste alfacinha, marinheiro, simples, dedicado, culto e infatigável que
foi este prior de São Vicente de Fora e soube fazer ao seu modo, subjugado pela
magia que a cidade que o viu nascer, lhe havia marcado na sua alma de Lisboeta.
Lisboa e o bairro de São
Vicente de Fora precisarão sempre de homens que em toda a sua simplicidade
exaltem estas tradições impregnadas de grande sensibilidade e que o povo adora
participar activamente. Sim, porque o povo idolatra as festas dos seus Santos
Populares: Santo António, São João, São Pedro e São Vicente.
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