quinta-feira, 26 de março de 2009

PE CORREIA DA CUNHA E A "PROFISSÃO DA MISÉRIA’’

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A «pobreza envergonhada» sofre de alma apertada.




A Igreja Paroquial de São Vicente de Fora estava localizada num zona privilegiada do centro urbano de Lisboa. Era também um local com história, lugar de abrigo e de paragem de muitos pobres oriundos da província, nos anos cinquenta e sessenta. O ponto obrigatório dessa rota era a Estação de Santa Apolónia. Muitos pedintes subiam à Igreja Paroquial de São Vicente de Fora para se socorrem da caridade cristã.



Pe. Correia da Cunha era diariamente interpelado e solicitado por estes novos desgraçados da cidade, com vidas de dor e sofrimento, sem eira nem beira, procedendo à entrega de roupa através do roupeiro da Conferência de São Vicente de Paulo e convidando-os a almoçarem.



Sob o seu comando, lá se deslocava com esses seus irmãos para o Campo de Santa Clara. Na casa de pasto do seu amigo Salgado e sua esposa Glória Salgado, Pe. Cunha transmitia a seguinte ordem:



- Podem comer tudo o que quiserem, mas começando com uma boa sopa e no tocante à bebida apenas um copo de vinho (penalty), sem direito a repetição.



Quando regressava do seu almoço diário, com a direcção das OGFE, encarregava-se de proceder à liquidação das refeições desses seus convidados, para quem o mundo era tão injusto, e evitava sempre a entrega de numerário por não saber o fim a que se destinava.


Recordo que um dia um casal de meia-idade se dirigiu ao Cartório Paroquial de São Vicente de Fora rogando a caridade de Pe. Correia da Cunha, com a seguinte história:

- Eram de uma pequena aldeia junto de Braga. Tinham vindo para Lisboa à procura de melhor vida. O dinheiro que tinham amealhado para esta aventura, com tanto sacrifício, esforço e dor já se tinha acabado e perante a frustração da grande cidade, desejavam regressar à sua terra natal, onde por certo viveriam melhor. A sua grande aflição era que não tinham dinheiro para o fazerem.

Pe. Correia da Cunha, deveras sensibilizado com tão lamentável situação, pediu que aguardassem que ele celebrasse a missa da tarde e depois cuidaria das suas necessidades.

Assim, depois das 19 horas pediu ao casal que nos (a mim e a ele) acompanhassem e lá nos dirigimos para a Estação de Santa Apolónia. Pelo caminho, Pe. Cunha perguntava ao casal qual a estação de comboio mais próxima da sua terra de origem, ao qual eles responderam prontamente.

Eu, que os acompanhava, não sabia onde seria a invasão. Dentro de algum tempo estávamos nas bilheteiras da Estação de Santa Apolónia, onde Pe. Correia da Cunha procedeu à aquisição de dois bilhetes para o destino indicado pelo casal.





Quando se preparava para lhes abonar os referidos bilhetes, transmitiram a Pe. Correia da Cunha que era mentira e não desejavam regressar à sua origem. Pe. Cunha, que na outra mão tinha escondida uma nota de cinquenta escudos para lhes proporcionar o jantar e alguma outra despesa, ficou furioso.



Perante esta nova informação e completamente decepcionado, Pe. Correia da Cunha agarrou no indivíduo pelas golas do casaco e disse-lhe com toda a frontalidade:

- Seu pulha, ganhe vergonha nessa cara e deixe de enganar as pessoas! Há quem seja realmente necessitado e precise de ajuda! Já pensou nisso seu safardanas?!

Por especial favor e delicadeza do funcionário da CP, foi possível reaver o dinheiro contra a entrega dos bilhetes, o que não era habitual nessa época.

- Isto é inconcebível e vergonhoso! Espero que, pelo menos, fique com problemas na consciência. Nunca devemos enganar a boa fé do nosso semelhante.



Na subida para São Vicente, Pe. Correia da Cunha confidenciava-me que tinha muito mais tristeza e pena dos que se escondem na vergonha de pedir ajuda ao seu próximo, e que não sabemos onde se encontram, e cujo a solidão os ataca sem remorsos sofrendo no oculto a sua dramática vida… do que daqueles que fazem profissão da sua miséria…
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segunda-feira, 23 de março de 2009

PE. CUNHA - O VOTO DO PRIMEIRO REI

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D. AFONSO I - PAINEL AZULEJOS  SALA PORTARIA S.VICENTE DE FORA

TEMPLUM SANCTI VICENTI MARTYRIS




No seguimento à publicação do primeiro texto da autoria do Pe. Correia da Cunha, denominado Lisboa Antiga, é chegada a hora de proceder à edição do segundo, intitulado O VOTO DO PRIMEIRO REI DE PORTUGAL.

Conforme foi referido, os seus originais estão redigidos em língua francesa. Só graças à prestável e amável colaboração da Drª. Maria Luísa Trincão de Paiva Boléo é possível tornar visíveis estes textos inéditos na língua de Camões.



Em Junho de 1147, o Rei D. Afonso Henriques cerca Lisboa dos árabes que se circunscrevia ao actual Castelo. Os cruzados ingleses, gascões e bretões colocam-se a oeste do Castelo, numa colina que deveria ser o Monte dos Mártires; os Flamengos e os de Colónia a leste no actual Campo de São Vicente e os Portugueses instalam-se um pouco mais a norte, junto dos Alemães, no local onde se encontra hoje a Graça. Perante os prelados do Porto e de Braga, ali presentes, o rei faz o voto de construir, depois da vitória, dois templos à glória dos cavaleiros mortos pela Fé e pela Nação Portuguesa.


O cerco de Lisboa durou quatro meses, a 24 de Outubro de 1147, o primeiro rei português, a quem os mouros chamavam IBN ERIC tomava o Castelo e dava logo execução ao seu voto. A capela dos Mártires foi construída na colina ocidental e desapareceu com o terramoto de 1755, a leste, foram erguidos a igreja e o mosteiro de São Vicente. No Sec. XVI foi descoberta uma pedra com uma inscrição latina, a qual consideradas as diferenças entre os calendários juliano e gregoriano – fixa em 21 de Novembro de 1147 a consagração:








HOC TEMPLUM AEDIFICAVIT REX PORTGALIAE
ALPHONSUS I IN HONOREM BEATAE VIRGINIS ET
SANCTI VICENTI MARTYRIS X CALEND
DECEMBRIS SUB ERA MCXXXV…





A igreja e o mosteiro situavam-se, pois, no exterior das muralhas árabes: daí a designação de São Vicente de Fora que persistiu até aos nossos dias. A designação também lhe deve vir do facto da paróquia desde o início estar fora da jurisdição episcopal.

O primeiro administrador do minúsculo templo de São Vicente que, a pouco e pouco, se construía sobre a parte oriental do cemitério dos cruzados vitoriosos, foi um alemão chamado D. Vivario, enquanto D. Gilberto, cruzado inglês era Bispo de Lisboa desde a conquista. O primeiro abade do mosteiro foi um flamengo, D.Gualtero, vindo da abadia Premonstratense, na Picardia, da Ordem de Stº Agostinho à qual o Rei D. Afonso Henriques tinha confiado o mosteiro.

Os Agostinhos ficaram em S.Vicente até ao Sec. XVIII, ocasião em que D. José I transferiu a ordem para o Convento de Mafra.











O primeiro edifício parecia-se mais com uma fortaleza do que com um templo. Embora os reis da primeira dinastia o tenham contemplado sempre com benefícios e D. João III tivesse ordenado obras de uma certa amplitude, S.Vicente estava em estado bastante deplorável na época de D. Sebastião.

Talvez por Portugal se ter voltado para ‘’novos mundos…’’.
D. Sebastião alimentava simultaneamente uma dedicação profunda á igreja e ao convento fundados pelo primeiro Rei Português e uma devoção muito particular ao seu santo patrono, o mártir S. Sebastião, invocado contra a peste.


Esse flagelo dizimava Lisboa em 1569: o rei fez então o voto de construir um templo importante em honra de S. Sebastião. Mas, terminada a peste, tardou em escolher o local para o novo templo até resolver que este fosse erguido no Terreiro do Paço, a actual Praça do Comércio: a primeira pedra foi colocada em 1571. Em 1573, quando o rei embarcou para a África do Norte, as obras estavam ainda muito atrasadas, a derrota de Alcácer-Quibir, em 1578, tendo como resultado a anexação de Portugal pela Espanha, interrompeu definitivamente a construção.

Atribui-se a D. Sebastião o projecto de uma completa reedificação de S.Vicente. Quem a havia de realizar, seria o ‘’usurpador ‘’ Filipe II de Espanha: interessava-lhe tanto agradar aos habitantes de Lisboa que, logicamente não o tinham em grande apreço como manifestar todo o esplendor do seu poder. A ordem real chegou de Madrid a 16 de Novembro de 1590 e os trabalhos começaram, embora com alguma lentidão: desmancharam-se primeiro as construções medievais, nos fundamentos das quais foi encontrada a pedra com a inscrição latina (actualmente perdida), foram utilizados os materiais utilizados ou previstos para a igreja de S. Sebastião iniciada no Terreiro do Paço.



O arquitecto designado por Filipe II era um bolonhês, Filippo Terzi, que vivia em Portugal desde 1577. Tinha tomado parte na batalha de Alcácer Quibir, entre as fileiras do exército português, fora ferido, feito prisioneiro e depois da intercessão a seu favor do Cardeal D. Henrique, fugiu de Marrocos, regressando a Portugal.


Em 1590, foi nomeado ‘’mestre das obras reais e encarregado da reconstrução de S.Vicente, na qual deve ter trabalhado juntamente com vários discípulos, pois os dois planos de reedificação que se conhecem são assinados pelo arquitecto português João Nunes Tinoco.


É provável que os trabalhos não tenham atingido grandes proporções senão por volta de 1598-99, apesar de Filipe II ter vindo a Lisboa inaugurar os fundamentos do novo mosteiro a 15 de Agosto de 1582.

Felipe Terzi, artista famoso, morreu em 1599, sucedendo-lhe Leonardo Turriano. Os verdadeiros arquitectos foram, pois, Turriano, Tinoco (que já trabalhavam na obra) e Baltazar Álvares, o autor do projecto da igreja de S. Sebastião do Terreiro do Paço. O plano original de Terzi, concebido num estilo Renascença muito italianizado, foi parcialmente alterado para adaptação aos materiais destinados inicialmente á Igreja de S.Sebastião.

As obras prosseguiram durante todo o início do Sec. XVII, ou seja, durante quase cinquenta anos. Metade da Igreja estava construída em 1605 e pôde-se assim transportar a custódia da igreja antiga para o altar-mor da nova.


A inauguração teve lugar a 28 de Agosto de 1629, festa de Santo Agostinho.


Quanto ao mosteiro, as obras continuaram ao longo desse século e até princípio do Sec. XVIII. O imponente conjunto só devia ter sido completamente acabado há poucas décadas quando o terramoto de 1755 fez desabar a cúpula, uma parte da fachada e a ala sul do transepto, provocando, além disso, prejuízos consideráveis em quase todo o templo (1), o que exigiu longos trabalhos de reconstrução: de facto, só foram mais ou menos poupadas a Capela-Mor e as salas contíguas.


(1) – Toda a igreja ‘’ se pôs a dançar como fazem os barcos em cima das ondas’’, diz um manuscrito da época.

S. Vicente de Fora é, pois, um monumento do Sec. XVI, animado pelo espírito clássico.
Pela majestade da sua arquitectura é - mais ainda do que a Sé Catedral – o edifício religioso mais importante de Lisboa. Entre, os historiadores da Renascença Portuguesa, Albrecht Haupt coloca-o entre as mais relevantes construções do país, ou mesmo da Europa, e Walter Watson comenta que o interior da igreja produz uma magnífica sensação de esplendor e grandeza, constituindo um dos templos clássicos mais maravilhosos que existem.

A fachada e as duas torres de calcário, extraído das pedreiras de Alcântara e do próprio local de S. Vicente dominam – frente a encosta do Castelo – a cidade antiga e o estuário do Tejo.


Texto de Pe. José Correia da Cunha


























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sexta-feira, 20 de março de 2009

ALA DOS AMIGOS DE PE. CORREIA DA CUNHA

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Os amigos que partiram…
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IN MEMORIAM

ANA AUGUSTA MARIA THEMUDO BARATA



1922-1982





Ana Augusta Maria Themudo Barata (1922-1982), natural de Aveiro, nasceu no dia 6 de Fevereiro de 1922.


Grande mestra e educadora de infância e adolescência na Comunidade de São Vicente de Fora, Anita Themudo Barata foi uma excelente catequista. Dotada com os dons da fé e de serviço aos outros que Deus lhe conferiu, e que tão sabiamente soube trabalhar e desenvolver, Anita deixou um grande legado. Este fala, por si, através dos tempos e gerações que com ela conviveram e aprenderam a servir a Igreja. Testemunho convictamente que Anita, em vida, muito se empenhou na vivência e transmissão destas suas excepcionais e nobres qualidades. Foi uma grande mulher de Deus e do serviço à catequese.


Quando a conheci admirava a sua sobriedade, o seu jeito tranquilo, passando boa parte da minha adolescência e juventude compartilhando, com enorme prazer e apanágio, a sua convivência. É lembrando os bons frutos que plantou em mim e em milhares de crianças e adolescentes, da Paróquia de São Vicente de Fora, que em nome de todos quero prestar esta singela homenagem a essa brilhante educadora da fé cristã.

Tenho uma doce lembrança que nunca se apagará da minha memória. Em 1970, sendo a Anita presidente da Catequese Paroquial de São Vicente de Fora e tendo eu apenas quinze anos, manifestei-lhe o meu profundo desejo de ser catequista. Com muita ternura, amor e carinho, disse-me que iria fazer eco dessa minha vontade junto de Pe. Correia da Cunha.


Dias depois, Anita contagiava-me com o seu sorriso. Senti um aperto e ela rompeu o silêncio para me transmitir que seria catequista do pré-catecismo no próximo ano catequístico. Que noticia mais feliz! Com as suas ajudas, incentivos e ensinamentos elegi essa minha vocação durante mais de 25 anos ao serviço da Comunidade de São Vicente de Fora. Lembro que apenas com quinze anos, Pe. Correia da Cunha reconhecia que a minha postura e pensamentos eram já muito amadurecidos para essa nova missão que me confiavam.


Anita Themudo Barata nunca iniciava uma sessão de catequese ou de trabalho sem passar, antes e depois, pela Capela do Santíssimo a pedir a Luz de Deus e dar-lhe Graças.


Como membro do Conselho Paroquial, Anita foi um exemplo de dignidade nos ensinamentos, conversas e gestos que apresentava para a defesa da união e construção de uma comunidade mais fraterna, humana e solidária sobretudo com a infância e adolescência, que à época alguma enfrentava muitas privações.


No final da década de 60 foi a primeira funcionária nomeada da Universidade Católica Portuguesa, cuja biblioteca fundou ainda no edifício do Mosteiro de São Vicente de Fora e que mais tarde ajudou a transitar para as instalações da Universidade Católica Portuguesa, na Calçada da Palma de Baixo, onde posteriormente se responsabilizou pela mesma. Trabalhou a partir de 1980 no Patriarcado de Lisboa onde foi assessora da Conferência Episcopal Portuguesa.

Não posso deixar de publicar estas suaves e doces palavras de ANITA THEMUDO BARATA.




… E O MUNDO PODE MUDAR!



Às vezes basta um sorriso,
um simples gesto, um olhar,
um pouquinho de ternura…
e o mundo pode mudar!

Às vezes saber ouvir,
estar atento, dialogar,
um pouco de compreensão,
e o mundo pode mudar!

Às vezes darmos a mão
e sabermos perdoar,
um pouco de confiança,
e o mundo pode mudar!

Às vezes sermos capazes,
de em nós tudo calar,
para ouvir o coração…
e o mundo pode mudar!

Às vezes saber agir,
quando apetece parar,
pondo em tudo harmonia,
e o mundo pode mudar!

Às vezes erguer as mãos,
quando é preciso rezar,
sabermos dizer o ‘’sim’’…
e o mundo pode mudar!




No dia 27 de Janeiro de 1982, foi repousar na Glória de Deus. Hoje é um anjo no céu, olhando por todos nós que fomos seus dedicados amigos e que partilhámos, com ela e seu amigo e Pastor Padre Correia da Cunha, tão gratificantes e fraterno momentos de partilha cristã na Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora.
São Vicente de Fora guarda-a em seu coração! Deixou em todos muitas e profundas
Saudades.


E não podemos nunca esquecer as suas últimas palavras antes de partir para o Pai:

- SINTO-ME COMO UMA BARCA QUE PARTE PARA A OUTRA MARGEM!


O SENHOR JÁ RECEBEU NA SUA GLÓRIA ESTA NOSSA QUERIDA IRMÃ.









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quinta-feira, 19 de março de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA E A 1ª COMUNHÃO

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O VERDADEIRO AMOR É UMA DÁDIVA DE DEUS. O AMOR NÃO SE DEFINE, SENTE-SE.




Bem doutrinados ao longo de três anos de catequese, chegava o tão esperado Dia da Primeira Comunhão. Dia de grande Festa! Aquela quinta-feira santa era importante para todos. Não só se celebrava a primeira comunhão como se comemorava a primeira missa, repetição da Última Ceia em que Jesus instituiu este sacramento.

O Padre Correia da Cunha escolhia sempre esta data para esse grandioso evento na Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora.


A cerimónia ocorria durante a parte da tarde, na Igreja Paroquial de São Vicente de Fora, completamente lotada, em tempo de semana santa. A doutrina estava bem sabida, sem falhas. O Padre Correia da Cunha, que a todos dedicava um grande afecto, queria-nos distinguir naquele dia, preparando-nos uma pequena oração para lermos durante a oração universal.


Muito cedo chegávamos à igreja com os nossos fatos brancos, sapatos novos e as meninas nos seus vestidos alvos, parecendo umas autênticas noivas. Alinhados à direita e à esquerda do altar, ao longo da nave, os avós, os pais, os tios e os primos tinham os olhos postos nas princesas e príncipes desta grande festa.



Começava a bonita cerimónia e a festa lá ia decorrendo em harmonia com os ritos, e em esplêndido cerimonial. Antes do importante discurso e de recebermos pela primeira vez o Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo, o Padre Correia da Cunha ajoelhava-se diante de 12 dos seus pobres e começava a lavar-lhes os pés, numa atitude de humilhação, fragilidade, súplica e submissão.



"Jesus pegou uma toalha e cingiu-se com ela. Depois colocou água numa bacia, e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido"(Jo 13, 4-5).


Em todas estas festas da semana santa eram habitualmente escutados extensos sermões de Padre Correia da Cunha, autênticas peças admiráveis da oratória sagrada e que o povo, em respeitoso silêncio, ouvia com muito agrado. Estas eram as maiores oportunidades que o povo tinha de ouvir o seu estimado pároco.





  






Grande especialista em Liturgia da Semana Santa,  o Padre Correia da Cunha buscava um equilíbrio entre Ritos, procurando dessa forma que o mistério perene da Salvação fosse celebrado com muita dignidade e postura. Aproveitava as celebrações da Semana Santa, cuja participação da comunidade era muito considerável, como força impulsora a da sua evangelização nesses tempos fortes.

Finalmente chegava a temida hora do discurso. Subíamos então ao alto de um banco, transformado em púlpito, e fazia-se um silêncio profundo. Numas vozitas trémulas e receosas, os discursos começavam empolados em estilo de retórica sacra.


Para todos, aquelas palavras assumiam desde logo o aspecto de um "importante" discurso pois eram ditas no decurso de uma relevante cerimónia.


O cerimonial da Quinta-Feira-Semana era muito longo e lembro-me da imensa paciência para guardar o rigoroso jejum, como era de regra antes do Concílio Vaticano II. Nessa altura, comer fosse o que fosse, antes de receber a Sagrada Comunhão, era considerado pecado.





PADRE CORREIA DA CUNHA, ACOL. REIS E VALENTINA





Em fila indiana lá nos dirigíamos ao altar para receber, naquela divina hora, o pão e o vinho (para o Padre Correia da Cunha a comunhão era sempre nas duas espécies). Quando os tomávamos, sentíamos descer o bálsamo inspirador do próprio Espírito Santo que enchia, de um amor muito profundo, o nosso coração. E em profundo recolhimento agradecíamos:

- Obrigado, Jesus, por teres querido fazer do meu coração a casa onde Tu queres habitar. Eu gosto de receber-te, Jesus.


Entretanto, nos Claustros da Paróquia, havia uma grande azáfama. Era dia de grande festança e preparavam-se por ali várias qualidades de doces, saborosas sandes e não era esquecido o delicioso leite com chocolate.O  Padre Correia da Cunha gostava de proporcionar a todas estas crianças um excelente lanche que comiam lambareiramente num grande ambiente de convívio e de muita alegria fraterna.


Eram assim os dias da Primeira Comunhão nos anos sessenta, que todos revivemos com uma imensa saudade.


Também eu sinto nostalgia desse dia único. Gostaria que todos os que possuam crónicas e fotos do seu dia de Primeira Comunhão, com o Padre Correia da Cunha, as divulgassem através deste blogue. Seria muito reconfortante para todos revisitarem esses doces momentos.

No próximo texto deste blogue irei prestar uma singela homenagem à nossa querida ANA THEMUDO BARATA (ANITA), presidente da Catequese Paroquial de São Vicente de Fora, desde finais dos anos sessenta até inícios dos anos oitenta e com quem tive o privilégio de trabalhar em perfeita simultaneidade como representante da Comunidade de Catequista, junto da Vigararia I do Patriarcado de Lisboa. 

Recordo com muita saudade esta querida amiga.

















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segunda-feira, 16 de março de 2009

PE CUNHA E O SACRAMENTO DO MATRIMÓNIO

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‘’ Eles já não são dois mas um só…’’



Um casamento era sempre uma grande e jubilosa notícia numa Comunidade Paroquial como a de São Vicente de Fora. Era um verdadeiro acontecimento de emoções. Ouviam-se os sinos da Igreja tocarem. Que alegria! Era um dia festivo para os noivos e uma oportunidade de reencontros tantas vezes adiados para os convidados. O casamento da Guida, responsável pelo Cartório Paroquial de São Vicente de Fora nos anos sessenta, valoriza imenso a colecção autêntica deste blogue, não só pela representatividade do acto mas pela excelência que este registo encerra.



A Guida marcou muitos dos paroquianos de São Vicente de Fora pela sua brilhante dedicação ao serviço da Comunidade Paroquial. Era aquela amiga que sempre tinha um brilho nos olhos e um sorriso na boca para contagiar as pessoas que a envolviam. Ela encontrava-se totalmente disponível para ajudar e apoiar os que dela precisavam. A sua postura era de uma elevada sensibilidade e possuidora das mais refinadas e caridosas emoções.

O tempo completa as nossas memórias a um ritmo constantemente imparável. Sempre na sua evolução, hábitos se alteraram, comportamentos se modificaram e até formas de apresentação em sociedade se actualizaram. No entanto, há uns quantos eventos sociais em que os princípios vão teimosamente perdurando inalteráveis no tempo, independentemente das evoluções naturais que sempre as transições geracionais produzem socialmente. É o caso dos casamentos canónicos, onde noivos e convidados sempre se fazem mostrar com o que de melhor têm no guarda-roupa para estas ocasiões solenes.

E nesse já longínquo ano de 1966, a regra se acatava, podendo-se ver nesta foto os nossos saudosos e queridos amigos: Anita Themudo Barata e Carlos Barradas, todos aperaltados com todo o imprescindível rigor cerimonioso.


O casamento da Guida, presidido pelo seu grande amigo Pe Correia da Cunha, será o primeiro a publicar neste blogue. É nos casamentos que acontecem os grandes encontros familiares e de uma forma geral, a reunião das pessoas consideradas mais chegadas por laços de amizade. Os catequistas de São Vicente não fugiam a esta prática, fazendo parte integrante da família da formosa noiva.





Por tradição, todo o envolvimento é registado fotograficamente, mas há um momento sempre indispensável neste tipo de cerimónia: o retrato de grupo. Utilizando essa enorme possibilidade de podermos recordar, de uma forma mais abrangente, os casamentos de muitos amigos de Pe. Correia da Cunha e dos amigos de São Vicente de Fora de várias gerações, ocorreu-me a ideia de dirigir a todos estes, um aliciante desafio, o de contribuírem para a publicação, aqui no blogue de Pe. Correia da Cunha, com esses testemunhos tão especiais para todos os que amam São Vicente de Fora desde a sua infância e ali fizeram questão de celebrar esse importante e memorável evento. Aguardo as vossas contribuições.


A Guida foi viver com o seu marido para o Alentejo, pelo que após a sua partida se sentiu muito a sua falta e uma enorme saudade. Mas nem a distância cessou essa enorme amizade. Pe. Correia da Cunha, quando organizava viagens com os seus paroquianos e catequistas às sublimes vilas e cidades deste nosso belo Alentejo, lançava sempre o desafio à Guida e família para se encontrarem com os seus antigos e fiéis amigos da Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora. A ideia era, acima de tudo, compartilharem recordações comuns porque a amizade nunca acaba mesmo que o espaço nos possa separar.

Mesmo que as pessoas reorganizem as suas vidas, os amigos devem ser amigos para sempre, e era sempre um enorme prazer e felicidade partilhar as memórias de São Vicente de Fora, com a Guida, quando Pe. Correia da Cunha era seu prior.



PORQUE A AMIZADE NÃO SE EXPLICA ELA SIMPLESMENTE ACONTECE!!!!







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sábado, 14 de março de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA - LISBOA ANTIGA

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’LISBOA TEM A BELEZA NOSTÁLGICA E ALTIVA...’’





Como sabemos, o Padre Correia da Cunha (1917-1977) nasceu na freguesia de Arroios em Lisboa. O Padre Correia da Cunha era um alfacinha da gema, admirava e mantinha uma grande paixão pela sua cidade. Era um grande e obstinado AMIGO DE LISBOA.

É chegado o momento de publicar três textos da autoria de Padre José Correia da Cunha sobre:

- LISBOA ANTIGA
- O VOTO DO PRIMEIRO REI DE PORTUGAL
- A NOSSA IGREJA



Os seus originais estão redigidos em língua francesa. Só graças à prestável e amável colaboração da Drª. Maria Luísa Trincão de Paiva Boléo, é possível tornar visíveis estes textos inéditos na língua de Camões.










Entre as grandes cidades da Europa mais sedutoras, para quem as descobre, Lisboa ergue-se na extremidade ocidental do continente, atlântica e mediterrânica, sentada diante do seu estuário, toda cor-de-rosa e salpicada de campanários brancos, misturando os seus bairros bem alinhados do Sec. XVIII, ou modernos, com aqueles que foram poupados pelo terramoto de 1755, como o ruidoso labirinto de Alfama.

Lisboa tem a beleza nostálgica e altiva que se respira perpétuamente nos fados duma cidade com a história à flor da pele.

E tem uma história complexa e movimentada. A ocupação deste local privilegiado na margem direita do Tejo perde-se na noite dos tempos. Os Fenícios e os Cartagineses precederam quatro longos séculos de dominação romana. No século I A.C., Lisboa é um município. No Séc. V começam as invasões inicialmente vindas do Norte: os Álamos, depois os Suevos, depois ainda os Visigodos, misturam-se com a população local, já de diversas origens, que ocupa a colina do Castelo e as numerosas casas que a rodeiam. A partir de 714, o invasor vem do Sul: a dominação muçulmana dura mais ou menos tanto tempo como a romana. Os cristãos do Reino de Leão e os Mouros sucedem-se à volta do Castelo, ora assaltantes ora cercados, até Lisboa cair definitivamente nas mãos do primeiro Rei Português, D. Afonso Henriques, em 1147.



Começa então um desenvolvimento rápido que transborda das muralhas mouriscas, nascem novos bairros à volta dos edifícios religiosos espalhados pelos vales e colinas circunvizinhas. No fim do Séc. XIV, o Rei D. Fernando faz rodear a cidade agora capital do reino de Portugal com novas fortificações.


O Séc. XV, D. João I e o Infante D. Henrique tornam Lisboa senhora de mares até então desconhecida. O caminho para as Índias conquista-lhe a sua hora de maior glória: a Lisboa da Renascença, da exuberante decoração manuelina, que se pode admirar no Mosteiro dos Jerónimos e na Torre de Belém, e que se torna num dos centos cosmopolitas mais famosos da Europa… de tal modo que nem a opulenta Veneza resiste a tal competição…









Competição talvez exageradamente eufórica: o último quartel do Séc. XVI apresenta-se como o reverso dessa idade de ouro. A derrota de Alcântara reúne Portugal à coroa de Espanha, até à Revolução de 1640, que abre Lisboa para um Séc. XVII florescente.

Mas, em 1755, um terramoto destrói toda a parte baixa da cidade e causa graves prejuízos noutros edifícios – a cúpula da Igreja de S. Vicente de Fora desmorona-se.

O labirinto das ruas medievais é em muitos casos substituído pela geométrica baixa do Marquês de Pombal. Desde então, Lisboa não tem parado de crescer: bairros novos, porto, metropolitano, etc.…


A partir do rio chega-se à Igreja de S. Vicente de Fora pela Rua do Paraíso e deixando-se à direita a Feira da Ladra, desembocando-se pelo norte nos degraus da escadaria de S. Vicente de Fora.



Et toi, noble Lisbonne, qui dans le monde
Es facilement dês autres la princesse,
Bâtie que tu fus par l’homme éloquent
Dont la supercherie incendia la Dardanie
Toi à qui obéit la mer profonde,
Tu as obéi à la force portugaise,
Egalement appuyée par la flotte puissante
Qui dês régions boréales avait été expédiée…



Lusíadas III


Por Padre José Correia da Cunha



Próximo texto: - O VOTO DO PRIMEIRO REI DE PORTUGAL

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quarta-feira, 11 de março de 2009

PE CORREIA DA CUNHA E O OBJECTIVO

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‘’Construir uma Comunidade mais Justa, Fraterna e Humana. ‘’




O ano de 1971 é marcado pela agitação estudantil. As reivindicações dos jovens estudantes ficaram conhecidas em todo o país, onde a juventude reclamava pela liberdade e contra o fim da guerra


 Nesse ano dava-se início, na Paróquia de São Vicente de Fora, ao primeiro movimento no sentido de juntar todos os jovens da paróquia, criando-se o GRUPO DE JOVENS OBJECTIVO, com cerca de cinquenta elementos. Era função de qualquer cristão evangelizar e os jovens faziam-no com a sua forma de estar. Os jovens eram conhecidos pela sua irreverência, festividade e rebeldia. Assim de repente estas características podiam ser julgadas como más, mas quer queiramos, quer não os jovens eram assim.


Era a sua cultura, quase todos universitários, e a sua forma de estar que os levavam assumirem a defesa de nobres valores que há época eram reprimidos pelo regime.



O grupo de Jovens OBJECTIVO deixava assim um convite a cada jovem: seguir Jesus Cristo, não abdicando da sua energia para debater e defender os seus direitos e contribuir para a criação de uma sociedade mais livre, humana, fraterna e justa. Participavam na paróquia, ajudando a dinamização de acções de solidariedade para com os mais desfavorecidos. Lembro-me dos importantes cursos de alfabetização para adultos.

Como se compreenderá PE. CORREIA DA CUNHA tinha uma formação política um pouco conservadora, mas manifestava uma verdadeira tolerância activa e dialogante. Não se baseava na sua impotência ou na sua incapacidade para obrigar os jovens assumir as suas convicções mas respeitava, com alguma dificuldade, a autonomia de cada pessoa no domínio ideológico. Todo o ser humano pode adoptar a sua própria benignidade em fontes diferentes. O pluralismo de pensamento era uma oportunidade, um desafio ético e uma promessa da valorização do humanismo cristão.

Segundo a sabedoria juvenil da época, a Igreja devia contribuir com maior eficácia para ajudar a instaurar a justiça como ordem social e política, noutros termos a justiça era uma virtude pessoal que deveria incidir no bem da Comunidade, que implicava um empenho pessoal. Os jovens de São Vicente de Fora manifestavam o desejo sincero de colaborar, intervindo activamente em debates, com propostas que eram discutidas calorosamente, sentindo que a sua força e união constituiria uma força viva para levar por diante a transformação da sociedade num mundo melhor.

É obvio que Pe. Correia da Cunha ficava surpreendido com o teor destas discussões, manifestando, por vezes, a sua absoluta discordância e desejando uma evolução lenta, gradual que passasse pelo coração de cada um. Ele costumava afirmar que sabia bem o que era melhor para a Comunidade. Em público era determinado, firme e por vezes hostil. Em privado era afável e humilde na abordagem destas temáticas.






Confesso que o testemunho memorial sobre o passado deste importante Grupo de Jovens dos finais dos anos sessenta e inícios de setenta é para mim uma interpretação de reconstrução. Mas não pode ser de outra forma, a menos que me considerasse o dono da verdade absoluta. Escrever um testemunho sobre uma experiência que não vivi, na sua total profundidade, coloca-me uma série de filtros.



Sinceramente gostaria de ter sobre o Grupo de Jovens OBJECTIVO outras verdades. Seria bom que Rui Aço, Carlos Pereira, Zélia Nunes, Mila, Natália Oliveira e Pe. Ismael, ‘’líderes’’ do Grupo Objectivo, partilhassem com todos as suas experiências e leituras sobre esse passado.
Se o fizessem, ficaríamos muito felizes, veríamos certamente alguns nichos sagrados que associamos à nossa memória e que seriam relativizados.

É evidente que também poderiam contribuir com documentação sobre esses tempos tão importantes para a nossa formação de jovens na busca da fé. Deus continua a ter futuro nos Jovens.
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domingo, 8 de março de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA E OS LIVROS

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Grande parte das noites de Pe. Correia da Cunha eram passadas entre uns agradáveis jantares num ambiente de amenas cavaqueiras, na companhia dos seus amigos mais próximos. As noites decorriam sempre num ambiente de boa disposição e de animado convívio.


Mas quantas noites, ele me convidou para irmos jantar à baixa pombalina, ao célebre ‘’Atrium’’. Depois fazíamos longos passeios pelas ruas da Baixa e do Chiado, visitando as mais recentes novidades de livros nas históricas livrarias de Lisboa, locais privilegiados para o encontro com os mais recentes ‘’tesouros’’ literários.

Estas peregrinações, em que o acompanhava, eram uma festa aberta ao ar livre que convidavam a espreitar os livros expostos nas imensas livrarias. A entrada por essas catedrais fazer-se-ia no dia seguinte, caso se deixasse enamorar por algumas obras. Só a leitura das capas permitia-lhe fazer-me resumos e falar-me da riqueza do conteúdo dos exemplares expostos.






Pe. Correia da Cunha tinha uma grande paixão pelos livros. Se aceitarmos que a nossa casa espelha a nossa alma, a sua estava cheia de livros, diria mesmo revestida desses tesouros. Pe. Correia da Cunha gostava do calor e da familiaridade do seu escritório de trabalho, das estantes atravancadas de livros. Creio mesmo que cada livro tinha seu valor e uma história sentimental. O seu universo era os livros, as revistas de liturgia e teologia em várias línguas, os mais recentes contos, ensaios e crónicas…












A leitura era o seu mundo e onde se sentia rei e experimentava a felicidade, deixando-se levar por altas horas da madrugada. Passei muitas noites na sua companhia a ouvir predilecções e críticas literárias sobre os autores contemporâneos. Haviam bons e maus.


O seu gabinete de leitura era uma floresta de livros e tinha como pano de fundo o rio Tejo e a sua adorada cidade. Cheguei a ter a sensação que sobre o movimento das águas passavam livros.

A sua biblioteca, composta de muitos milhares de livros, tinha cheiros, memórias, ideias soltas … e sonhos de um homem que abraçava ambiciosamente todas as sabedorias.

Pe. Correia da Cunha era um assíduo frequentador do Grémio Literário, na Rua Ivens, no romântico Chiado, onde participava em lançamentos de livros, conferências sobre temática literária e recitais de música clássica…

Tenho na memória as prendas de Natal dos seus amigos, que o conheciam bem. Para Pe Correia da Cunha, os livros eram uma magia e uma essência de contentamento.

Pe. Correia da Cunha confessou-me que herdara do seu antecessor, Mons. Francisco Esteves, uma magnífica biblioteca composta de vários exemplares de primeiras edições, autografados pelos autores com dedicatórias. Naquela época já a tinha quintuplicado pois reconhecia-se como coleccionador de boas obras de história, filosofia, poesia e autores clássicos…não esquecendo os seus livros de liturgia dos mais variados Ritos. Dizia surpreendente: - Deixei que o acaso funcionasse de modo a que os livros, uns atrás dos outros, entrassem na minha vida.

A casa-museu de Pe. Correia da Cunha era um ponto de encontro cultural para quem amasse livros e até se respirava uma solidão alegre com uma elegante esperança…

Ouvi a Padre Correia da Cunha:

-Um país sem livros é um país sem futuro e não entendia porque razão os livros não faziam parte da vida quotidiana de todos os portugueses.
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quinta-feira, 5 de março de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA, CONSTRUTOR DE COMUNIDADE

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‘’Eu sou a videira; vós sois as varas. ‘’



O acolhimento carinhoso que o blogue Padre Correia da Cunha está a despertar, por parte de muito boa gente de São Vicente de Fora, leva-nos a agradecer a todos os que com carinho nos incentivam a manter viva a memória de Padre Correia da Cunha e esses espaços do Mosteiro de São Vicente de Fora, que mantemos no nosso coração para sempre como nossos.

Foi naqueles espaços que recebemos as nossas primeiras lições de vida que abrigamos no mais profundo nicho da nossa alma: a noção da Santa Liberdade dos Filhos de Deus, que ali nos foi transmitida pelo grande mestre Padre Correia da Cunha, um grande construtor de comunidade.


É com imensa pena que hoje constato o ostracismo cultural e de vivência cristã a que esse lugar e as suas gentes foram votados pelo poder eclesial, que colocaram em primeiro lugar a referência do interesse patrimonial em detrimento do humano.

Onde está a Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora?



Neste contexto, queremos realçar tudo o que for considerado importante sobre o ponto de vista de vivência cristã, cultural e humana, respeitante à Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora, dos saudosos anos em que os seus grandes e inesquecíveis pastores foram: Monsenhor Esteves e Padre Correia da Cunha.
Nunca devemos esquecer o passado, sobretudo para lembrar as coisas boas e evitar cometer as mesmas ou idênticas falhas.
Nunca nos podemos esquecer de todos aqueles que connosco se cruzaram e que, talvez, não tivessem merecido da nossa parte a melhor atenção.
Publico algumas fotografias de São Vicente de Fora onde aparecem alguns que já partiram, é importante recordá-los e, sobretudo, aprender que temos de tirar o maior proveito e alegria da oportunidade que nos foi e é dada de contactar, viver e conviver com tantos e tão bons amigos.





Há oito anos Rogério Simões, veemente apelava para a mobilização da Comunidade. Hoje assistimos ao encerramento da Igreja e desmobilização dos Amigos, que não queriam ser estranhos quando entrassem em S. Vicente de Fora.




Não há interesse nem empenho para abrir as portas aos actuais e antigos grupos de leigos, alunos do patronato, catequistas, meninos do coro ou acólitos, grupos corais e a tantos outros que, tal como nós, frequentaram e amaram profundamente S. Vicente de Fora.




Não vamos ouvir de novo o nosso canto. Mas a memória tem uma importância capital na construção e no cimentar da nossa identidade. Nada do que somos hoje, surgiu do nada. Há uma sucessão de acontecimentos e vivências que nos trouxeram até ao momento presente e que se mantém viva no coração de cada um de nós





Eis a palavra-chave que norteia este blogue de Padre José Correia da Cunha, Partilhar.
Partilhar é mais do que dar, é colocar em comum algo que é nosso, o que somos, o que sabemos, o que fazemos, o que pensamos…Partilhar é desprendermo-nos do nosso comodismo e irmos ao encontro do outro, criar laços.
Partilhar exige dedicação, tempo, disponibilidade, não só para estar mas também para permanecer.
Assim, espero que este sítio seja um ponto de encontro, onde todos possam colocar em comum partes dos agradáveis momentos de convívio e de crescimento, tanto humano como de cristãos empenhados EM CONSTRUIR COMUNIDADE, que chegou a ser o slogan do GRUPO DE JOVENS – OBJECTIVO, que iremos também um dia recordar.

Como referia Pe. Correia da Cunha, a Igreja é como um organismo vivo do qual os órgãos dirigentes formam parte e aos quais não lhes pode ser indiferente o estado do seu funcionamento. Todos somos importantes.

Contamos com a vossa preciosíssima colaboração.






Fotos cedidas gentilmente pelo Catequista Rogério Martins Simões.

terça-feira, 3 de março de 2009

PE CORREIA DA CUNHA E A TABERNA

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Taberna na Rua do Salvador

‘’ O alcoolismo é combatido pelo consumo do vinho. ‘’Bertillon


Como prior de uma paróquia de muita gente pobre e desalentada, Pe Correia da Cunha gostava imenso de visitar amiudadas vezes os doentes, aproveitando para lhes dirigir umas palavras de ânimo, consolo e presenteá-los com a Sagrada Comunhão. Este serviço, Pe Correia da Cunha encarava-o com uma superior perícia e caridade, e conseguindo muitas vezes por estes seus cuidados obter rápidas e recuperadoras melhoras. Colocava nesta sua missão excessivo empenho e delicadeza.

Pe Correia da Cunha saia da sua igreja em batina e junto ao peito um pequeno relicário, contendo as partículas sagradas e na sua mão esquerda uma pequena pasta com a estola, sobrepeliz e outras alfaias.


Ambiente de Taberna



Nestes tempos, Lisboa apresentava-se cheia de tabernas onde ao final do dia alguns trabalhadores bojudos e suados se vinham embebedar entre uns bons copos de vinho. Nessa época, esta calamidade contribuía para a elevação da raça portuguesa. É de todos conhecida a célebre frase: ‘’Beber vinho é dar Pão a um milhão de Portugueses. ‘’. O vinho era considerado a mais saudável e higiénicas das bebidas nacionais. O vinho criava comportamentos eufóricos e que resultavam por vezes em provocações ofensivas.







Um dia ao final da tarde, Padre Correia da Cunha, em sotaina, descia a Rua das Escolas Gerais em Alfama, na sua missão de visita aos seus doentes. Quando ao passar junto a uma taberna, um safardanas, em má hora, se lhe dirigiu com o seguinte comentário:

- Já perdi o dia…por ver um homem de saias…

O Padre Cunha da Cunha seguiu o seu destino em profunda compenetração e em espírito de oração, tendo apenas fixado o rosto do indivíduo. Após terminada a sua missão, junto dos doentes que o aguardavam, regressou à igreja, despiu a sua batina e em traje de fato e cabeção dirigiu-se à Taberna para se encontrar com o ingénuo provocador.

Abeirou-se da criatura, agarrou-a pelos colarinhos sebosos e levantando do chão, contra a uma parede, disse-lhe com toda a frontalidade e autoridade:

- Oh, seu safardanas nojento, sou tão Homem que sou capaz de lhe partir agora aqui as ventas…

Houve logo uma solidariedade absoluta em torno do Pe. Correia da Cunha e não faltaram então as repreensões e berros, por parte dos parceiros de copos do indivíduo, pela estupidez, ingratidão e vinhaça.

Um inexcedível e amigo dedicado de Padre Correia da Cunha, que ali se encontrava e que retirara essa rude personagem das mãos do Reverendo, obrigou-o a fazer um favor que não custaria nenhum sacrifício: pedir desculpas formais ao Padre Correia da Cunha. Este amigo comum considerava a sua provocação como uma grande e humilhante traição a todos e principalmente ao Senhor Padre Cunha que tanto contribuía para o bem comum da paróquia de São Vicente de Fora.

Taberna no Campo de Santa Clara

Mas beber um copo de três fazia parte da cultura popular, o Padre Correia da Cunha, inevitavelmente, teve de mandar vir e pagar uma rodada para todos os presentes, incluindo o insultuoso e lá saboreou com todos eles esse néctar dos deuses que à época era um alimento de primeira ordem.

Após este desarrufo e já num clima de grande amizade fraterna entre todos, os presentes na catedral do afamado vinho tinto nacional receberam uma lição de catequese relativa ao respeito que todos nós devemos merecer, independentemente das nossas crenças, bem como deveremos prezar o génio e a cultura de cada povo.

No final lá se retirou, deixando os odres no seu habitual cenário dando continuidade à grande tradição: ‘’ QUEM BEBER VINHO CONTRIBUI PARA O PÃO DE MAIS DE 1 MILHÃO DE PORTUGUESES’’

Padre Correia da Cunha era muito querido pelo seu apoio à população e obras de humanidade.














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