«Não
se pode Evangelizar um faminto proclamando as virtudes do jejum.».
Por mais que façamos,
não nos podemos livrar das mais elementares necessidades materiais que pesam
sobre nós. Os alimentos que comemos, a água que bebemos, o sono que dormimos, o
ar que respiramos, não dependem da nossa vontade, visto que nos são impostas
como a própria vida, tendo nós de as acolher em total liberdade sem colocar
qualquer objecção.
O Padre Correia da
Cunha alheava-se das coisas terrenas, pois o seu pensamento estava direccionado
para a contemplação, para as coisas do alto, para a cultura e para a arte do
bem-fazer. Mas era categórico no seu discurso no tocante à gastronomia: «Não se
pode Evangelizar um faminto proclamando as virtudes do jejum.».
Quem assim pensasse não passaria de um
charlatão e não o convenceria com essa filosofia barata ou sonhos de quimeras
ilusórias. Para ele era inútil pregar moral a estômagos vazios.
O Padre Correia da
Cunha fazia altos elogios à simplicidade da boa gastronomia que era entendida
por ele como uma verdadeira obra de arte.
Mas salientava que a
primeira condição para bem comer era o apetite espontâneo, não forçado,
provocado ou incentivado… Tudo era bom e saboroso para si, quando a natureza e
as suas leis imperam sobre cada um de nós.
Outra condição era a
companhia; o Padre Correia da Cunha detestava comer sozinho, convidava sempre
os dilectos discípulos ou fazia-se convidado pelos seus amigos paroquianos.
Recordo aqui, que ele telefonava, sempre previamente, solicitando à dona da casa que
se acrescentasse um pouco mais de água na panela da sopa. Era com imensa
alegria que o Padre Correia da Cunha era sempre acolhido nas casas dos muitos
amigos paroquianos.
Também preenchia todas
as noites das quintas-feiras, num jantar com um grupo de amigos chegados;
oficiais superiores do exército, membros das OGFE, da armada e personalidades
de reconhecido mérito. Fazia-o por prazer intelectual, pois ali falava-se
livremente de tudo. Todos reconheciam que o Padre Correia da Cunha pela sua inteligência
e o seu saber se entusiasmava nas suas prelecções, mas também ninguém como ele
sabia harmonizar os debates respeitando as diferenças das intervenções,
servindo-se da indagação filosófica que elevava muito as discussões. As despesas
destes jantares regulares eram rotativas e as faltas eram punidas com coimas.
O Padre Correia da
Cunha frequentava e conhecia os melhores restaurantes de Lisboa, mas dava
preferência aos que disponham de vista panorâmica sobre o seu amado Rio Tejo.
Adorava conversar durante as refeições. Era um excelente conversador e tinha
imensa facilidade de tratar de todos os temas culturais o que era um mérito do
seu elevado estado de espírito.
O que era para o Padre
Correia da Cunha má gastronomia? Um requintado serviço mas uma comida intragável
que nem o bom vinho ajudava a disfarçar. A propósito de bons vinhos recordo
que a selecção era sempre da sua exclusiva competência e fazia-o com uma enorme
paixão das coisas belas e nobres. O vinho produzido pelo José Maria da Fonseca
com a designação Piriquita, vinho
frutado, era um dos seus mais emblemáticos merecendo a sua especial preferência.
Beber um bom vinho para
ele era um elevado prazer espiritual e não propriamente para satisfazer um
vício cego e tonto.
Trago à memória que
quando a garrafa chegava à mesa e depois do habitual ritual de abertura com mil
cuidados, como era exigido por ele, botava a boa pinga no copo. O Padre Correia
da Cunha aproximava-o da boca para degustação e soltava esta exclamação:
«abençoado sejas, pelo bem que fazes aos mortais!»
Estas refeições tomadas
na companhia do saudoso Padre Correia da Cunha eram saudáveis acções de convívio,
amizade e simplicidade em que cada um sem esforço se sentia restituído à sua pureza.
É que um bom vinho inebria e fortalece os espíritos. Não sei a quem pertence
esta frase mas ouvia repetidas vezes ao nosso clérigo: «Enche o teu copo e
alivia a tua alma!»
O Padre Correia da
Cunha, como na vida não esquecia nunca a simplicidade no comer, no beber, no
vestir e até no pensar… A boa gastronomia inspirava-o na sua sociabilidade e no
convívio com os homens seus irmãos.
Ele sabia que é à volta
da mesa que o homem se realiza podendo assim contribuir para a busca das
grandes verdades, da beleza do bem comum.
Não foi por mero acaso que
a última ceia, teve para Jesus Cristo a definitiva consagração da sua Obra.
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