«... OS JOVENS, O FUTURO! »
Quando iniciei a
escrever neste blogue sobre o grupo de jovens, «O OBJECTIVO» de São Vicente de
Fora, manifestei desde logo um forte desejo de que um dos líderes partilhasse
um testemunho da experiência nesse grupo.
No livro biográfico
«CARLOS PEREIRA – VISTO POR TODOS OS LADOS» da sua autoria e de Ana Rita Madruga, lançado
recentemente, não falta uma crónica que nos oferece uma imagem correcta e
desapaixonada, sem deixar, todavia, de valorizar a figura e obra de Padre José
Correia da Cunha.
Casal Pereira - afilhada - Pe. Correia da Cunha |
Recordo que
Carlos Gonçalves Pereira (Eng.º) era filho de Maria Adelina e Carlos Diamantino
Pereira, um casal profundamente católico, educado na prática de uma tradição
arreigadamente conservadora, defensor de rígidos princípios da moral cristã.
Contudo, eu, João Paulo conservo a imagem de Carlos Diamantino como um homem extrovertido
e um grande bairrista que o Padre Correia da Cunha gostava de ter sempre a seu
lado. Praticava o catolicismo com grande empenhamento nos movimentos paroquiais
a que esteve ligado com um espírito claro, grande ponderação e abnegação.
Carlos Diamantino
não se poupava a sacrifícios para que as tarefas de que se encarregava saíssem
perfeitas. Atento observador das necessidades da sua paróquia, estava sempre
disponível às solicitudes e ao amor fraterno, que eram notas dominantes deste
exemplar cristão. O Padre Correia da Cunha sentia-se bem a ouvir os seus sábios
conselhos, ganhando por isso o estatuto de homem da sua total confiança.
O GRUPO «O
OBJECTIVO»
“O Padre
José Correia da Cunha era visita de casa dos Pereira. Todas as sextas-feiras ia
jantar lá a casa. Antigo capelão da Marinha e crítico do sistema vigente estava
mais do lado dos pobres do que dos ricos e era apontado por muitos como sendo
proto comunista, mas ninguém se atrevia a enfrentá-lo.
Era o único
dia da semana em que era possível falar-se de política lá em casa. Os pais de
Carlos, defensores de Salazar e do seu regime, não eram dados a grandes
aberturas, a ideias diferentes que pusessem em causa as verdades tradicionais e
absolutas em que acreditavam. O filho nunca pode expressar abertamente as suas
convicções políticas, mas o Padre Correia da Cunha, sendo um homem do Clero,
gozava de outro estatuto, principalmente junto de Maria Adelina, católica
praticante, presença assídua na igreja de São Vicente de Fora.
O sacerdote
lá ia dando a entender que as opiniões do filho, estavam mais perto da verdade
do que as convicções dos pais Maria Adelina e Carlos Diamantino ficavam cada
vez mais intrigados com aquelas conversas alimentadas a pão caseiro com queijo
da serra e regadas com bom vinho, à hora do jantar. “Eu só podia discutir
política no Instituto Superior Tecnico, com os meus colegas. Em casa, com os
meus pais, era impossível. Só passei a fazê-lo na presença do Padre Correia da
Cunha.»
O Padre era
um homem de coragem o seu entusiasmo pelas causas sociais ainda hoje são
recordadas. No bairro de São Vicente de Fora toda a gente se lembra dele.
Frontal e generoso era também respeitado pelo empenho, valentia e dávida
pessoal que colocava nos projectos humanitários e de solidariedade social que
levava a cabo.
E foi num
desses jantares que o Padre Correia da Cunha – preocupado com a inexistência de
um projecto paroquial que apoiasse os jovens em termos sociais após a
celebração da comunhão solene até à idade de se casarem – se lembrou de criar
um movimento que protegesse de alguns perigos que a sociedade já apresentava.
Foi nesta altura que começaram a surgir as primeiras situações relacionadas com
álcool e drogas na juventude.
O Grupo «O
OBJECTIVO» constituiu-se assim em 31 de Outubro de 1971. Foi lá que Carlos
conheceu Rui Aço, artista plástico, e a que viria mais tarde a tornar-se
mulher deste, Zélia, dois amigos que haviam de ficar para o resto da
vida. Rui Aço era, na altura, desenhador das Oficinas Gerais de Fardamento e
Equipamento (OGFE), em Santa Clara e Zélia, educadora de infância e catequista.
Os três lideravam o «O OBJECTIVO» e tinham a difícil tarefa de desviar os
jovens de caminhos perigosos. «Nós eramos conhecidos pelo tripé, a nossa função
o de dar testemunho da nossas vidas», conta Rui Aço o mais velho do grupo, que
via em Carlos «um grande companheiro de percurso e no «O OBJECTIVO» um espaço
fundamental para trazer de volta muitos jovens que estavam dispersos e perdidos.
Sob o olhar
atento, mas por vezes distanciado do Padre Correia da Cunha, dadas as múltiplas
tarefas paroquiais a que tinha de dar resposta, outro sacerdote – O Padre
Ismael Sanchez foi por isso incumbido de acompanhar o Grupo mais de perto.
O Grupo
reunia-se numa sala da Paróquia em São Vicente de Fora. Com uma energia
contagiante de quem acreditava que poderia mudar o mundo. Carlos, Rui e Zélia
dinamizaram um grupo de cerca de 30 jovens, organizaram actividades de estudo,
criaram um jornal de parede, promoveram cursos de alfabetização e festas de
solidariedade para os mais carenciados.
Rodeados de
alguns cuidados, os três líderes discutiam, em colectivo com os outros jovens,
questões sobre as quais se entendia serem necessários alguns esclarecimentos
nomeadamente de ordem politica, tal como recorda Carlos: « O OBJECTIVO é muito
marcado por isto. Havia um conjunto de informações que passava de forma não
oficial a que tínhamos acesso e que utilizávamos para formar os jovens. No
fundo, mostrávamos um ponto de vista político distinto do que eles absorviam em
casa. E, aos poucos, o grupo ia contribuindo para o alargamento da consciência
cívica e politica daqueles jovens.
O Concilio
Vaticano II, que decorreu entre Outubro de 1962 e 1965, reconheceu aos leigos
da Igreja Católica novas responsabilidades no que diz respeito à vida da Igreja
pela Paz. Este tema tornou-se um aspecto central nas actividades de católicos
progressistas.
As
estruturas e movimentos de oposição ao Estado Novo acolhiam cada vez mais estes
católicos que punham em causa a actuação hierárquica episcopal e a sua relação
intimista com o regime. A par das juventudes católicas – operária,
universitária e estudantil (JOC, JUC e JEC), surgiram outros movimentos
menores, todos contra a ideologia do regime. Muitos destes chegaram a denunciar
os crimes do regime salazarista, organizaram acções de protesto, através de
encontros e publicações clandestinas, assim como cartas abertas e
abaixo-assinados públicos. Mais uma vez, a questão colonial estava no centro de
todas as tensões. Apesar de ser a conta gotas por causa do crivo da censura, os
ecos das tomadas de posição de alguns bispos e missionários do Ultramar que se
revoltavam contra aquela guerra, chegavam a Portugal e clarificavam ainda mais
o espírito dos católicos progressistas.
A Igreja
estava desarticulada da sociedade civil, limitando-se a ser um espaço de
práticas litúrgicas e respeito pela ordem estabelecida. A reflexão sobre fé,
politica ou cidadania era inexistente. O debate teológico era um vazio, não
havia lugar para a participação individual e consciente e o pluralismo
partidário estava proibido.
O «O
OBJECTIVO» teve uma importância tal a nível nacional que na comemoração do
primeiro aniversário os jovens receberam a visita do Cardeal Patriarca de
Lisboa, D. António Ribeiro. A existência do grupo permitia uma aprendizagem a
todos os níveis, fora das instituições de ensino religioso, tal como recorda
Carlos: «Uma das razões que eu acho que contribuiu para o afastamento das
pessoas da Igreja é a incapacidade que esta tem de dar resposta social às
necessidades das pessoas, limitando-se muitas vezes à banalização de rituais de
significado reduzido para a vida comum. O OBJECTIVO tentava dar essa componente
de resposta social que as pessoas procuravam».
A crueldade
da polícia politica que chegava a exercer domínio sobre as direcções de todo o
tipo de grupos de caracter associativo e a censura totalitária que abrangia
todo o tipo de publicações e acções culturais exigiam cuidados redobrados. Por
isso o Carlos empenhava-se na transformação das palavras nos textos que
escrevia para que a mensagem não fosse interpretada e considerada subversiva
por agentes informadores da PIDE. É disso exemplo, o texto que escreveu sobre
Palma Inácio, utilizando o anagrama “Uma Palma para Ocinai”. Revelando uma
personalidade de grande maturidade, os seus escritos desta altura são mordazes,
irónicos e lúcidos, com uma componente politica muito vincada. O jovem
universitário observava e registava com clareza de espirito o isolamento de
Portugal e a opressão a que os portugueses estavam sujeitos, como descreve em «
A Porta Vigiada».
O ambiente
que se vivia em Portugal era fértil e serviu também para dar vida aos filmes de
animação produzidos e realizados pelo Grupo Objectivo. A Banda animado com botões
pintados com cores da bandeira de Portugal, retractava uma banda filarmónica
que ordeiramente desfilava e tocava até chegar a um coreto, onde eram cercados
por outros botões, os espectadores. No fundo, o filme de animação pretendia
caricaturar a derrota do regime perante a população.
A acção dos católicos na luta contra
a ditadura ia-se alastrando, construindo pontes com muitos outros sectores da
sociedade portuguesa – trabalhadores, intelectuais, estudantes –
independentemente das suas crenças religiosas. O impacto foi muito maior do que
os números de pessoas directamente envolvidas. As actividades culturais e
formativas do «O OBJECTIVO» perduram até 1975, ano em que o grupo se desfez.”
Foto: Alfama – Artur Pastor
Foi criada uma página no Face Book deste Grupo de Jovens.
https://www.facebook.com/pages/Grupo-De-Jovens-O-Objectivo/728099790612692
Um lugar em que todos aqueles que
fizeram parte do «O OBJECTIVO», bem como os que se interessam em reviver e
recordar aqueles tempos da Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora.
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