sexta-feira, 9 de março de 2012

PE. CORREIA DA CUNHA E OS CIGARROS















“ COMPANHEIRO SILENCIOSO – O CIGARRO – PARA UM AMENO PRAZER…”






O Padre Correia da Cunha acendia os cigarros e esticava o pensamento por aí afora certamente em busca de insondáveis e agradáveis sensações. As espirais de fumo espalhavam-se desenhando formas aerodinâmicas nos espaços vazios das muitas dependências paroquiais.



O meu pensamento de adolescente aprendiz e iniciante na arte de dar umas fumaças clandestinas, apanhava-me embaraçado com as “falsas” concepções de uma vida saudável. Colocando-me a mim próprio as seguintes interrogações: - Porque seria que o dedicado Padre Correia da Cunha homem de grande envergadura moral e intelectual, cuja vida era encontrar alívio para as misérias dos outros irmãos se entregava ao vício dos cigarros? Estes não buscariam colmatar-lhe as saudades do seu coração?



Tive ocasião de observar, durante o tempo que convivi com ele, que havia entre outras, duas coisas que lhe provocavam os maiores entusiasmos e lhe serviam de conforto: os livros e os cigarros. Como já por diversas vezes o referi, para o Padre Correia da Cunha, os primeiros eram os seus leais e inseparáveis conselheiros que o acautelavam do mal, engrandecendo-o e valorizando o infinito da Graça de Deus; os verdadeiros amigos íntimos que lhe indicavam as veredas do bem que deveria trilhar. Os segundos seriam os confidentes das agonias, os companheiros que o seguiam por todas as partes, na sociedade, na solidão, nas viagens, nos passeios, nos banquetes, nos cafés, nas ruas e nos campos.




Descobri com ele que os livros eram jardins preciosos, onde ele aspirava os perfumes de todas as estações; flores de todas as cores e matrizes, que embriagavam a visão da inteligência e saturavam o olfacto do espírito como doces e subtis fluidos. Os cigarros eram os fiéis enlevos que o distrairiam nas horas aborrecidas da existência e dos silêncios dos seus pesares.


Os livros eram os intérpretes, que falavam todas as línguas. Tocavam todas as inteligências. Eram uma cadeia mística que prendia as gerações passadas às presentes e futuras, poemas de todos os séculos, cofres de conhecimentos que nunca se esgotam.



Padre Correia da Cunha sempre com o cigarro na mão

Os cigarros eram os ímanes da juventude, a distracção do homem maduro, o recreio da velhice, o companheiro do estudante, o desafogo do soldado, a necessidade do marujo: tido por uns como um veneno, por outros como um costume salutar.



Os livros são monumentos e faróis da humanidade, o elixir mais eficaz para o mais pernicioso de todos os males, que é a ignorância.



Os cigarros adoçam muitas vezes os logros da existência, tiram-nos cuidados, descansa-nos o espírito, como que nos alivia o peso da vida


Os cigarros consumidos pelo Padre Correia da Cunha uns atrás de outros eram prazeres da nicotina. Tornava-se-lhe claro que esta sua dependência do princípio do prazer, era mais poderosa que o pensamento lógico da razão; pois sempre o ouvi afirmar milhares de vezes: - “deveria deixar esta porcaria”.



A vida é cheia de acontecimentos. E em cada acontecimento há um mundo complexo a desafiar a nossa infindável imaginação. É por isso que a nossa vida é muito semelhante à vida de um cigarro, que se vai extinguido pouco a pouco como os sonhos de um idealismo…restando apenas as cinzas.



E á semelhança do fumo que sobe do turíbulo não se sabe para onde, o Padre Correia da Cunha depositava na fumaça de cada cigarro uma mensagem… rogando a Deus que a solidariedade entre os homens, filhos do mesmo Pai, fosse uma realidade e não este revolto egoísmo provocado pelos prazeres.



Também nestas lides tenho seguido os bons (ou maus) conselhos do saudoso Padre Correia da Cunha, sem meditar nas consequências que daí possam advir.



Para mim ao menos assim tem sido!

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