quinta-feira, 22 de abril de 2010

PE. CORREIA DA CUNHA – FÁBULAS DE LA FONTAINE II

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‘’Deus escreve direito por linhas tortas’’


Nos magníficos claustros inferiores do Mosteiro de São Vicente de Fora, encontrávamos trinta e oito painéis de azulejos com a representação das fábulas de La Fontaine. Padre Correia da Cunha muitas vezes socorria-se desses belos painéis, com pinturas a azul e branco, como instrumentos de aprendizagem para os seus discípulos. Adoptava o velho provérbio que dizia que uma imagem vale mais que mil palavras.



Recentemente Robert Descombes, organista francês, titular do órgão histórico d’Orgelet, recordava uma das expressões muito habitualmente utilizadas por Padre Correia da Cunha: ‘’Deus escreve direito por linhas tortas’’ Prov. Popular.




Hoje irei desvendar a adaptação que Padre Correia da Cunha fazia da fábula de La Fontaine ‘’ A lande e a abóbora’’, que continua alimentar a nossa sabedoria e nos ajuda aguçar o nosso sentido crítico e analítico da moral.



A história começava assim:



Um belo dia, um homem de um vasto conhecimento e sabedoria, que passeava pelo campo, ao admirar uma grande azinheira e uma pequena aboboreira começou a indignar-se e blasfemar contra a obra da criação de Deus. Dizia ele:

- Como é possível Deus ter criado esta imensa árvore e pô-la a dar estes minúsculos frutos (bolotas), enquanto este pequeno arbusto de caules frágeis produz estes enormes e pesados frutos (abóboras). Isto está tudo feito ao contrário. Quem faria tal barbaridade?
Deus devia estar louco quando procedeu à criação destas espécies!

Era uma tarde muito quente e convidava a uma boa sesta à sombra daquela gigantesca árvore. Estando um pouco fatigado, o bom homem aproveitou para fazer um pouco de repouso na invejável sombra da agigantada árvore, tendo-se deixado adormecer na frescura da sua magnífica sombra.

Enquanto dormia, soltaram-se da enorme azinheira dois dos seus pequenos frutos que caíram sobre ele. Dando conta desta ocorrência, o homem ter-se-á interrogado: - E se fossem abóboras?





Padre Correia da Cunha concluía a história com a seguinte expressão: ‘’Deus escreve direito por linhas tortas’’
Deus sempre faz as coisas correctas, nós é que queremos que tudo seja feito à nossa maneira. Esquecemos por vezes que os planos de Deus só são compreendidos após uma pequena paragem para reflectirmos… Há sempre um novo caminho… Eu acredito na sabedoria popular e desde muito cedo ouvi várias vezes a Padre Correia da Cunha: “Deus escreve direito por linhas tortas”.

Não posso porém deixar de proporcionar a verdadeira Fábula de La Fontaine. Convém que todos nós nos continuemos alimentar destas magníficas história de La Fontaine que nos poderão ajudar a corrigir os nossos hábitos no sentido de diferenciarmos o bem do mal.




A lande e a abóbora


Bem faz Deus quanto faz. Sem buscar provas,


Por esse mundo além, acho-as na abóbora.


Contemplava um pastrano


Quanto avultado é o fruto.


E quão delgado o talo: Em que pensava


O autor de tais amanhos? Esta abóbora


Eu ponho-o nesta enzinha,


Arrazoada gancho


Para tal dependura; e vinha a pêlo:


Para pêssego tal, tal pessegueiro.


Foi pena, meu Bieito,

Não te achar’s no Conclave,


Co Criador – do qual te prega o cura.


Tudo iria melhor: Ponhamos caso.


Quando muito, a bolota


Orça co meu meminho .


Porque a pôs numa enzinha ? Deus deu cincas.


Quanto mais cisma nos mal postos frutos,


Mais porfia o Bieito.


Que houve erro ali, nos poisos.


Como esta reflexão lhe dava tratos:


Saber sobejo estorva que se durma.


Para dormir escolhe


A sombra duma enzinha.


Caem bolotas, e o nariz o paga.


Acorda, e logo vai côas mãos ao rosto,


E nos pêlos da barba


Depara inda coa lande.


Fez-lhe mudar de língua o piparote


E o sangue, que lhe escorre dos narizes.
E se em vez de bolotas,

Me chovessem cabaças,


Que as queixadas, caindo, me estroncassem!

Deus, que o não quis assim, andou com juízo.


Agora é que eu atino


Co motivo acertado.


Louvando a Deus do bem que obrara tudo,


Veio de volta a casa o nosso Bieito.


Filinto Elísio

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1 comentário:

  1. As fábulas de La Fontaine

    Nos anos 60 do século passado tive a sorte de encontrar no meu caminho o Pároco da Igreja de S. Vicente de Fora - Lisboa: o Padre José Correia da Cunha.



    Depois de ter encerrado os claustros ao vandalismo instituiu uma simbólica quantia para quem quisesse visitar o antigo Mosteiro onde incluía: o Panteão Real da Casa de Bragança; O panteão dos Patriarcas; a Sala dos Meninos de Palhavã, a sacristia, a Portaria e os belos azulejos do Século XVIII da antiga fábrica do rato. Os dois claustros eram então fechados e tinham painéis muito degradados que representavam cerca de 4 dezenas de fábulas.



    Para explicar aos turistas existiam cerca de uma dezena de rapazes, onde eu me incluía, que naturalmente foram adquirindo conhecimentos ao longo do tempo e também ganhando algum dinheiro tão útil para todos nós.



    Para não alongar este relato de parte da minha vida, e a propósito desta fotografia, era evidente que não conhecia ou não conseguia identificar todas as fábulas. No passado Domingo coube-me a mim ser turista e fui rever esses painéis, que estão agora em exposição no 1º andar do Patriarcado, depois de retirados dos claustros e reparados.



    Dado que esta fábula era uma das que explicava aos turistas “A BOLOTA E A ABÓBORA”

    Rogerio Martins Simões

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