MÃOS ATRAVÉS DO MAR...
A primeira Conferência de Capelães Navais dos países da
N.A.T.O foi realizada na cidade de Haia (Holanda) de 13 a 16 de Agosto de 1956,
com a presença de 11 nações (Bélgica, França, Itália, Alemanha Federal,
Turquia, Grã-Bretanha, Canadá, Holanda, Estados Unidos, Noruega e Portugal).
Como nasceu a ideia? – Foi nos inícios do ano de 1956 que
a ideia nasceu na mente do Capelão Chefe Protestante da Marinha Real Holandesa,
Cap. H. Sillivis Smitt, numa discussão com seu colega Capelão Chefe Católico
Mons. De Sain. A ideia era simples, dar início a uma conferência dos capelães
navais da N.A.TO. Essa conferência visava modestos objectivos, mas ali se
poderiam obter profundos conhecimentos e formas de dar resposta a importantes
problemas como, por exemplo:
1. Evidenciar o empenho dos países da N.A.T.O, na
abordagem das complexas questões políticas, militares e económicas, surgidas no
mundo actual. Mostrar o que as capelanias podem representar para a busca de uma
paz justa e duradoira em obediência à vontade de Deus. Uma paz que fosse enraizada
nos direitos intrínsecos de cada pessoa humana e no primado dos valores morais,
espirituais e religiosos.
2. Ajudar os capelães da N.A.T.O a
enfrentarem os problemas comuns ocasionados pela agressiva exigência da vida no
mar e pelas solicitações requeridas num mundo em contínuas transformações.
Aperfeiçoamento dos métodos organizacionais das capelanias.
3. Dar ideias e objectivos aos capelães
da Marinha dos países da N.A.T.O, assim como terem a oportunidade de trocarem opiniões
no interesse comum, para o presente e para o futuro.
Não
demorou muito para que o Secretário da Marinha dos Estados Unidos e o
Secretário da Marinha Real Holandesa aprovassem com espontâneo entusiasmo esse
projecto.
Foi referido que a Conferência não era um Congresso de
teólogos. Era uma reunião de homens com tarefas comuns que anseiam ouvir e
aprender uns com os outros. A intenção destes capelães navais era, discutir,
minimizando as diferenças religiosas. Pois todos tinham como denominador comum
o de servir as suas convicções religiosas. Mas também ouvirem como nos
diferentes países funcionam as capelanias navais. Trocarem experiências,
métodos e meios para levarem por diante a gratificante mas complexa missão de formarem
os marinheiros nas vertentes humana e espiritual.
ALM. EDWARD B.HARP JR. |
Os capelães da Armada e outros representantes navais da N.A.TO.,
participantes nesta primeira conferência realizada na Holanda, a convite do
ministro da Defesa desse país, expressaram através do Senhor Almirante Edward B.
Harp Jr. (porta voz de todos os capelães) a profunda gratidão ao governo da
Holanda e, particularmente, ao Corpo de Capelães da Marinha Real Holandesa pela
generosa hospitalidade oferecida a todos os participantes pelo país anfitrião.
Todos se sentiram gratos por essa iniciativa, pois era uma excelente oportunidade
para estabelecerem novos contactos, novas amizades e trocarem experiencias
sobre a missão comum. A forma de manifestarem essa gratidão foi expressa numa
fervorosa oração de todos os presentes pelas intenções de Sua Majestade a
Rainha Juliana e sua família, assim como o de todo povo holandês.
Como resultado desta sua primeira conferência, os Capelães
Navais constataram a importância desta vasta partilha das capelanias navais dos
países N.A.T.O. Eram unânimes as opiniões de que se deveria efectuar pelo menos
uma destas conferência anualmente.
Os capelães aproveitaram também para agradecer aos seus
governos nacionais pelo empenho e confiança que depositaram nesta sua
iniciativa.
Os laços de cooperação que daí poderiam resultar assim como o
reforço dos objectivos morais e espirituais que poderiam brotar nessa magna
convenção, assim o justificam.
PADRES CORREIA DA CUNHA E PRESTRELLO VASCONCELOS |
Transcrevo a alocução feita nessa primeira conferência em
Haia pelo Capelão da Marinha de Guerra Pe. João Perestrello de Vasconcelos que
acompanhou o Chefe Capelão Correia da Cunha a esta Conferencia de Haia.
Cidade de Haia Holanda |
JOÃO PERESTRELLO VASCONCELOS |
“Perde-se, na noite dos
tempos o povoamento da Península Ibérica, extremo Ocidental da Europa.
Os movimentos
políticos-sociais dos primeiros séculos da nossa era, que acompanharam a queda
do Império Romano, vêem encontrar os Reinos da Península, solidamente
estruturados por uma administração de moldes romanos e por uma Fé cristã que
tem as suas fontes directas na própria pregação dos Apóstolos. É certo que o
Apóstolo São Paulo passou pela Península em visita às cristandades fundadas
pelos seus colaboradores. As hordas bárbaras que assolam a Europa ao chegarem à
Península, fixam-se e deixam-se absorver pelos autóctones. O mar de gente que
varre a Europa durante toda a baixa idade média vem quebrar-se, em ondas sucessivas
nos reinos peninsulares até finais do Século V. É também no alvorecer do Século VI que vemos os últimos invasores a converterem-se ao cristianismo.
Porém, a pregação do
Maomet durante o segundo quartel do Século VIII criava novas forças nas vizinhanças
da Europa e assim, no alvorecer do Século VIII (em 710) vemos nova invasão da
península, desta vez pelo sul, a dos árabes.
Mais bem organizados,
politica e administravamente, do que os bárbaros que tinham vindo do extremo
Oriental da Europa, mais fortes do que eles, porque apoiados por vários povos
irmãos na crença religiosa, rapidamente invadem o território peninsular,
empurrando para as montanhas do Norte os povos das diferentes nações que vão
invadindo.
Com a lentidão própria
dos mais fracos, mas com a decisão específica dos que têm o seu direito em
jogo, recomeçam estes punhados de homens a reconquista das suas terras aos
fortes impérios almóades e almorávides.
Os antigos reinos vão
retomando forma. Um dos primeiros a reconstruir-se é o reino Lusitano, agora
chamado Portucalense, do título do primeiro chefe que se consagrou à sua
Restauração.
Em 1147 realiza-se a
reconquista de Lisboa aos Mouros por D. Afonso Henriques, filho do Conde de
Portucal e primeiro Rei do reino renovado. Nesta reconquista, como aliás em
muitas outras, que demarcaram as fronteiras da Nação Portuguesa, foi o Rei
coadjuvado por diversas esquadras de saxões, germanos e flamengos que se
dirigiam à Palestina. E nestas esquadras, de que já faziam parte navios
portugueses, surge a primeira forma de Assistência religiosa às forças do mar. Dirigidas
na parte militar pelos monges e cavaleiros, de que toda a história guerreira da
idade média se encontra recheada, não deixavam os navios, guarnecidos por
militares enquadrados por membros das Ordens Militares, de ter uma eficiente Assistência
Religiosa ministrada, segundo os recursos da época, dentro do mais apertado
regulamento estabelecido pelos próprios estatutos das Ordens Militares.
Com o Século XIV começa
Portugal a sua epopeia dos descobrimentos, que deram ao mundo civilizado de
então, novos mundos para povoar e colonizar e deram aos povos desses mundos
novos mundos a protecção dum povo poderoso e nobre e a luz do Evangelho. Não
vamos aqui esquadrinhar tantos e tantos casos que denegriram tão alto ideal
proposto pelos que tinham na mão a orientação desta gigantesca actividade,
casos provocados pela ganância de uns, pela ingerência de outras potências num
trabalho para que não estavam preparadas, em resumo, pela humana fraqueza que
se não chega a destruir, pelo menos ofusca a beleza de tantas e tantas obras.
Logo no início do
esforço descobridor se verificou a inconveniência de monopolizar pela parte do
Estado a actividade Ultramarina, ao mesmo tempo que não seria possível deixar a
iniciativa dos indivíduos a obtenção de obra capaz. À Ordem Militar de Cristo,
especialmente fundada para esse fim, se confiou a empresa de dilatar a Fé e o
Império. E, como Ordem Militar Religiosa que era, logo garantiu a Assistência
religiosa nos navios das Armadas do tempo, dada a insegurança da navegação do
tempo era constituída por navios meio mercantes meio guerreiros.
A primeira metade do Século XVII foi a página negra na história de Portugal. Usurpados os cargos
políticos e administrativos por súbditos Espanhóis, viu-se a nossa política
naval completamente desorganizada para secundar os interesses de Espanha.
Desde então, embora
voltasse o mando para mãos portuguesas, o poderio naval português decaiu
vertiginosamente. Nunca mais se encontra regulamentação da assistência
religiosa na Marinha, que fica condicionada aos regimentos de ocasião,
distribuídos ao comando de cada esquadra, é que; além de tudo isto, nos
encontramos numa época de grande agitação, ideológica na Europa, que impede o
estabelecimento de normas jurídicas neste capítulo.
Só em 1855 começa a
organizar-se, em moldes que diremos, modernos, a assistência religiosa aos
Navios das Armadas Reais. Mas estas mesmas leis surgem numa época em que
alastra em Portugal uma vaga anticlericalismo, que leva a ver em tudo manobras
do clero para se apossar do poder temporal. E, embora reduzida a algumas
dezenas de unidades, a Marinha Portuguesa não é satisfeita nas necessidades que
o seu pessoal tem de ser convenientemente assistido por Capelães.
Até 1910, nunca o
quadro de Capelães navais ultrapassou o número de 10, e nesta data, ao estalar
a Revolução Republicana considera-se a actividade dos Capelães como inútil e o
seu quadro é extinto. Só em 1940, depois de assinada a Concordata com a Santa
Sé, é posto perante os olhos dos governantes a necessidade que há-de dar
satisfação às exigências espirituais do pessoal militar, particularmente ao da
Marinha, que pelas suas condições de vida não podem recorrer aos bons ofícios
do clero residencial.
Desde essa data até ao
presente tem-se conseguido pouco a pouco que o número de Capelães vá
aumentando, estando actualmente previsto o de cinco, além de 2 que prestam
serviço a título eventual em locais distanciados das bases, mas onde o número
do pessoal militar não é suficiente para impor a criação de um lugar de Capelão
efectivo. Além destes capelães, reconhecidos pelo Estado, temos de mencionar o
labor apostólico, inteiramente desinteressado, de sacerdotes que nada tem a ver
com a Marinha mas que, encontrando-se perto de estabelecimentos navais
praticamente abandonados da Assistência Religiosa, procuram pelos meios mais
oportunos, amparar e auxiliar os marinheiros.
A situação dos Capelães
actualmente prestando serviço na Armada ainda não é definitiva, porquanto não há
autoridade religiosa competente para os apresentar ou para regulamentar a sua
actividade. No nosso caso, em que todos os Capelães são católicos, a autoridade
deverá ser a de um Vigário Castrense, nomeado pela Santa Sé. Por isso, só no
respeitante a fardamento e vencimentos está definida a situação dos Capelães da
Armada, ficando entregue à boa vontade e zelo de cada Capelão o bom desempenho
da sua missão. Até ao presente, devemos dar graças a Deus que tudo tem corrido
pelo melhor, tendo-se conseguido num meio profundamente anticlerical, como é o
da Marinha, fazer aceitar e desejar a presença do Capelão. Conseguiu-se a
construção de uma Capela na Base Naval de Lisboa e a adaptação de salas e
capelas em vários centros de instrução. Os capelães só acidentalmente tomam
parte em comissões fora dos portos de armamento, mas a sua presença nessas
comissões faz-se cada vez desejar mais. Graças aos esforços envergados desde
1940, conseguiu-se organizar uma organização de formação de praças e sargentos
e está em vias de estudo a de uma para oficiais. Os Capelães têm sido o
elemento indispensável na organização das obras de previdência social ou de
recreio e dia a dia as autoridades da Marinha reconhecem a incapacidade dos
oficiais para, de uma forma estável, se dedicarem a tais actividades.
Embora erradamente, tem
as autoridades da Marinha deposto sobre os ombros dos Capelães toda a
responsabilidade da formação do pessoal que entra de novo nas fileiras da
Armada. Procura-se no momento presente, ver a necessidade de todos os
superiores se dedicarem a esta missão com todo o zelo, lembrando-se que o Homem
é um composto de corpo e alma que é perigoso dissociar, e que, portanto, em
todos os aspectos de instrução ou formação tem de ser encarado também como ser
livre, regido por uma lei moral.
Uma associação de
pessoas de boa vontade, nem sempre ligadas directamente à Marinha, asseguram um
eficaz auxilio aos Padres Capelães na sua obra de vitalização espiritual do
pessoal que presta serviço nas fileiras da Armada. E para que o seu esforço
ainda seja mais bem aproveitado prevê-se algumas alterações nos estatutos desta
associação.
A vida espiritual na
Marinha, procura-se que seja verdadeira, não se limitando por isso a que os
Capelães a procurarem ou a encaminhar o pessoal para as cerimónias religiosas
ou actos de cariz espiritual, mas procurem que todos ponham em prática o
preceito Evangélico da caridade através de obras e organizações, (conf. SVP)
que dêem possibilidade de orientar, canalizar e aproveitarem esses esforços
cristãos dos marinheiros.
O que se nota de maior
falta, de momento, além do número de Capelães é o de auxiliarem em empenhamento
ou fundos da Marinha.
Padre João Prestrello de Vasconcelos - Capelão da Marinha de Guerra
Padre João Prestrello de Vasconcelos - Capelão da Marinha de Guerra
Depois de terminada a I Conferencia dos Capelães Navais dos
Países da N.A.TO, haveria que dar início a um esgotante trabalho de preparação
da próxima Conferência a realizar nos Estados Unidos da América. O secretariado
eleito pelos chefes capelães ficara assim constituído: Almirante Burke,
Almirante Wright, Almirante Holloway, Almirante Harp.
Seriam formadas delegações, que visitariam os vários países
com o objectivo de convidarem os respectivos Capelães, para essa II Conferência
a realizar em Outubro de 1957.
É tema para o próximo texto a visita desses altos dignitários da Marinha da N.A.T.O. a Lisboa, a serem recebidos pelo Ministro da Marinha e pelo Cardeal Patriarca, no mês de Junho de 1957.
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