São Vicente está fora,
Mas lá dentro há muita
Fé
Pois outro santo ali
mora:
Padre Cunha ou Padre
ZÉ.
(autor desconhecido)
Entre as muitas funções que o Padre Correia da Cunha exerceu destaca-se
as de fâmulo do Cardeal Patriarca; cerimoniário adjunto da Sé Patriarcal e
capelão chefe da Armada. No exercício desta ultima missão desenvolveu acção
notável. Foi fundador da Associação dos Marinheiros Católicos e tomou parte em
várias viagens de instrução de cadetes e marinheiros. É igualmente um tradutor
erudito e competente de várias obras de caracter religioso.
O Padre Correia da Cunha também tomou parte nas conferências
internacionais da Nato.
Primeira Comunhão na Igreja dos Mártires - Chiado |
Durante cinco anos prior da Basílica dos Mártires, onde
desenvolveu extraordinária actividade, quer levando os fiéis a uma participação
activa na liturgia, quer na restauração e reintegração artística do majestoso
templo na sua traça primitiva.
Na Rádio Renascença, que ficava na área da sua paróquia, fez imensas
palestras no programa «Voz do Sino» e onde desenvolveu grande actividade
literária.
A convite do professor Mueller, da cadeira de órgão do
Conservatório Nacional, e com a anuência do director do mesmo, foi professor de
liturgia dos alunos dessa cadeira; no Instituto de São Pedro de Alcântara,
realizou conferências semanais durante dois anos. Também como escritor e poeta se
tem distinguido. Foi director do semanário «Voz da Verdade» de 1939 -40- Eis
algumas das suas obras: «Pascha Nostrum» tradução da liturgia pascal; «Liturgia
da Vigília Pascal; e tradução de «O dilúvio de Saint Sans» para a Sociedade
Coral de Lisboa, tradução ainda mais bela que o original. Para a mesma
sociedade traduziu vários poemas de Weinachflieder, de Mozart. E por ocasião
das bodas episcopais do Senhor Cardeal Patriarca e em homenagem a Sua Eminencia
escreveu um notável artigo na «Defesa Nacional» intitulado «Defensor
Civitatis».
Fez ainda várias conferências de muitíssimo interesse entre
as quais uma sobre São Vicente na sede dos Amigos de Lisboa, a qual foi
publicada em separata; a pedido da editora suíça Benziger, traduziu para a
língua portuguesa o Missal Romano (edição destinada ao Brasil); para a mesma traduziu
ainda a «Imitação de Cristo», além de vários livros de piedade para crianças; e
escreveu vários cânticos religiosos de profunda interioridade.
A paciência, disse Santo Agostinho «é a companheira da
sabedoria». Esta situação ocorreu quando o Padre Correia da Cunha fazia
diariamente palestras no programa da Radio Renascença. Era uma situação difícil
que colocava à prova a sabedoria, liderança e habilidade do Padre na busca da
melhor decisão e capacidade para o difícil momento.
Era uma pessoa tranquila e que mantinha uma invejável
paciência. Era essa sua qualidade que sempre me inspirou a manter a paciência
durante as dificuldades e quando há que tomar decisões difíceis.
Edifício da RR no Chiado |
Vamos lá então à história. Nos anos 60 quando o Padre Correia
da Cunha participava no programa «Voz do Sino» da Radio Renascença, houve um
dia que chegou aos estúdios acompanhado do seu irmão mais novo, Fernando
Correia da Cunha.
A equipa de produção do programa ficou em pânico quando se
apercebeu que o Reverendo estava afónico e não poderia efectuar a sua habitual
crónica radiofónica. Mas já levava consigo a forma inteligente para ultrapassar
a «crise» que estava na pessoa que o acompanhava, o seu irmão que á época vivia
consigo no Mosteiro de São Vicente de Fora.
Transmitiu então ao responsável da produção radiofónica que a
crónica do dia seria lida pelo seu irmão, que previamente já a teria ensaiado,
estando preparado para a efectivar aos microfones da Radio.
A decisão seria sempre do responsável da estação. Parecia
difícil não optar por esta inteligente proposta do Padre Correia da Cunha,
estando-se no limite de se dar inicio ao programa.
Arranca como habitualmente o plano e o leitor da crónica
desse dia com o nome de Padre Correia da Cunha avança…
Diria o Padre Correia da Cunha que não se podia vacilar ou
ser imprudente, mas mostrar confiança e convicção para que a sugestão
apresentada funcionasse fantasticamente. E assim foi. O leitor da crónica para
os ouvintes fora Padre Correia da Cunha.
Não consta que tenha havido algum ouvinte a chamar a atenção
para esta simpática ocorrência, antes pelo contrário, a leitura fora tão
esmerada que o Padre Correia da Cunha poderia perder o lugar no programa: «Voz
do Sino».
Padre Correia da Cunha e amigos e com o seu irmão Fernando Cunha |
A sabedoria inclui paciência. A paciência gera êxito. Isto
aprendi com o padre mais sábio e paciente que conheci, apreendi muito com o
Padre Correia da Cunha, inclusive a importância da lucidez…
Anos depois venho a encontrar o texto lido pelo seu irmão
Fernando Correia da Cunha aos microfones da Rádio Renascença, intitulado de «Jesus
e a Violência». Crónica essa que passo a transcrever:
JESUS E A VIOLÊNCIA
Jesus Cristo pregou a
solidariedade humana e estabeleceu o primado do amor. Mas estes sentimentos não
encontram eco na vida dos homens. Há até quem em nome de Jesus faça sermões
espalhando a violência, a hipocrisia e o ódio.
O texto que hoje,
aqui transcrevo da autoria de Padre José Correia da Cunha e lido pelo seu irmão
aos microfones da RR, convida-nos a seguir os divinos ensinamentos para a
construção do Reino de Deus.
“Jesus é um caso estranho pelo seu comportamento.
Por isso, para interpretar correctamente as suas palavras
e actos, é preciso não escolher arbitrariamente, segundo as preferências
subjectivas entre umas e outras, mas tomar as perspectivas em que Jesus se
coloca.
Em face da violência que reina no mundo, Jesus mostra-se
mais radical do que o A.T. A lei de Talião requeria equidade na vingança para
estabelecer a justiça ofendida. Jesus exige o perdão (Mat.6,12 e 14/15 e
Mar.11,25) até setenta vezes sete (Mat.18,22). Jesus ordena a todos os
discípulos «Amai os vossos inimigos, orai por aqueles que vos perseguem»
(Mat.5,44, Luc.6,27). A todos e a cada um dos discípulos declarava «Não
resistas ao mau que está no mundo» (Mat.5,39).
Jesus não emite juízo de julgamento sobre o acto de
violência social, nos três casos citados por (Mat.5,39-41) tal como não
autoriza a ministrar a economia do mordomo infiel (Luc.16,1-8) o juízo indigno
(Luc.18,1-5). Jesus considera apenas o ponto de vista do individuo lesado e
declara que é preciso ser vítima do… violento.
Ele próprio foi o primeiro a por em prática a sua
doutrina: - Resiste à tentação de instaurar o Reino de Deus por meios
violentos:
Não quer transformar magicamente as pedras em pão, nem
que fosse para matar a fome ao mundo inteiro (Mat.4,8)
Recusa a ser um político revolucionário (Jo.6,15) e obter
a Glória sem passar pelo sacrifício da sua cruz (Mat.16,22).
Finalmente depois de ter suado sangue, declina o combate
que os companheiros tentavam para o defender pela violência. Deixem! Basta! E
vai ao ponto de curar um adversário (Luc.22,49).
Jesus não derramou outro sangue senão o Seu.
Mas por que não resistir ao mau?
Não por qualquer técnica de não-violência, mas por espirito
de amor e de sacrifício – único meio de obter a reconciliação entre o violento
e a sua vítima.
(Cf. Gen.33 a reconciliação de Esaú e Jacob; Gen.44 – a
reconciliação de José com os irmãos).
O Reino de Deus não se estabelece pela força brutal, mas
pela força divina, que se mostrou capaz de triunfar da morte, ressuscitando
Jesus. Desde então todos os que pegam na espada morrerão pela espada
(Mt.26,52).
Nos antípodas do espirito de Jesus, está daqueles que
querem ripostar aos samaritanos que os não recebem, fazendo cair sobre eles o
fogo do céu (Luc.9-54).
São os mansos, os construtores da paz, os que possuirão a
terra como herança (Mat.5-41).
Diferentes dos «Chefes das nações que fazem pesar sobre
os homens o poder da dominação» são e devem ser os discípulos de Jesus que
devem fazer-se servos dos outros (Mat.20-25).
Quando Jesus bate em retirada, como o «Servidor de Deus»
diante da maldade de seus inimigos (Mat.12-15,18-21…) entrega-se a Deus e
realiza a bem aventurança dos perseguidores (Mat.5,10) tal como fora
profetizado (Is.50,5…).
Mas quando perdoa aos que o crucificaram injustamente
(Luc.23,34), quando indica ao discípulo para oferecer a outra face, Jesus
ultrapassa o ideal do A.T. Não se contenta com um abandono passivo nas mãos de
Deus, defensor dos oprimidos: - mas faz violência ao violento, porque tem em
vista a reconciliação e a amizade. Vence a violência do mundo do mundo com a
violência do bem, a violência do ódio com a do amor.”
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