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“Aqueles que passam por nós,
não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós!”
Antoine de Saint-Exupéry
Com
seis anos de idade, comecei a frequentar a Catequese na Igreja Paroquial de São
Vicente de Fora. Gostava de aprender. Achava o ensino da Doutrina Cristã
fascinante.
Nos
inícios das minhas andanças pelos enormes claustros do secular Mosteiro,
aconteceu algo que marcou profundamente a minha vida: o encontro com um homem
muito alto e de majestosa aparência, com uma face doce. O seu cabelo claro, num
rosto altivo e sereno, boca e nariz perfeitos; a barba não muito abundante da
cor do cabelo e os olhos de cor azul clara inspiravam respeito e amor.
Esta
é a descrição que encontro para traçar a singular figura do Revdº Josep Mitchel,
coadjutor à época do Padre José Correia da Cunha.
Este
Arquimandista da Igreja Ortodoxa despertou em mim uma forte ansiedade e
deslumbramento, pois ele representava a imagem fiel da figura de Jesus que o
meu catecismo registava.
Respirava
bondade, humildade e possuía um ar bonacheirão… Mais tarde, vim a descobrir que
o seu desígnio era servir o altar e os irmãos. Servir no mais alto sentido da
expressão. O regresso às fontes da simplicidade era um desejo forte e uma forma
de construir à sua volta, e de todos os homens, um ambiente de amor fraterno e
de paz, independente de serem cristãos, agnósticos, católicos, ortodoxos ou
não.
O
seu amável sorriso, a sua ampla tolerância e o seu encantador espírito exerciam
sobre as pequenas crianças uma magnética atracção.
Sabíamos
que à semelhança do Padre Correia da Cunha, que o acolhera na sua paróquia, não
escolhia os amigos pela fieira das suas crenças. Os homens autênticos são
aqueles que se deixam mover pela sinceridade, honestidade e sabem construir o
binómio de uma vida plenamente vivida sobre o signo da liberdade e da fraterna
convivência.
Lembro-me
de o Revdº Josep Mitchel acolher em São Vicente de Fora imensos grupos de
amigos das mais longínquas proveniências e diferenças confessionais: baptistas,
anglicanos, luteranos, budistas, muçulmanos…
Para
além de ser um poliglota, falando correctamente mais de dez línguas, celebrava
a Eucaristia nos mais diversos ritos: Litúrgicos latinos e litúrgicos orientais
e o mais universal dos ritos a celebração da missa tridentina (latim).
As
suas palavras de bondade eram dirigidas para todos sem distinção assim como a
sua bênção de paz e compreensão.
O
Revdº Josep Michel encontrava-se em Lisboa a estudar na Escola Superior de
Medicina Veterinária, onde concluíra o seu doutoramento.
Tinha
uma vida austera, mas sempre tinha uma pequena guloseima ou um chocolate para
dar às crianças que o procuravam. Notava-se que tinha imensa alegria em dar às
crianças esses singelos presentes. Vivia com um total desprendimento dos bens
materiais deste mundo. O seu coração era verdadeiramente livre, abria-o de par
em par a todos os que iam ao seu encontro.
Creio
que só o Padre Correia da Cunha poderia acolher este grande ser humano pelo
respeito que lhe merecia e a dignidade do seu irmão. Uma comunidade cristã tem
em Jesus Cristo o identificador. É Ele quem une todos num só corpo. O Padre
Correia da Cunha cultivava o espírito do ecumenismo e era no amor que praticava
a humildade e a abertura para o diferente.
(Foto: Padre Correia
da Cunha, Rev. Josép Mitchel, Pe. José Maria de Freitas e João Perestrello,
Pe.)
Estes
dois homens tinham um desejo sincero e comum: a Paz entre todas as comunidades
cristãs, assim como a sede da verdadeira liberdade, o respeito por todas as
práticas religiosas e uma dedicação pelos humildes que procuravam a substância
viva da sua consciência.
Partilhavam
as mesmas raízes do cristianismo, dos mártires e resistentes das catacumbas, e
tudo quanto desejavam, como já referi, era unir os homens de boa vontade à
volta da mesa comum da fraternidade.
Durante
os longos anos que esteve ao serviço da Comunidade Paroquial de São Vicente de
Fora, o Revdº Josep Mitchel honrou a si próprio prestigiou a Igreja que serviu e
deixou uma vasta legião de discípulos que nunca o irão esquecer.
Com
a sua partida, todos ficámos mais pobres, mas o seu exemplo de vida cristã
frutificou em muitos jovens, que ainda hoje o recordam com profunda saudade,
admiração e respeito.
Lamento
que não conheça mais da sua biografia. As últimas notícias sobre este Arquimandista
foram transmitidas por António Melo e Faro, aquando do encontro com ele, nos
anos noventa, na cidade de Londres, onde desempenhava funções de membro da
Reitoria da Universidade de Oxford.
Ficaria
radiante se recebesse notícias deste Homem Autêntico, que hoje aqui quis
recordar e que serviu com muita dignidade, humildade, verdade e concórdia o povo
de São Vicente de Fora.
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