terça-feira, 16 de agosto de 2016

RÁDIO RENASCENÇA «A VOZ DO SINO» POR F. CUNHA












São Vicente está fora,
Mas lá dentro há muita Fé
Pois outro santo ali mora:
Padre Cunha ou Padre ZÉ.
(autor desconhecido)



Entre as muitas funções que o Padre Correia da Cunha exerceu destaca-se as de fâmulo do Cardeal Patriarca; cerimoniário adjunto da Sé Patriarcal e capelão chefe da Armada. No exercício desta ultima missão desenvolveu acção notável. Foi fundador da Associação dos Marinheiros Católicos e tomou parte em várias viagens de instrução de cadetes e marinheiros. É igualmente um tradutor erudito e competente de várias obras de caracter religioso.

O Padre Correia da Cunha também tomou parte nas conferências internacionais da Nato. 


Primeira Comunhão na Igreja dos Mártires - Chiado




Durante cinco anos prior da Basílica dos Mártires, onde desenvolveu extraordinária actividade, quer levando os fiéis a uma participação activa na liturgia, quer na restauração e reintegração artística do majestoso templo na sua traça primitiva.

Na Rádio Renascença, que ficava na área da sua paróquia, fez imensas palestras no programa «Voz do Sino» e onde desenvolveu grande actividade literária.

A convite do professor Mueller, da cadeira de órgão do Conservatório Nacional, e com a anuência do director do mesmo, foi professor de liturgia dos alunos dessa cadeira; no Instituto de São Pedro de Alcântara, realizou conferências semanais durante dois anos. Também como escritor e poeta se tem distinguido. Foi director do semanário «Voz da Verdade» de 1939 -40- Eis algumas das suas obras: «Pascha Nostrum» tradução da liturgia pascal; «Liturgia da Vigília Pascal; e tradução de «O dilúvio de Saint Sans» para a Sociedade Coral de Lisboa, tradução ainda mais bela que o original. Para a mesma sociedade traduziu vários poemas de Weinachflieder, de Mozart. E por ocasião das bodas episcopais do Senhor Cardeal Patriarca e em homenagem a Sua Eminencia escreveu um notável artigo na «Defesa Nacional» intitulado «Defensor Civitatis».

Fez ainda várias conferências de muitíssimo interesse entre as quais uma sobre São Vicente na sede dos Amigos de Lisboa, a qual foi publicada em separata; a pedido da editora suíça Benziger, traduziu para a língua portuguesa o Missal Romano (edição destinada ao Brasil); para a mesma traduziu ainda a «Imitação de Cristo», além de vários livros de piedade para crianças; e escreveu vários cânticos religiosos de profunda interioridade.

A paciência, disse Santo Agostinho «é a companheira da sabedoria». Esta situação ocorreu quando o Padre Correia da Cunha fazia diariamente palestras no programa da Radio Renascença. Era uma situação difícil que colocava à prova a sabedoria, liderança e habilidade do Padre na busca da melhor decisão e capacidade para o difícil momento.

Era uma pessoa tranquila e que mantinha uma invejável paciência. Era essa sua qualidade que sempre me inspirou a manter a paciência durante as dificuldades e quando há que tomar decisões difíceis.


Edifício da RR no Chiado


Vamos lá então à história. Nos anos 60 quando o Padre Correia da Cunha participava no programa «Voz do Sino» da Radio Renascença, houve um dia que chegou aos estúdios acompanhado do seu irmão mais novo, Fernando Correia da Cunha.

A equipa de produção do programa ficou em pânico quando se apercebeu que o Reverendo estava afónico e não poderia efectuar a sua habitual crónica radiofónica. Mas já levava consigo a forma inteligente para ultrapassar a «crise» que estava na pessoa que o acompanhava, o seu irmão que á época vivia consigo no Mosteiro de São Vicente de Fora.

Transmitiu então ao responsável da produção radiofónica que a crónica do dia seria lida pelo seu irmão, que previamente já a teria ensaiado, estando preparado para a efectivar aos microfones da Radio.

A decisão seria sempre do responsável da estação. Parecia difícil não optar por esta inteligente proposta do Padre Correia da Cunha, estando-se no limite de se dar inicio ao programa.

Arranca como habitualmente o plano e o leitor da crónica desse dia com o nome de Padre Correia da Cunha avança…

Diria o Padre Correia da Cunha que não se podia vacilar ou ser imprudente, mas mostrar confiança e convicção para que a sugestão apresentada funcionasse fantasticamente. E assim foi. O leitor da crónica para os ouvintes fora Padre Correia da Cunha.

Não consta que tenha havido algum ouvinte a chamar a atenção para esta simpática ocorrência, antes pelo contrário, a leitura fora tão esmerada que o Padre Correia da Cunha poderia perder o lugar no programa: «Voz do Sino».


Padre Correia da Cunha e amigos e com o seu irmão Fernando Cunha


A sabedoria inclui paciência. A paciência gera êxito. Isto aprendi com o padre mais sábio e paciente que conheci, apreendi muito com o Padre Correia da Cunha, inclusive a importância da lucidez…
Anos depois venho a encontrar o texto lido pelo seu irmão Fernando Correia da Cunha aos microfones da Rádio Renascença, intitulado de «Jesus e a Violência». Crónica essa que passo a transcrever:






 JESUS E A VIOLÊNCIA



Jesus Cristo pregou a solidariedade humana e estabeleceu o primado do amor. Mas estes sentimentos não encontram eco na vida dos homens. Há até quem em nome de Jesus faça sermões espalhando a violência, a hipocrisia e o ódio.
O texto que hoje, aqui transcrevo da autoria de Padre José Correia da Cunha e lido pelo seu irmão aos microfones da RR, convida-nos a seguir os divinos ensinamentos para a construção do Reino de Deus.


“Jesus é um caso estranho pelo seu comportamento.

Por isso, para interpretar correctamente as suas palavras e actos, é preciso não escolher arbitrariamente, segundo as preferências subjectivas entre umas e outras, mas tomar as perspectivas em que Jesus se coloca.

Em face da violência que reina no mundo, Jesus mostra-se mais radical do que o A.T. A lei de Talião requeria equidade na vingança para estabelecer a justiça ofendida. Jesus exige o perdão (Mat.6,12 e 14/15 e Mar.11,25) até setenta vezes sete (Mat.18,22). Jesus ordena a todos os discípulos «Amai os vossos inimigos, orai por aqueles que vos perseguem» (Mat.5,44, Luc.6,27). A todos e a cada um dos discípulos declarava «Não resistas ao mau que está no mundo» (Mat.5,39).

Jesus não emite juízo de julgamento sobre o acto de violência social, nos três casos citados por (Mat.5,39-41) tal como não autoriza a ministrar a economia do mordomo infiel (Luc.16,1-8) o juízo indigno (Luc.18,1-5). Jesus considera apenas o ponto de vista do individuo lesado e declara que é preciso ser vítima do… violento.

Ele próprio foi o primeiro a por em prática a sua doutrina: - Resiste à tentação de instaurar o Reino de Deus por meios violentos:

   Não quer transformar magicamente as pedras em pão, nem que fosse para matar a fome ao mundo inteiro (Mat.4,8)
  Recusa a ser um político revolucionário (Jo.6,15) e obter a Glória sem passar pelo sacrifício da sua cruz (Mat.16,22).

   Finalmente depois de ter suado sangue, declina o combate que os companheiros tentavam para o defender pela violência. Deixem! Basta! E vai ao ponto de curar um adversário (Luc.22,49).
Jesus não derramou outro sangue senão o Seu.
Mas por que não resistir ao mau?
Não por qualquer técnica de não-violência, mas por espirito de amor e de sacrifício – único meio de obter a reconciliação entre o violento e a sua vítima.
(Cf. Gen.33 a reconciliação de Esaú e Jacob; Gen.44 – a reconciliação de José com os irmãos).

O Reino de Deus não se estabelece pela força brutal, mas pela força divina, que se mostrou capaz de triunfar da morte, ressuscitando Jesus. Desde então todos os que pegam na espada morrerão pela espada (Mt.26,52).
Nos antípodas do espirito de Jesus, está daqueles que querem ripostar aos samaritanos que os não recebem, fazendo cair sobre eles o fogo do céu (Luc.9-54).

São os mansos, os construtores da paz, os que possuirão a terra como herança (Mat.5-41).

Diferentes dos «Chefes das nações que fazem pesar sobre os homens o poder da dominação» são e devem ser os discípulos de Jesus que devem fazer-se servos dos outros (Mat.20-25).
Quando Jesus bate em retirada, como o «Servidor de Deus» diante da maldade de seus inimigos (Mat.12-15,18-21…) entrega-se a Deus e realiza a bem aventurança dos perseguidores (Mat.5,10) tal como fora profetizado (Is.50,5…).


Mas quando perdoa aos que o crucificaram injustamente (Luc.23,34), quando indica ao discípulo para oferecer a outra face, Jesus ultrapassa o ideal do A.T. Não se contenta com um abandono passivo nas mãos de Deus, defensor dos oprimidos: - mas faz violência ao violento, porque tem em vista a reconciliação e a amizade. Vence a violência do mundo do mundo com a violência do bem, a violência do ódio com a do amor.”
















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