.
“
HAVERÁ SEMPRE UMA CRUZ IRRADIANDO SOLIDARIEDADE AOS HOMENS DE BOA VONTADE…”
Estamos prestes a
reviver mais uma Semana Santa, tempo litúrgico de excelência, para uma forte
reflexão sobre a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, e de
aprofundamento e crescimento da nossa fé.
Na paróquia de São
Vicente de Fora, o Padre Correia da Cunha sabia muito bem da importância dessa
semana e guardava com todo o zelo esses dias como os mais santos do ano
litúrgico.
Os cerimoniais da
Liturgia da Semana Santa eram cuidadosamente estudados e ensaiados pelos
afectuosos jovens (meninos do coro, acólitos e leitores) da paróquia. Durante
semanas, sob a orientação do seu coadjutor Revdº José Mitchel, treinavam para
que todo o cerimonial ocorresse sem falhas. O Padre Correia da Cunha
socorria-se das velhas memórias dos encantamentos da Semana Santa, através dos
muitos símbolos e elementos da Paixão de Cristo.
Todos os anos, a
majestosa igreja de São Vicente de Fora abarrotava de pessoas vindas de todos
os bairros de Lisboa, para as solenes celebrações da Semana Santa realizadas
pelo Padre Correia da Cunha. Eram verdadeiros actos de genuína piedade e
silêncios. Afirmo com a certeza absoluta que esses longos cerimoniais fortificavam
a nossa fé, pois eram sentidos e participados como autênticos e verdadeiros
retiros espirituais.
PADRE JOSE FELICIANO ROCHA ALCOBIA E PADRE CORREIA DA CUNHA |
Mas
era na sexta-feira Santa, que o Padre Correia da Cunha nos convidava para uma
vez mais nos prostramos religiosamente diante da Cruz e beijarmos a imagem
martirizada do guia da nossa civilização. Ali, reverenciávamos os nossos
sentimentos humanos em holocausto ao Divino Mestre, cujas suas palavras até
hoje não foram reprovadas nem ouvidas:
“Que vos ameis uns
aos outros. Como Eu vos amei”.
A grande mensagem
deixada por Ele para os seus seguidores vindouros.
Com toda a força que
sua voz lhe permitia, lembrava o Padre Correia da Cunha: “ Como é possível que passados
quase dois mil anos, nós, a começar por mim, não tenhamos ainda compreendido a
profundidade das Suas palavras… Vivemos egoisticamente para nós mesmos,
afogados de ambições…, com desejos de superioridade. Somos uns errantes deambulando
pela vida. Somos escravos das nossas vaidades, traçando os nossos próprios
erros…”.
Ouvi muitas vezes ao
Padre Correia da Cunha que não era preciso ser religioso ou andar a bater com
as mãos no peito e a papar missas todos os dias, para se compreender a
abnegação dos princípios cristãos, pois bastava olhar para a Cruz, o símbolo
cristão, para compreendermos toda a grandiosidade da Sua obra de Amor pela
humanidade.
Jesus Cristo deixou
estampado nas suas doutrinas o caminho recto que devemos trilhar. Mas nós,
nutridos com as nossas ambições desmedidas, com as nossas preocupações ignotas
e com as nossas ânsias furiosas de postarmos além de nós mesmos, esquecemo-Lo.
Recordo-me dessas
sextas-feiras, naquele ambiente cinzento e sóbrio, de fazer a genuflexão diante
da cruz e beijá-la. Era um momento em que sentíamos uma réstia de luz que
invadia os nossos corações na busca da verdadeira sabedoria, firme e
indissolúvel, que nos conduzia à vida da verdadeira fraternidade cristã.
Que pensaria hoje, o
Padre Correia da Cunha ao ouvir o sucessor de Pedro a falar das hipócritas
vivências dos membros da corte da Igreja? E das palavras de Jesus Cristo
aproveitadas para assegurarem o poder e a superioridade de uns sobre outros?
O Mestre sempre pregou
a humanidade, a solidariedade, a compaixão e a resignação e morreu estendido
numa cruz, convicto que os Homens o seguiriam.
Mas todos nós
persistimos no erro, escravizando-nos à vaidade dos nossos preconceitos, à luta
contra nós mesmos e contra os próprios ensinamentos de Jesus Cristo.
As infindáveis
cerimónias da Semana Santa, do meu tempo de infância, estão bem vivas na minha
memória. Cumpríamos todos os rituais sagrados e ajudados pelo Padre Correia da
Cunha éramos inspirados a orientar os nossos comportamentos, galvanizados pelos
fascinantes encantos que esses sinais fantásticos de religiosidade e
santificação nos transmitiam. Na sexta-feira da paixão, as lágrimas dos
pecadores arrependidos faziam a Natureza renascer. Infelizmente, naquela
paróquia tudo se foi perdendo, de geração em geração…
.
Memórias dos diversos anos quando, chegados à sexta-feira Santa, se desnudavam os altares, sob os nossos olhares, enquanto os Santos de cara e corpo tapado com pano roxo assistiam...
ResponderEliminarRecordo-me de uma cena interessante. Numa Sexta-feira Santa uma paroquiana activa, devota, queria lavar os santos com vinho. Estão mesmo a ver a cara do nosso Padre CUNHA que recusou a oferta. Que era tradição lá da terra dela… Que desperdício! Mas que risadas ganhámos naquele instante.
Rogerio Martins Simoes