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(aguarela de Salgado Dias)
“ AQUELE ARCO COM O RIO TEJO AO FUNDO FAZIA O SACERDOTE POETA SONHAR…”
O
Padre Correia da Cunha teve a graça e o privilégio de conduzir uma paróquia que
se localizava num local raro de Lisboa que lhe permitia sonhar e ter visões
retrospectivas. Do seu “triunfal” ARCO podia observar meia freguesia do bairro
fidalgo e popular que se fez crescer à sombra do velho e histórico Mosteiro dos
Cónegos Regrantes de Santo Agostinho.
É
certo que o imponente ARCO não é antigo, data de 1807, substituiu a velha porta
de São Vicente da cerca nova de D. Fernando I. Mas o caminho a que o ARCO dá
acesso é tão recuado como a imagem de Nossa Senhora da Conceição da Enfermaria
que o Padre Correia da Cunha lembrava ter estado no arraial do nosso primeiro
Rei D. Afonso I (situado no Telheiro de São Vicente)
Este
ARCO de São Vicente de Fora era diariamente atravessado pelo Padre Correia da
Cunha no seu trajecto para o Hospital da Marinha e mais tarde para as OGFE. Estou
seguro que foi este o cenário que o inspirou para escrever o primeiro acto do seu
Auto de Natal. Era nesta caminhada pelo solitário espaço do Campo de Santa
Clara que recordava a sua novela de vida, pois este lugar era o quadro de
poesia melancolicamente bairrista.
Para
lá do alto ARCO nascia o Campo de Santa Clara com a sua imensa grandeza e a
evocação das freiras da Ordem Franciscana de Santa Clara, e a secular Feira da
Ladra que remonta ao Séc. XIII. Ali desde 1882, saborosa e pitoresca, duas
vezes por semana – às terças-feiras e aos sábados –.
Nesse Campo fica também o Palácio dos
Barbacenas, transformado em Messe dos
Oficiais do Exercito Português que o Padre Correia da Cunha frequentava continuamente,
pois os hospedes que ali se alojavam eram seus paroquianos durante a estadia.
Chamava-lhes paroquianos itinerantes.
Era importante para ele desejar-lhes as
boas-vindas. Também ali almoçava e jantava muitas vezes na companhia de muitos
amigos em conversas francas e genuínas. O Padre Correia da Cunha reconhecia a
importância e o prazer de conviver com amigos e outras pessoas, o que era essencial
para manter o seu equilíbrio emocional.
O
Palácio Sinel de Cordes estava transformado na Escola Primária do bairro. O Padre
Correia da Cunha com a colaboração das Irmãs Salesianas da Casa Pia de Santa
Clara esmerava-se na instrução religiosa das cerca de 600 crianças de ambos os
sexos, que frequentavam aquele velho casarão.
Recordo
que à época o livro da instrução primária, designado de único, era preenchido
com vários capítulos da Doutrina Cristã. Uma hora por semana era ministrada a
formação católica aos alunos que frequentavam aquele estabelecimento de ensino.
Aproveito para homenagear alguns dos dedicados professores que abriram os
horizontes do Mundo a tantas gerações de crianças do bairro de São Vicente de Fora:
Prof. Pedro e s/esposa Emilia, Prof. Oliveira, Profª Olga, Prof. Lousã, Prof. Pires,
Prof. Rebocho, Profª Laura, Profª Lucinda, Profª Isabel, Prof. Gustavo Cardeira, Profª. Varandas, Profª Natália, Prof. Ramalho…
Fico
à espera que sejam recordados mais nomes dos abnegados professores que ali
exerceram a sua missão na formação integral das crianças, tendo a preocupação
da sua saúde, higiene, alimentação, exercício físico, desportivo… estimulação
intelectual e participação social.
O
Palácio do Lavradio transformado no ano de 1875, para funcionamento dos
Tribunais Militares apresentava a sua fachada virada para o jardim Boto Machado.
No seu frontão principal tem a estátua da Justiça, representada por uma figura
feminina sentada, ostentando a espada e a balança. Ali era exercida a Justiça
Militar.
A
terminar, o Páteo de São Vicente que viu rodar os coches de sete Patriarcas de
Lisboa, o mercado de Santa Clara, de onde se avista o Panteão Nacional e ao
longe, o Tejo largo e azul.
A
Feira da Ladra que o Padre Correia da Cunha frequentava assiduamente e onde adquiria
objectos de grande valor artístico e histórico, nem sempre funcionou no Campo
de Santa Clara com aquela imagem pitoresca.
Só
ali estava desde 1882 e sempre ouvi falar da sua transferência para outro local
da cidade. Aliás, na sua longa existência atribulada e movediça já deu muitos
saltos.
Referia
o Padre Correia da Cunha que a Feira da Ladra fazia singular contraste com o
ambiente aristocrático de São Vicente de Fora mas tinha complicada história o
popularíssimo mercado de velharias e inutilidades.
Descende
em linha recta segundo os investigadores de uma feira que em tempos anteriores
à monarquia se realizava num pequeno largo junto do Castelo de São Jorge. Temos
assim, que a Feira da Ladra – embora sem tal denominação já existia no período
sarraceno.
Desde
o reinado de D. Afonso III até 1430 não se sabe onde andou vadiando o pitoresco
mercado. Sabe-se é que em tempos de D. João III a Rainha D. Catarina, á
semelhança do Padre Correia da Cunha ,frequentava as suas tendas.
A
primeira vez que aparece a denominação “Feira da Ladra” é numa postura do ano
de 1610.
Várias
vezes interroguei o Padre Correia da Cunha sobre o nome atribuído a esta
secular feira. Dizia ele, que havia grandes divisões dos historiadores sobre o
passado Lisboeta deste mercado. Pelo que não valia a pena investigar e arranhar
a cachimónia, mas aceitar tal como se apresenta desde os inícios do Séc. XVII.
Só
no tempo do nosso Rei D. Luis I, decorria o ano de 1882, é que a Feira da Ladra
se fixou no Campo de Santa Clara – o velho campo da forca – onde continua ainda
à sombra do Mosteiro de São Vicente de Fora transformado, desde o ano de 1998, na
Sede do Patriarcado de Lisboa, entre os velhos Palácios da fidalguia e o
majestoso ARCO com horizontes debruçados sobre o Tejo.
Também
foram sob este ARCO que se sentiram os novos ventos de mudança nas posições
vitais da Igreja Paroquial de São Vicente de Fora, com correntes de pensamento
de sinais contrários: uns que pretendiam conservarem os valores tradicionais, e
os que sobre a corajosa determinação do Padre Correia da Cunha queriam
introduzir reformas para que a Igreja pudesse responder às necessidades do novo
mundo que nascia com o Concilio de Vaticano II.
Para
o Padre Correia da Cunha era urgente a evangelização de um povo oficialmente
cristão mas que não assimilava pessoalmente a FÉ, enquanto para muitos o importante era conservar incólume a grei dos baptizados.
A
velha paróquia de São Vicente continua a merecer os favores dos Lisboetas que
nunca lhe faltaram desde os tempos recuados da sua fundação fora dos muros da
cidade.
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Foi no dia 7 de Outubro do ano de 1962, se a memória não me trai, que pela mão da minha mãe entrei pela primeira vez na Escola Primária Camararia de Santa Clara, designada de nº 4 pelo Distrito Escolar de Lisboa.
ResponderEliminarLembro da imensa algazarra que havia naquele enorme vestíbulo e escadaria que dava acesso ao primeiro andar. As contínuas envergando batas negras, bem se esforçavam para impor ordem nas dezenas de pessoas que ali se concentravam no primeiro dia de aulas (crianças, pais e avós…).
Os novos alunos eram distribuídos pelas várias salas destinadas à primeira classe. Todos nos apresentávamos com bata branca e mala de cartão que continha as novas ferramentas (livro, cadernos, lousa, lápis…) para o desempenho cabal da nova missão.
Havia um imenso pátio que servia para recreio. Ali se situava também o refeitório, onde era servida uma refeição composta de sopa de feijão com arroz, leite, pão com queijo e o afamado óleo de fígado de bacalhau. A toma deste óleo era considerado por todos nós, como o momento da tortura, pois a Profª Isabel imponha que nos enfiassem pelas goelas abaixo esse amaldiçoado suplemento alimentar. Antes e após cada refeição era imperioso rezar agradecendo os alimentos e a bênção para os nossos superiores. Foi nesta escola que conclui a minha instrução primária, tendo como mestre o Professor Oliveira um grande e magnífico professor, alguém que sabia o que ensinar e como ensinar. Era culto, brilhante pelo que aqui o recordo e lhe rendo a minha vénia de homenagem.