sábado, 12 de dezembro de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA, ARRAIAL – III ACTO

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‘’Folgar, bailar, gozar, rapaziada! ‘‘




Quem não se lembra ainda dos arraiais organizados pelo Padre Correia da Cunha, na cerca de São Vicente de Fora, onde se tocava e dançava, comia e bebia pela noite dentro? Quem não se lembra da fogueira ateada para se saltar, as tômbolas, as quermesses e os bazares com os respectivos sorteios? Quem não se lembra dos vendedores de alcachofras e manjericos que por essa época davam um aspecto diferente e festivo à freguesia?

Era desta forma que Padre Cunha celebrava as típicas festas da sua amada cidade, visando aglomeraria de dinheiro para as suas obras sociais.

Estes arraiais eram muito do agrado popular e haviam verdadeiras multidões a participar nestas suas realizações. No seu auto de Natal, obviamente, não podia deixar de comportar estas manifestações, onde os imperativos principais eram: o divertimento do jogo, o bailarico e os comes e bebes…


Não havia espaço para ouvir a Voz do PAI…







ARRAIAL



Um Jogador:

Eh! Lá! O trunfo é espadas!

Outro:

Eu corto com a manilha!

Outro:

Cartas mal baralhadas,
Olhem lá que favor, que maravilha!...

4º Jogador

Vamos a ver quem ganhou!

1º Jogador

Ou quem perdeu!

2º Jogador (cantando):

Sete e três, dez mais vinte fazem trinta!...

3º Jogador

Eu logo disse: Cá co Xico ninguém brinca!

1º Jogador:

Quem não perdeu fui eu!
Isto foi um fartote!
Vocês os dois levaram um capote
De alto lá com charuto!

2º Jogador

Que lhe sirva ganhar à tripa forra!

1º Jogador

Guarde o dinheiro, homem, não seja bruto!

4º Jogador

Você daqui não sai. Quero a desforra!

(Entretanto, começa a tocar-se e a bailar-se.)


Animador:

Amigos, é gozar, que a vida é bela!
Não demos cabo dela!
Toca! Toca a brincar, rir e folgar!
Não percam tempo, não! Toca a bailar!


(Há bailarico. Anima-se a dança, durante algum tempo. Um dos assistentes ao baile, pessoa pacata, dá umas voltas. Depois diz:)


Zé Pacato:

Ih! Como o vento guincha!
E chove a potes, e faz muito frio! Puxa!
Nada!...Que eu só espreitei por aquela frincha,
Mas aquilo é de estucha!...

Animador:

Qu’importa a tempestade;
Que importa a ventania,
Se aqui a mocidade
Está quente de alegria?!...

È bailar e dançar, rapaziada,
E não pensemos no que vai lá fora!
Folgai! Bailai! Gozai a toda a hora,
…Que tudo o mais… é nada!


(Continua um pouco mais a animação do bailarico. Depois, pouco a pouco, vai-se ouvindo o órgão com o mesmo tema Rorate. Novamente o Coro dos Homens canta uma das estrofes e uma vez o Refrão.)


Um do Arraial:

Que raio de canto é este tão tristonho?

Outro:

E mesmo melancólico, enfadonho…

Animador:

Eh! Pá! Não faças caso. Orelhas moucas
É o que merecem tais palavras loucas!

Outro:

…Abram-se os Céus e chova!... Chova o quê?!...
- Vinho, gozo e prazer, pais já se vê!

Animador:

Folgar, bailar, gozar, rapaziada!
E não pensemos no que vai lá fora.
Gozar, gozar, gozar, a toda a hora,
Que tudo o mais…é nada!

Zé Pacato:

Eh! Camaradas, parem lá com isso!

Animador:

Então que há?

Animador:

Então que há?

Zé Pacato:

Não sei. Mas há enguiço! Sinto gente lá fora. Quem será?

Animador:

Não faças caso, Pá!

Voz de S. José:

Ó gente boa! Dêem, por favor…

Animador:

Olha! Vêm pedir! – Ponham-se a andar!
Fora daqui! Não venham perturbar
Este arraial em festa de alegria!


Voz de S. José:

Amigos meus, reparem que Maria,
A minha Santa Esposa…

Todos:

Rua! Andor!

Voz de MARIA:

Ó almas boas, tenham dó, piedade
De uma mulher que em breve vai ser Mãe!
E eis quase chegada a sua hora!


Todos:

Embora! Embora! Embora!

Voz de MARIA:

Cá fora sopra rija tempestade!
É grande o vendaval e o frio também…

Animador:

Olhem que fita!... Diz que espera um filho…
Não querem ver? E esta?...
Era um grande sarilho:
Lá ía por água abaixo a nossa festa!

Outro:

Ponham-se a andar! Daqui não levam nada!


Animador:

Vamos nós a bailar, rapaziada!
P’ra frente é que é Lisboa!

Voz de S. José:

Ó gente boa!...

Animador:

Lamúrias… Gente boa…

(Dançam um pouco mais, mas sem animação. Desaparecem discretamente da cena.)

Narrador:

Danças, jogos, canções… ah! na disto
Os deixa ouvir a voz dos altos Céus…
Assim negam asilo a JESUS CRISTO;
Assim negam pousada ao próprio DEUS!

Ó Pobrezinhos, colhei silvas, cardos…
Sofrei frios e fomes… amarguras!
Mas nunca perturbeis os felizardos
Que apenas buscam gozos e venturas…

(Dirigindo-se para o local de onde vêm as vozes de JOSÈ e de MARIA; local que foi sempre marcado por um foco de luz:)


Amigo S. José, bom carpinteiro,
E Vós, Senhora Virginal, Sagrada,
Bem sei que trazeis nenhum dinheiro,

Mas ide além. Ali há uma pousada…
Talvez aí se arranje, algum cantinho…
Ainda não está cheia, inda há lugar…

Pois ide lá com Deus; ide tentar…
É aí na curva do caminho,
Bem perto. É a dois passos de Belém;
Aí na estrada de Jerusalém.

É que, por causa de recenseamento,
Muita gente procura alojamento.
E os judeus trataram de arranjar
Hotéis, Pensões… tudo para ganhar
Dinheiro (é evidente…)
Mas essa gente aí não é má gente.
De certo que vos hão-de receber…
Pois é gente de bem.
Ide até lá! Ide com DEUS, bater
À porta da POUSADA DE BELÉM!






Continua...4º ACTO - A POUSADA

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2 comentários:

  1. Que o seu Natal seja cheio de paz e harmonia
    em companhia dos amigos e da família.
    Que a passagem deste ano
    renove e revigore
    em todos nós a esperança
    de saúde,
    prosperidade,
    bem estar
    e felicidade.
    Boas Festas

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  2. João Paulo, obrigado!

    Quando entrei neste auto de Natal tinha 11 anos. Que bom foi recordar o auto que grande parte eu a tenho na memória – a minha entrada na peça, segundo acto, feira da ladra.
    Depois de ter lido estes 3 actos, noto agora a influência que o nosso tão querido Padre, José Correia da Cunha, teve em mim e, acima de tudo, na minha poesia. Afinal, além do meu pai fico a dever ao Padre Cunha a minha forma de escrever poesia.
    Que homem tão extraordinário era este nosso Pároco. Que saudade, meu Deus.
    Tu ficaste com este tesouro escrito. Eu memorizei grande parte. Por favor manda-me em Word o auto para o dar a conhecer no meu blog.
    Se tivesse saúde tentaria contigo e com outros amigos levar mais alto este Auto de Natal. Muitos que o representaram estão vivos.
    Mesmo que não o envies, fico à espera dos restantes actos.
    UM abraço e desculpa não participar como queria, estou pior da PK
    Rogério Martins Simões

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