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Padre Correia da Cunha era um grande estudioso dos ritos litúrgicos mas creio que tinha um imenso fascínio pelo Rito moçarábico; pelos muitos livros, missais e registos de cântico (…) que possuía deste cerimonial. Presumo que ainda hoje se celebra este rito nas Catedrais de Toledo e Granada, em Espanha. Padre Correia da Cunha visitava com alguma assiduidade essas regiões do país vizinho, onde mantinha contactos com especialistas na área da liturgia e irmandades defensoras deste antiquíssimo Rito.
Ficaram celebres os moçárabes do andaluz, que tiveram uma cultura própria, meio latina meio árabe. O moçarabismo andaluz teve um centro importante em Toledo, onde muitos dos seus vestígios ainda se conservam.
Designa-se por rito moçárabe o ritual litúrgico originariamente criado e praticado pelos primeiros cristãos ibéricos, ainda sob domínio Romano. Sofreu importantes alterações durante o período Visigótico; mais tarde os cristãos moçárabes continuaram a praticar o rito mesmo sob o domínio árabe da Península Ibérica.
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Mio sidi ibrâhim yá tú uemme dolge fente mib
Padre Correia da Cunha era um grande estudioso dos ritos litúrgicos mas creio que tinha um imenso fascínio pelo Rito moçarábico; pelos muitos livros, missais e registos de cântico (…) que possuía deste cerimonial. Presumo que ainda hoje se celebra este rito nas Catedrais de Toledo e Granada, em Espanha. Padre Correia da Cunha visitava com alguma assiduidade essas regiões do país vizinho, onde mantinha contactos com especialistas na área da liturgia e irmandades defensoras deste antiquíssimo Rito.
Ficaram celebres os moçárabes do andaluz, que tiveram uma cultura própria, meio latina meio árabe. O moçarabismo andaluz teve um centro importante em Toledo, onde muitos dos seus vestígios ainda se conservam.
Designa-se por rito moçárabe o ritual litúrgico originariamente criado e praticado pelos primeiros cristãos ibéricos, ainda sob domínio Romano. Sofreu importantes alterações durante o período Visigótico; mais tarde os cristãos moçárabes continuaram a praticar o rito mesmo sob o domínio árabe da Península Ibérica.
Em muitas conversas que tive com Padre Correia da Cunha sobre ritos litúrgicos, lembro de ele expressar a necessidade, utilidade, para que a Igreja celebrasse os seus rituais com base nas expressões mais piedosas da cultura de cada povo; no caso português o fado e o folclore.
Deste modo poderia unir às celebrações, mais cristãos e não faltariam guitarras e eruditos para se dedicarem à missão. O povo não deve ser afastado da sua cultura nas suas cerimónias litúrgicas, para não ser privado daquilo lhe enche a alma e lhe dá alegria.
Como compreenderão Pe. Correia da Cunha, não advogava a abolição do rito latino, mas em alguns locais e em algumas ocasiões especiais da vida da paróquia, a liturgia deveria ser celebrada segundo o rito próprio da cultura popular.
Uma música simples ajudava a promover a oração ao elevar a alma dos filhos de Deus e a evidenciar a bondade de Deus.
Para terminar estas conversas fraternas, Padre Correia da Cunha sempre colocava um disco de vinil da sua colecção, com a gravação de uma das missas celebradas no Rito Moçarábico com cântico flamenco.
Termino hoje com a publicação desta VIII parte, a magnífica Conferência proferida pelo Rev. Padre José Correia da Cunha, no ano de 1954, na Sede dos Amigos de Lisboa. Penso que pudemos testemunhar através destes admiráveis textos a sua imensa e intensa paixão a Lisboa, cidade que o viu nascer, a profunda veneração que possuía a São Vicente patrono da sua amada paróquia e a grande dedicação e sedução que dedicava aos estudos da Liturgia. Foram estes uns dos seus enamoramentos que tão sabiamente nos soube transmitir e que temos o imperativo de comunicar às novas gerações de Jovens, que infelizmente não tiveram a oportunidade de contactar com este fascinante homem de cultura, que foi Padre José Correia da Cunha.
Deste modo poderia unir às celebrações, mais cristãos e não faltariam guitarras e eruditos para se dedicarem à missão. O povo não deve ser afastado da sua cultura nas suas cerimónias litúrgicas, para não ser privado daquilo lhe enche a alma e lhe dá alegria.
Como compreenderão Pe. Correia da Cunha, não advogava a abolição do rito latino, mas em alguns locais e em algumas ocasiões especiais da vida da paróquia, a liturgia deveria ser celebrada segundo o rito próprio da cultura popular.
Uma música simples ajudava a promover a oração ao elevar a alma dos filhos de Deus e a evidenciar a bondade de Deus.
Para terminar estas conversas fraternas, Padre Correia da Cunha sempre colocava um disco de vinil da sua colecção, com a gravação de uma das missas celebradas no Rito Moçarábico com cântico flamenco.
Termino hoje com a publicação desta VIII parte, a magnífica Conferência proferida pelo Rev. Padre José Correia da Cunha, no ano de 1954, na Sede dos Amigos de Lisboa. Penso que pudemos testemunhar através destes admiráveis textos a sua imensa e intensa paixão a Lisboa, cidade que o viu nascer, a profunda veneração que possuía a São Vicente patrono da sua amada paróquia e a grande dedicação e sedução que dedicava aos estudos da Liturgia. Foram estes uns dos seus enamoramentos que tão sabiamente nos soube transmitir e que temos o imperativo de comunicar às novas gerações de Jovens, que infelizmente não tiveram a oportunidade de contactar com este fascinante homem de cultura, que foi Padre José Correia da Cunha.
COMEMORAÇÃO VICENTINA DOS ’AMIGOS DE LISBOA’’
Conferência, na sede, pelo PADRE CORREIA DA CUNHA, no dia do Padroeiro da Cidade em 1954
VIII PARTE
Embora ainda não tenha visto escrito algum em defesa desta tese, devo declarar que já em tempos o incansável Apóstolo da Liturgia em Portugal, Mons. Dr. Pereira dos Reis, em conversa interessantíssima sobre o assunto me revelou que tal devia ser o culto de S. Vicente. Pena é que S. Exa escreva tão poucas vezes, pois decerto a sua erudição resolveria todas as dúvidas. Espero, porém que ainda venha a público dizer de sua justiça. Entretanto, e para despertar o interesse de pessoas mais autorizadas e competentes, aqui deixo formuladas as razões que me dão a certeza não só da existência daquele Rito em Portugal, mas da sua prática em Lisboa, em honra de S.Vicente:
I – Já ficou dito, e está confirmado pelo Mestre Júlio de Castilho, que a tradição da vinda das relíquias de S. Vicente para Lisboa não é destituída de valor Histórico. Ora, segundo tal tradição, quem informou Afonso Henriques da existência do corpo do Santo foram os Mosárabes, cristãos que viviam na Lisboa mourisca.
Decerto, que eles já celebravam o grande Mártir no Rito que tinham, tanto mais que, durante a dominação sarracena, por razões óbvias, eles não podiam adoptar outro.
II – Que o Rito Romano-Visigótico existiu em Portugal, é facto indiscutível. Há documentos insofismáveis. Um deles foi descoberto, há anos, pelo sábio investigador coimbrão, D. António Garcia Ribeiro de Vasconcellos, na cidade da Rainha Santa. Este documento, que vem citado e fotografado no Livro El
Canto Mozárabe, de Cassiano Rojo e Germán Prado (Barcelona, 1929), pode servir como prova de que, em Coimbra, existiu também aquele Rito. E se nos lembrarmos de que o Convento de Santa Cruz era dos mesmos Cónegos Regrantes a quem estava confiado o de S.Vicente de Fora; se recordarmos que aqueles monges exerceram uma influência importantíssima na vida religiosa e cultural dos nossos primeiros reinados, talvez possamos concluir que o Santo Patrono do mosteiro lisboeta fosse louvado também em Coimbra com o Rito Romano-Visigótico.
III – Outra razão, não menos interessante, é a que nos oferece a feliz coincidência de, no Ofício do Santo, tanto no Patriarcado como na Diocese de Faro, se cantarem ainda hoje algumas estrofes do célebre hino de Prudêncio, adoptado também, desde o século V, no ofício do Rito Romano-Visigótico.
IV – Também ouvi dizer não sei a quem (garanto, porém, que não o sonhei nem inventei) que, antes das obras levadas a cabo por Baltasar de Castro, havia na capela vicentina da Sé Patriarcal uma roldana de campainhas cuja utilidade ninguém conhecia.
Ora no Rito Mosarábico usa-se um carrilhão em forma de roldana para tocar continuamente durante o Cânon da Missa. Não será, portanto de concluir-se que o orago da referida capela era celebrado naquele Rito?
V – Uma achega mais me forneceu a preciosa informação de D. Gabriel de Sousa, Reverendíssimo Padre-Abade de Singeverga. Disse-me há pouco, Sua Paternidade, em amena conversa sobre este assunto, que o Reverendo Pároco da Freguesia de S.Vicente da Chã, concelho de Montalegre, também não sabia o que fazer a uma roldana de campainhas que havia lá na igreja.
Não será esta roldana mais uma prova preciosa de que o culto de S.Vicente foi durante muito tempo o masarábico?
É, pelo menos, sintoma muito interessante a existência de uma roldana numa igreja perdida em Trás-os-Montes, cujo orago é o grande Diácono.
VI – As razões apontadas podem não ser concludentes, mas julgo que não ficarão dúvidas algumas perante os documentos que a devoção a S.Vicente e a solicitude por quanto lhe diz respeito levaram o Sr. Dr. Adriano de Gusmão a oferecer-me. Não posso deixar de lhe agradecer aqui publicamente o espírito de colaboração com que deles me deu notícia e a amizade com que se deu ao trabalho de mos trazer.
Bem-haja!
E aqui têm VV. Exas. esses dois preciosos documentos, que rezam assim, textualmente:
«Havia a Capella chamada a Missa de S. Vicente, que quotidianamente celebrarão os Bacharéis por alternativa no Altar, onde estava o seu corpo, com o privilégio de ser a própria do Santo em qualquer dia, ou festividade do anno sem excepção alguma. Constava esta Missa de algumas orações, que não há nas outras missas: era de um só Padre; porém cantada a canto chão pelos meninos do coro, tocando-se em todo o tempo do Canon huma roda de campainhas, que estava na claustra por detrás da Capella do Santo, e se observava indispensavelmente. No seu oitavário era a Missa dos três Padres, cantada a canto de órgão pelos mesmos meninos do coro; e tudo se fazia por uso antiquíssimo»
J.Baptista de Castro, Mappa de Portugal, III TOMO, pag. 347, 2ª edição 1762.
«Nesta SÉ se canta, todos os dias do anno huma missa em o seu Altar do Glorioso Mártir S. Vicente, officiada pedosmoços do choro a hora matinas, com diffferente Rito do Romano…»
«Memorias para a História Eclesiástica de Portugal – Que sítios , ou perguntas sobre os monumentos históricos da Se de Lisboa»
(È anterior ao terramoto)
Em face do que fica exposto, não será, pois, ousio meu afirmar que em Portugal, ou pelo menos na Capela Vicentina da Sé de Lisboa, até ao terramoto de 1755, S.Vicente era honrado na Liturgia Romano-Visigótica.
E sendo assim, creio não haver grandes dificuldades em restaurar esse culto pelo menos, na referida Capela. Seria reatar uma devoção tradicional ao nosso Padroeiro e, ao mesmo tempo, restaurar um privilégio honroso para a nossa cidade.
Outra questão, também de certo interessante, que surgiu no meu espírito, durante os estudos a que procedi para este pobre trabalho, seria determinar qual a razão por que D. Afonso Henriques confiou o Mosteiro de S. Vicente de Fora aos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. É que talvez não fosse de todo alheia a tal decisão a devoção ao Santo Diácono…
Estas coisas são como as cerejas: vêm umas atrás das outras. E o que é certo é que vim a reparar nisto: - Adão de S. Victor, o inspirado poeta das sequências vicentinas, falecido em 1173, era também Cónego Regrante na Abadia de S.Victor de Paris.
Nada me custa crer que o nosso primeiro Rei, tão ligado aos franceses por laços de sangue, pelos elos da amizade com S.Bernardo e outros, e ainda pela valiosa ajuda dos Cruzados, tenha confiado o Mosteiro que ele dedicou a S. Vicente à Ordem Religiosa a que pertencia aquele poeta do Santo. É até muito provável que os Cruzados também fossem devotos do Santo e cantassem as tais sequências tanto em voga naquela época.
Se assim fosse (e nihil obstat), ficaria satisfeita uma das muitas curiosidades do espírito bisbilhoteiro dos historiadores…
Mas voltemos ao culto de S.Vicente. E agora especialmente em Lisboa.
Padrinho da cidade desde o seu Baptismo, o Santo Diácono foi celebrado com todas as honras litúrgicas, como era natural.
O seu dia natalício era, na Sé de Lisboa, precedido de uma vigília com missa apropriada, cujo texto, afora as orações que eram exclusivas, eram os da vigília de S. Lourenço, um dos Santos de maior devoção da Igreja primitiva. Está registada em missais antigos.
Propriamente no dia da festa (22 de Janeiro), em S. Vicente de Fora, onde o santo era considerado Cónego Regrante, e na Sé em que fazia parte do Cabido, a Celebração do Padroeiro era e é ainda hoje duplex de 1ª classe com oitava privilegiada, rezando-se ofício próprio e tal MISSA LAETÁBITUR.
No dia da oitava, 29 de Janeiro, realizava-se na Sé, certamente promovida pelo Cabido, grandiosa e solene procissão com as relíquias de S.Vicente.
Foi encontrar num in-fólio da nossa Catedral a notícia desta procissão, cuja tradição infelizmente se perdeu:
Reza assim o texto:
DIE XXIX JANUARI
PROCESSIO S. VINCENTII MARTYRIS
COMMEMORATIONES
DE EODEM SANCTO
ANTIPHONA
Oscae Vincentium genuit,
Caesar Augusta stola exornavit,
Valentia martyrio coronavit,
LISBONNA, sepultura decoravit.
Justus ut palma florebit.
Sicut cedrus Libani multiplicabitur.
A festa da trasladação em 16 de Setembro, embora não tivesse tanta solenidade exterior, era e é ainda celebrada como duplex maior com missa própria, isto é, composta de textos apropriados á celebração do acontecimento, textos esses que, com excepção apenas do Cântico do Intróito e do trecho do Evangelho, são todos diferentes dos da festa de Janeiro. Isto segundo o próprio de um missal que possuo, editado na tipografia Plantiniana em 1716.
Finalmente, em Lisboa, a devoção ao Santo Padroeiro foi tão grande que o seu dia foi guardado como dia SANTO.
Pena é que a devoção a S.Vicente, Padrinho da Cidade e seu tão desvelado Protector, tenha decaído tanto nos últimos tempos.
A INGRATIDÃO NÃO FICA BEM A NINGUÉM E MUITO MENOS A LISBOA QUE DESDE TENRA IDADE, FOI ANIMADA E PROTEGIDA POR TÃO GRANDE HERÓI DA FÉ CRISTÃ.
I – Já ficou dito, e está confirmado pelo Mestre Júlio de Castilho, que a tradição da vinda das relíquias de S. Vicente para Lisboa não é destituída de valor Histórico. Ora, segundo tal tradição, quem informou Afonso Henriques da existência do corpo do Santo foram os Mosárabes, cristãos que viviam na Lisboa mourisca.
Decerto, que eles já celebravam o grande Mártir no Rito que tinham, tanto mais que, durante a dominação sarracena, por razões óbvias, eles não podiam adoptar outro.
II – Que o Rito Romano-Visigótico existiu em Portugal, é facto indiscutível. Há documentos insofismáveis. Um deles foi descoberto, há anos, pelo sábio investigador coimbrão, D. António Garcia Ribeiro de Vasconcellos, na cidade da Rainha Santa. Este documento, que vem citado e fotografado no Livro El
Canto Mozárabe, de Cassiano Rojo e Germán Prado (Barcelona, 1929), pode servir como prova de que, em Coimbra, existiu também aquele Rito. E se nos lembrarmos de que o Convento de Santa Cruz era dos mesmos Cónegos Regrantes a quem estava confiado o de S.Vicente de Fora; se recordarmos que aqueles monges exerceram uma influência importantíssima na vida religiosa e cultural dos nossos primeiros reinados, talvez possamos concluir que o Santo Patrono do mosteiro lisboeta fosse louvado também em Coimbra com o Rito Romano-Visigótico.
III – Outra razão, não menos interessante, é a que nos oferece a feliz coincidência de, no Ofício do Santo, tanto no Patriarcado como na Diocese de Faro, se cantarem ainda hoje algumas estrofes do célebre hino de Prudêncio, adoptado também, desde o século V, no ofício do Rito Romano-Visigótico.
IV – Também ouvi dizer não sei a quem (garanto, porém, que não o sonhei nem inventei) que, antes das obras levadas a cabo por Baltasar de Castro, havia na capela vicentina da Sé Patriarcal uma roldana de campainhas cuja utilidade ninguém conhecia.
Ora no Rito Mosarábico usa-se um carrilhão em forma de roldana para tocar continuamente durante o Cânon da Missa. Não será, portanto de concluir-se que o orago da referida capela era celebrado naquele Rito?
V – Uma achega mais me forneceu a preciosa informação de D. Gabriel de Sousa, Reverendíssimo Padre-Abade de Singeverga. Disse-me há pouco, Sua Paternidade, em amena conversa sobre este assunto, que o Reverendo Pároco da Freguesia de S.Vicente da Chã, concelho de Montalegre, também não sabia o que fazer a uma roldana de campainhas que havia lá na igreja.
Não será esta roldana mais uma prova preciosa de que o culto de S.Vicente foi durante muito tempo o masarábico?
É, pelo menos, sintoma muito interessante a existência de uma roldana numa igreja perdida em Trás-os-Montes, cujo orago é o grande Diácono.
VI – As razões apontadas podem não ser concludentes, mas julgo que não ficarão dúvidas algumas perante os documentos que a devoção a S.Vicente e a solicitude por quanto lhe diz respeito levaram o Sr. Dr. Adriano de Gusmão a oferecer-me. Não posso deixar de lhe agradecer aqui publicamente o espírito de colaboração com que deles me deu notícia e a amizade com que se deu ao trabalho de mos trazer.
Bem-haja!
E aqui têm VV. Exas. esses dois preciosos documentos, que rezam assim, textualmente:
«Havia a Capella chamada a Missa de S. Vicente, que quotidianamente celebrarão os Bacharéis por alternativa no Altar, onde estava o seu corpo, com o privilégio de ser a própria do Santo em qualquer dia, ou festividade do anno sem excepção alguma. Constava esta Missa de algumas orações, que não há nas outras missas: era de um só Padre; porém cantada a canto chão pelos meninos do coro, tocando-se em todo o tempo do Canon huma roda de campainhas, que estava na claustra por detrás da Capella do Santo, e se observava indispensavelmente. No seu oitavário era a Missa dos três Padres, cantada a canto de órgão pelos mesmos meninos do coro; e tudo se fazia por uso antiquíssimo»
J.Baptista de Castro, Mappa de Portugal, III TOMO, pag. 347, 2ª edição 1762.
«Nesta SÉ se canta, todos os dias do anno huma missa em o seu Altar do Glorioso Mártir S. Vicente, officiada pedosmoços do choro a hora matinas, com diffferente Rito do Romano…»
«Memorias para a História Eclesiástica de Portugal – Que sítios , ou perguntas sobre os monumentos históricos da Se de Lisboa»
(È anterior ao terramoto)
Em face do que fica exposto, não será, pois, ousio meu afirmar que em Portugal, ou pelo menos na Capela Vicentina da Sé de Lisboa, até ao terramoto de 1755, S.Vicente era honrado na Liturgia Romano-Visigótica.
E sendo assim, creio não haver grandes dificuldades em restaurar esse culto pelo menos, na referida Capela. Seria reatar uma devoção tradicional ao nosso Padroeiro e, ao mesmo tempo, restaurar um privilégio honroso para a nossa cidade.
Outra questão, também de certo interessante, que surgiu no meu espírito, durante os estudos a que procedi para este pobre trabalho, seria determinar qual a razão por que D. Afonso Henriques confiou o Mosteiro de S. Vicente de Fora aos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. É que talvez não fosse de todo alheia a tal decisão a devoção ao Santo Diácono…
Estas coisas são como as cerejas: vêm umas atrás das outras. E o que é certo é que vim a reparar nisto: - Adão de S. Victor, o inspirado poeta das sequências vicentinas, falecido em 1173, era também Cónego Regrante na Abadia de S.Victor de Paris.
Nada me custa crer que o nosso primeiro Rei, tão ligado aos franceses por laços de sangue, pelos elos da amizade com S.Bernardo e outros, e ainda pela valiosa ajuda dos Cruzados, tenha confiado o Mosteiro que ele dedicou a S. Vicente à Ordem Religiosa a que pertencia aquele poeta do Santo. É até muito provável que os Cruzados também fossem devotos do Santo e cantassem as tais sequências tanto em voga naquela época.
Se assim fosse (e nihil obstat), ficaria satisfeita uma das muitas curiosidades do espírito bisbilhoteiro dos historiadores…
Mas voltemos ao culto de S.Vicente. E agora especialmente em Lisboa.
Padrinho da cidade desde o seu Baptismo, o Santo Diácono foi celebrado com todas as honras litúrgicas, como era natural.
O seu dia natalício era, na Sé de Lisboa, precedido de uma vigília com missa apropriada, cujo texto, afora as orações que eram exclusivas, eram os da vigília de S. Lourenço, um dos Santos de maior devoção da Igreja primitiva. Está registada em missais antigos.
Propriamente no dia da festa (22 de Janeiro), em S. Vicente de Fora, onde o santo era considerado Cónego Regrante, e na Sé em que fazia parte do Cabido, a Celebração do Padroeiro era e é ainda hoje duplex de 1ª classe com oitava privilegiada, rezando-se ofício próprio e tal MISSA LAETÁBITUR.
No dia da oitava, 29 de Janeiro, realizava-se na Sé, certamente promovida pelo Cabido, grandiosa e solene procissão com as relíquias de S.Vicente.
Foi encontrar num in-fólio da nossa Catedral a notícia desta procissão, cuja tradição infelizmente se perdeu:
Reza assim o texto:
DIE XXIX JANUARI
PROCESSIO S. VINCENTII MARTYRIS
COMMEMORATIONES
DE EODEM SANCTO
ANTIPHONA
Oscae Vincentium genuit,
Caesar Augusta stola exornavit,
Valentia martyrio coronavit,
LISBONNA, sepultura decoravit.
Justus ut palma florebit.
Sicut cedrus Libani multiplicabitur.
A festa da trasladação em 16 de Setembro, embora não tivesse tanta solenidade exterior, era e é ainda celebrada como duplex maior com missa própria, isto é, composta de textos apropriados á celebração do acontecimento, textos esses que, com excepção apenas do Cântico do Intróito e do trecho do Evangelho, são todos diferentes dos da festa de Janeiro. Isto segundo o próprio de um missal que possuo, editado na tipografia Plantiniana em 1716.
Finalmente, em Lisboa, a devoção ao Santo Padroeiro foi tão grande que o seu dia foi guardado como dia SANTO.
Pena é que a devoção a S.Vicente, Padrinho da Cidade e seu tão desvelado Protector, tenha decaído tanto nos últimos tempos.
A INGRATIDÃO NÃO FICA BEM A NINGUÉM E MUITO MENOS A LISBOA QUE DESDE TENRA IDADE, FOI ANIMADA E PROTEGIDA POR TÃO GRANDE HERÓI DA FÉ CRISTÃ.
texto de Padre Jose Correia da Cunha
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