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PE CORREIA DA CUNHA E CORVO VICENTE |
Naqueles espaços delicados e abertos
conseguia ingressar nos mais profundos sentimentos e reflexões… E assim o fez
ao longo da vida para chegar a Deus e aos irmãos!
É
impossível pensar sobre o Mosteiro de São Vicente de Fora sem reflectir sobre o
Padre Correia da Cunha. A chegada, nos anos quarenta, deste jovem padre de
cultura e amante das artes, ao abandonado mosteiro dos frades regrantes de
Santo Agostinho apresentou-se como uma indelével e eterna paixão. A arte expressa
nos seus belos azulejos era uma bênção para ele que duraria até ao dia do seu
último suspiro. Estes encantadores espaços do Mosteiro de São Vicente de Fora
foram a sua vida.
O
primeiro espaço, do descomunal mosteiro, ocupado pelo então jovem capelão da
Armada Portuguesa foi um quarto contíguo à nobre Sala da Portaria cedido pelo
velhinho pároco, Mons. Francisco Esteves (1871/1959). VER FOTO.
Foi neste pequeno espaço
que vivera os seus primeiros sonhos e emoções que ficariam inscritos nas pedras
e nos painéis de azulejos. Foi da intimidade deste seu quarto que partiria para
a descoberta de todos aqueles amplos e esplendorosos espaços que albergavam
ainda algumas repartições administrativas do Estado assim como longos
corredores e salas deixados vazios pelo Liceu Central de Gil Vicente, que foi
ali criado em 1914*.
* A actual Escola
Secundária de Gil Vicente, anterior Liceu Nacional de Gil Vicente, nasce como
uma secção oriental do Liceu Passos Manuel, tornando-se autónomo em 1915, sendo
o primeiro liceu de Lisboa criado após a República. O mesmo funcionou no
Mosteiro de São Vicente de Fora até 1949, ano em que, na antiga cerca deste mosteiro foram
inauguradas as actuais instalações.
Com
a nomeação do Padre Correia da Cunha, no ano de 1960, para pároco de São
Vicente de Fora, este decidiu instalar a sua residência paroquial nos amplos
espaços dos claustros, ocupando um salão que transformou em quarto e duas amplas
salas para área de trabalho e para construir momentos de relação com os seus
paroquianos.
Das
muitas janelas que dispunham as salas da residência paroquial, podia apenas observar
as muitas miseráveis barracas existentes no enorme pátio anexo ao Mosteiro.
Foi
por pressão sua que a Fundação Cardeal Cerejeira, criada no ano de 1957, por
ocasião do jubileu académico do Dr. Manuel Gonçalves Cerejeira, veria a
solucionar este degradante cenário com a construção de casas para essas
famílias carenciadas no bairro de Santa Maria dos Olivais.
O
Padre Correia da Cunha era uma pessoa de riscos e jamais desistiria de nortear
a sua vida pelos valores e princípios em que confiava.
Rigoroso
e ético mantinha-se fiel à sua filosofia de vida: aquele degradante e miserável
cenário não o deixava dormir tranquilamente, pelo que permanentemente fazia eco
desta sua amargura junto do Cardeal Cerejeira, que o adorava e tinha uma imensa
afeição paternal pelo jovem padre. Um dia teve conhecimento que o Cardeal
Patriarca de Lisboa se engajou e se comprometeu na resolução desta questão de
elementar justiça, transformando o Evangelho em acção.
Com a saída do antigo sacristão, Sr. Manuel, o Padre Correia da
Cunha se instalou no primeiro piso do Mosteiro, no espaço ocupado por este
colaborador desde os tempos do seu antecessor. Estes aposentos eram finalmente
sentidos como o seu abrigo de descanso e permitiam ao Padre Correia da Cunha gozar
da possibilidade de avistar toda a bela paisagem sobre a colina do Castelo de
São Jorge.
Só
mais tarde, com a colaboração das OGFE, projectou e construiu a sua residência
no topo do edifício, onde podia cultivar o seu espírito, com esplêndidas vistas
sobre todo o Estuário do Tejo e as colinas da sua amada Lisboa.
Segundo
as palavras dos seus médicos, o Padre Correia da Cunha precisava de sol, de
forma a suavizar o sofrimento da sua dolorosa doença reumática. Naquele imenso
terraço orientado para o pôr-do-sol, onde dispunha de espreguiçadeiras para os
seus banhos de sol, lembro-me de indescritíveis experiências e momentos de
prazer, paz e liberdade, tomando umas cervejas fresquinhas, entre amigos, e
olhando aqueles cenários deslumbrantes.
Será
difícil não recordar esses momentos de convívio com um homem de grande
envergadura, que não se compadecia com meias tintas. Afirmava tudo o que
pensava com admirável precisão. Por isso hoje é amado mas também odiado por
aqueles cujo os vícios são opostos a tais virtudes. Uma coisa, asseguro: a sua
linguagem era simples, clara, objectiva e sucinta, à boa maneira maruja.
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