sexta-feira, 27 de novembro de 2009

PE. CORREIA DA CUNHA E O AUTO DE NATAL

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‘’LAUS DEO VIRGINIQUE MARIǢ’’




‘’A primeira representação deste AUTO DE NATAL, em 24 de Dezembro 1961, só foi possível graças ao entusiasmo do Povo da Freguesia de São Vicente de Fora e à valiosíssima colaboração de Catarina Avelar, na voz de Maria, de Álvaro Benamor, na de São José e de Luís Filipe que fez o papel do Narrador.

A Pedro Lemos se ficaram a dever as suas preciosas indicações de encenação e os ensaios dos restantes figurantes – gente do povo – e à Câmara Municipal de Lisboa o alto patrocínio com que secundou a iniciativa.

Bem Hajam!

Padre Correia da Cunha’’

Em 1962, Padre Correia da Cunha publicou o seu AUTO DO NATAL.

Passados 48 anos da sua primeira representação, será publicada ao longo da Caminhada do Avento 2009 esta magnífica obra de Padre Correia da Cunha.

As feiras da ladra foram substituídas pelas grandes catedrais do consumo e os arraiais populares pelas discotecas. Certamente, Padre Correia da Cunha se hoje escrevesse esta sua obra, a Feira seria substituída pelo centro comercial e o arraial pela boite.

Mas ontem, como hoje, precisamos de corrigir o nosso percurso de vida cristã: preparando o nosso coração pecador para acolher JESUS CRISTO!

E a melhor maneira de acolhermos Jesus Cristo é viver como ele nos ensinou, com a sua palavra e a sua vida.

Enquanto foi vivo, o Padre Correia da Cunha procurava proporcionar aos mais pobres da Paróquia um NATAL mais feliz, fazendo distribuir centenas de cabazes de Natal e algum dinheiro; gesto que tive o privilégio de presenciar, testemunhar e colaborar nessa sua gratificante iniciativa.

Como era possível deixar o rasto de Jesus Cristo Menino nos irmãos mais abandonados e desprotegidos, sendo a Paróquia tão carenciada de meios materiais?

Fazia parte da missão de Padre Correia da Cunha conviver positivamente com grupos de serviço à comunidade (Lyons), com a preocupação de suscitar gestos de partilha com esta comunidade de desprotegidos de São Vicente de Fora, assim como as imensas iniciativas de solidariedade que levava a efeito na Comunidade Paroquial, porque o Natal para Padre Correia da Cunha tinha que ser para todos.

Jesus Cristo veio ao mundo para todos…






AUTO DO NATAL


NARRADOR (Dirigindo-se a toda a Assembleia):

Senhoras e Senhores,
Operários ou doutores,
Velhinhos ou crianças,
Que andais nestas andanças
A que chamamos VIDA,
- Parai aí um pouco em vossa lida
E vinde meditar neste mistério
Tão repetido pelos séculos fora!...
(Seja dito sem ofensa ou vitupério
Da pobre Humanidade pecadora.)

A acção que vai ser representada
Pode chamar-se, à bela moda antiga,
O AUTO DA ESTALAGEM OU POUSADA,
Ou, se quiserem, boa gente amiga,

Poderemos chamar-lhe assim também
(Ao jeito da moderna poesia):
ALGÚÉM LÁ FORA BATE À MINHA PORTA!...

… Qualquer designação lhe fica bem.
É só questão de gosto ou fantasia.
Mas, francamente, o nome pouco importa.
Tudo pode chamar-se
Este Auto de ONTEM, de HOJE e de AMANHÃ…
? Ou não será verdade
Que a nossa pobre Humanidade
(E até muita alma que se diz cristã)
O que sabe fazer é só fechar-se,
Mesmo quando JESUS lhe bate à porta?...
Púnhamos, pois, de parte o nome a dar
Ao Auto que se vai representar,
Que o nome, francamente, pouco importa.


Mas, atenção, ó Bons Amigos meus!
Ouçamos em silêncio e muito a sério,
Pois vai aqui tratar-se do mistério
De cada um de nós com o próprio Deus!...

Aí, nesse primeiro patamar
Desta tão bela e nobre escadaria,
Muita gente andará em gritaria,
Apenas a vender e a comprar,
Trocando os bens e … honra por dinheiro…
(Não é assim que faz o mundo inteiro?)
Oh! Que tristeza é transformar a vida
Numa FEIRA DA LADRA… e nada mais!

Nesse mesmo local,
Cantigas, algazarras e berreiros
Se ouvirão depois num ARRAIAL
De jogos vis e gozos traiçoeiros,
De alegria bruta, falsa e oca!


Oh! Que tristeza é tanta gente louca,
Pensando só em si, no seu prazer,
Esquecendo o luto e a dor que vão lá fora!..
Triste alegria a que não sabe ter
Um coração aberto p’ra quem chora!...

Mais adiante, além,
Aquela casa de aparência calma
É a nossa POUSADA DE BELÉM,
Ou, se quiserem, a figuração
Da mísera POUSADA DA NOSSA ALMA,
Que fecha a porta à própria salvação!


Aqui, ali, de lado, à frente, atrás,
São ruas e caminhos,
Estradas boas e más,
Da sempre actual ALDEIA DE BELÉM.

Cansada de uma longa caminhada,
Anda aflito um PAR DE POBREZINHOS,
Batendo a toda a porta, aqui e além,
À procura de abrigo ou de pousada,
…Que a Senhora está prestes a ser Mãe…

Será preciso pôr-se mais na carta,
Para saberem já de quem se trata?
- È JOSÉ E MARIA, pois de certo!

Não os veremos, não. Mas andam perto,
Tão pertinho de nós
Que todos ouviremos sua voz.

Um coro de homens está além, de lado,
Representando a pobre Humanidade

Que geme sob o peso do pecado
E sofre a fome da felicidade…

Ei-los sempre a pedir a salvação,
Que, afinal, não aceitam, quando vem!...

È sempre o mesmo drama de Belém,
O drama da humana condição…

Coro dos Homens:

SENHOR DEUS, MISERICÓRDIA!
(3 vezes)

Coro dos Anjos:

(Solo): GLÓRIA IN EXCELSIS DEO!
(Todos): GLÓRIA IN EXCELSIS DEO!

(Dueto): Anjinhos Celestiais,
Cantemos hinos de louvor
Ao grande infinito amor
Do SENHOR pelos mortais!


(Todos): GLORIA… etc.

(Dueto): Sabeis que se vai passar,
O que vai acontecer?
- Por um milagre sem par,
Deus na Terra vai nascer!

(Todos): GLORIA… etc.

(Dueto): Oh! Quão grande é o SENHOR!
Quão grande o poder divino!
Pois num milagre d’amor
Deus irá nascer Menino!

(Todos): GLORIA… etc.

(Dueto): E na pobre humanidade,
Surgirá divina esp’rança,
Quando (oh! Santa caridade!)
O próprio Deus for criança!

(Todos): GLORIA… etc.

(Repete-se o último coro, diminuindo até desaparecer. Entretanto, outros Anjos recitam:)

1º Anjo:

Corramos, Anjinhos!
Depressa, Amiguinhos!
Vamos todos ver
A grande alegria
Que em festa este dia
A Terra vai ter!

2º Anjo:

Deus Homem vai ser…
E que vão fazer
Na Terra os Mortais?...
Para o BOM JESUS~
Palácios de luz,
Arcos triunfais!

NARRADOR (Dialogando com o 2º Anjo):

Deus Homem vai ser.
E que vão fazer
Na Terra os Mortais?...
Ao SENHOR DA VIDA
Vão dar-lhes a guarida
Que é dos animais!...

2º Anjo (mesma cena):

Eles vão com certeza
Encher de beleza
Todos os caminhos!...
Irão’spalhar rosas
E flor’s mimosas
Para os seus pezinhos!...

NARRADOR (mesma cena):

El’s vão com certeza
Encher de tristeza
Todos os caminhos…
E em vez de mimosas
Pétalas de rosas,
Irão dar-Lhe espinhos!...

2º Anjo (mesma cena):

Que vão lá fazer
Assim que nascer
O VERBO DIVINO?...
- Vão dar-Lhe um tesouro
E um bercinho de ouro
Para o DEUS MENINO!...

NARRADOR (mesma cena):

Que vão lá fazer,
Assim que nascer
O VERBO DIVINO?...
Irão escorraça-lo,
Irão maltratá-lo
Desde pequenino!

2º Anjo:

O que vão fazer?
Pois agradecer,
Cantando de amor…
E assim nosso Deus
Verá que nos céus
Não se está melhor!

NARRADOR:

O que vão fazer,
Quando Deus nascer,
Será um horror!...
E assim o ETERNO
Terá um inferno
De amargura e dor!...

1º e 2º Anjos

JESUS vai nascer!
Vamos todos ver
O que lá se faz…
De certo na Terra
Acaba-se a guerra
E haverá só paz!

……
……

NARRADOR (Dirigindo-se à Assistência):

Enquanto lá no Céu reina a alegria,
Há festa e regozijo
Pelo mistério que se vai passar,
Haverá cá na Terra algum juízo
Capaz de despertar
Amor ou simpatia
Ou mera compaixão?...
Haverá neste mundo alguém que queira
Ofertar uma cama ou uma esteira
Ao CASAL PEREGRINO,
Para que o SENHOR DEUS,
Que os Anjos adoram lá nos Céus,
Possa entre nós nascer feito MENINO?...

Vamos a ver, Irmãos, vamos a ver
Se os homens sempre arranjam um cantinho,
Inda que muito humilde e pobrezinho,
Onde o SENHOR DOS CÉUS possa nascer!

(Dirigindo-se aos Feirantes:)

Eh! Lá! Vocês, que são negociantes,
Compradores e feirantes,
Instalem-se p´raí na vossa lida
E façam normalmente a vossa vida!

(Para a Assistência:)

Serão estes capazes de escutar
Os apelos de DEUS que vem rogar
Um cantinho qualquer onde nascer,
Feito mortal como qualquer de nós?
Serão eles capazes de dizer
Que sim à Sua voz?...


(Filosofando:)

Ah! O dinheiro tem um tal encanto,
Desperta tal cobiça,
Prende e fascina tanto,
De tal modo enfeitiça,
…Que os pobres homens a que el’ seduz
Não são capazes de escutar JESUS!


Ah! Os negócios fazem tais ruídos
E a ganância faz tanto escarcéu,
… Que eu não sei bem se eles terão ouvidos
Capazes de entender a voz do Céu!...

Continua – 2º acto - A FEIRA
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1 comentário:

  1. João Paulo, boa tarde,

    Como bem sabes participei neste auto, no segundo acto FEIRA DA LADRA.
    Para mim é um mar de saudade. Ainda sei a minha parte.
    Notável! Gostaria de o dar a conhecer no meu blog POEMAS DE AMOR E DOR.
    Necessitava do auto completo para o divulgar em homenagem ao seu autor,
    Padre José correia da Cunha

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