“…era para ele que descobria a sua cabeça.”
Não sei se nos assiste o direito de lembrar aqui, a história de um grandíssimo e inseparável amigo de Padre José Correia da Cunha, o seu chapéu.
Fazemo-lo porque a sua modéstia e a sua simplicidade de homem, com sentido de humor, entenderiam as nossas salutares e irónicas intenções. Evocá-lo em todos os momentos, que com ele convivemos, e lembrá-lo com veneração, sempre nos mereceu e continuará merecer respeito.
Mas jamais nos esqueceremos da figura simples, modesta e simpática deste diligente sacerdote com o seu chapéu de feltro preto na mão.
Aquele chapéu era o seu companheiro e confidente amigo de todas as horas. Junto desse chapéu havia sempre um livro e punhado de folhas onde Padre Correia da Cunha escrevia os seus belos textos, pois como sabemos, Padre Correia da Cunha era um mestre e prestidigitador na arte de fazer viver as palavras.
Muitas cenas pitorescas e farras presenciaram irmanados. Muitas confissões e penitências escutaram lado a lado.
Juntos alimentaram ilusões e desejos estranhos de construírem um mundo mais solidário e humano. Ele era um estóico obreiro da doutrina cristã, apontando sempre o bom caminho a todos e reconhecendo a estes as suas almas de pecadores, mas exaltando que ai também havia muita gratidão e reconhecimento; pois para ele os puritanos, com raras excepções, não sabem ou não querem compreender as razões do mal.
Ele, publicamente e com toda a humildade, na companhia do seu companheiro de jornada, confessava alguns pecados contra os mandamentos. Nas muitas actividades cívicas de respeito social sempre se fazia acompanhar deste seu parceiro, amigo inseparável.
O seu chapéu cobria a sua cabeça, cheia de pensamentos solidários e de esperanças e ilusões … O mundo todo era de Deus!
Havia alturas que o deixava abandonado, dependurado pelos mais variados locais que frequentava. Mas o seu companheiro fiel sempre lhe era devolvido justamente no momento em que sentiam saudades um do outro.
Nos dias mais quentes, ficava solitário dependurado no cabide do Cartório Paroquial, como um simples chapéu. Mas os chapéus também têm o seu destino e uma existência. Era tão necessário ao Padre Correia da Cunha o seu chapéu, como o chapéu precisava de Padre Correia da Cunha.
Ele sentia o prazer de andar aperaltado na cabeça de Padre Correia da Cunha, escutando sábias conversas e segredos inconfessáveis. Padre Correia da Cunha e o seu chapéu, durante muito tempo, sempre se acompanhavam voluntariamente nos longos passeios que efectuava pelas ruas da sua pelintra paróquia, descobrindo-se respeitosamente diante de todos os seus irmãos para os saudar e trocar uns dedos de conversa.
Era um chapéu jovial!
Adorava os recantos acolhedores de Alfama.
Fado de vielas de severas e rufias. Gostava de se perder pela noite em grande folias e tertúlias.
O seu chapéu era um seu bom amigo.
O chapéu não o abandonava.
Quando o retirava… era também para ele que descobria a sua cabeça.
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