“ COMPANHEIRO SILENCIOSO – O CIGARRO –
PARA UM AMENO PRAZER…”
O
Padre Correia da Cunha acendia os cigarros e esticava o pensamento por aí afora
certamente em busca de insondáveis e agradáveis sensações. As espirais de fumo espalhavam-se
desenhando formas aerodinâmicas nos espaços vazios das muitas dependências
paroquiais.
O
meu pensamento de adolescente aprendiz e iniciante na arte de dar umas fumaças clandestinas,
apanhava-me embaraçado com as “falsas” concepções de uma vida saudável. Colocando-me
a mim próprio as seguintes interrogações: - Porque seria que o dedicado Padre
Correia da Cunha homem de grande envergadura moral e intelectual, cuja vida era
encontrar alívio para as misérias dos outros irmãos se entregava ao vício dos
cigarros? Estes não buscariam colmatar-lhe as saudades do seu coração?
Tive
ocasião de observar, durante o tempo que convivi com ele, que havia entre
outras, duas coisas que lhe provocavam os maiores entusiasmos e lhe serviam de conforto:
os livros e os cigarros. Como já por diversas vezes o referi, para o Padre
Correia da Cunha, os primeiros eram os seus leais e inseparáveis conselheiros
que o acautelavam do mal, engrandecendo-o e valorizando o infinito da Graça de
Deus; os verdadeiros amigos íntimos que lhe indicavam as veredas do bem que
deveria trilhar. Os segundos seriam os confidentes das agonias, os companheiros
que o seguiam por todas as partes, na sociedade, na solidão, nas viagens, nos
passeios, nos banquetes, nos cafés, nas ruas e nos campos.
Descobri
com ele que os livros eram jardins preciosos, onde ele aspirava os perfumes de
todas as estações; flores de todas as cores e matrizes, que embriagavam a visão
da inteligência e saturavam o olfacto do espírito como doces e subtis fluidos.
Os cigarros eram os fiéis enlevos que o distrairiam nas horas aborrecidas da
existência e dos silêncios dos seus pesares.
Os
livros eram os intérpretes, que falavam todas as línguas. Tocavam todas as
inteligências. Eram uma cadeia mística que prendia as gerações passadas às
presentes e futuras, poemas de todos os séculos, cofres de conhecimentos que
nunca se esgotam.
Padre Correia da Cunha sempre com o cigarro na mão |
Os
cigarros eram os ímanes da juventude, a distracção do homem maduro, o recreio
da velhice, o companheiro do estudante, o desafogo do soldado, a necessidade do
marujo: tido por uns como um veneno, por outros como um costume salutar.
Os
livros são monumentos e faróis da humanidade, o elixir mais eficaz para o mais pernicioso
de todos os males, que é a ignorância.
Os
cigarros adoçam muitas vezes os logros da existência, tiram-nos cuidados,
descansa-nos o espírito, como que nos alivia o peso da vida
Os
cigarros consumidos pelo Padre Correia da Cunha uns atrás de outros eram
prazeres da nicotina. Tornava-se-lhe claro que esta sua dependência do
princípio do prazer, era mais poderosa que o pensamento lógico da razão; pois
sempre o ouvi afirmar milhares de vezes: - “deveria deixar
esta porcaria”.
A
vida é cheia de acontecimentos. E em cada acontecimento há um mundo complexo a
desafiar a nossa infindável imaginação. É por isso que a nossa vida é muito semelhante
à vida de um cigarro, que se vai extinguido pouco a pouco como os sonhos de um
idealismo…restando apenas as cinzas.
E
á semelhança do fumo que sobe do turíbulo não se sabe para onde, o Padre
Correia da Cunha depositava na fumaça de cada cigarro uma mensagem… rogando a
Deus que a solidariedade entre os homens, filhos do mesmo Pai, fosse uma
realidade e não este revolto egoísmo provocado pelos prazeres.
Também
nestas lides tenho seguido os bons (ou maus) conselhos do saudoso Padre Correia
da Cunha, sem meditar nas consequências que daí possam advir.
Para mim ao menos assim tem
sido!
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