quinta-feira, 2 de maio de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA E O RESTAURO DO ORGÃO IBERICO










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“AS GRANDES VIRTUALIDADES DO ÓRGÃO IBÉRICO GANHAS COM O RESTAURO DO INSTRUMENTO...”



Nos finais dos anos cinquenta, músicos da especialidade descobriam que os órgãos ibéricos possuíam uma série de aperfeiçoamentos que lhes conferiam um acréscimo notável de sonoridade e beleza de timbres.

A fama destes órgãos espalhou-se de tal modo, pelo mundo, que trouxe à Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa, um imenso grupo de organistas norte-americanos e europeus para a constatarem in-loco.

A Igreja de São Vicente de Fora é possuidora de um admirável órgão barroco ibérico de incalculável valor acústico que se encontrava votado ao abandono. Foi após muita insistência do Padre Correia da Cunha e Monsenhor Francisco Esteves, junto da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que se realizou o primeiro grande restauro daquele magnífico órgão. Este trabalho intenso foi efectuado pelo Engº Ramos Sampaio e seu irmão, que foram considerados à época dignos do maior reconhecimento por grandes especialistas do talento organístico. 

Para celebrar o acontecimento do grande restauro, foi gravado pela Columbia, um disco com uma série de obras tocadas pelo organista norte-americano Powier  Biggs, em órgãos portugueses e espanhóis. Recordo que todo o trabalho de restauro foi executado integralmente em Portugal e com escassos recursos financeiros disponibilizados para o efeito, tendo em conta que o nosso país em 1958 era relativamente pobre, pouco desenvolvido e caracterizado por um isolamento político e económico.






O Padre Correia da Cunha tinha profunda consciência que por detrás daquele enorme baldaquino que cobre o altar-mor, se encontrava um dos mais importantes e representativos instrumentos barrocos portugueses, construído pelo organeiro João Fontanes de Maqueixa, no ano de 1765 (só em 1993 tivemos conhecimento da data da construção deste órgão e o nome do seu construtor, inscrito no secreto de eco:« Há feito de novo em anno 1765 João Fontanes de Maqueixa»).

No convívio com o seu grande amigo Guilton o Padre Correia da Cunha tomaria também conhecimento que o órgão ibérico possuía um elevado potencial para a execução de música moderna, em especial da obra de Messaiens, seu mestre e dos autores como Himdemith e Schonberg.
  





Em São Vicente de Fora, Guilton confidenciara ao Padre Correia da Cunha que o “seu” órgão oferecia aos músicos contemporâneos um especial brilho e as obras executadas naquele instrumento tão apurado, com os seus 3.115 tubos e múltiplos registos, geravam possibilidades sui generis.





O Padre Correia da Cunha arrepiava-se quando naquele magnífico órgão o Jean Guilton executava peças de Couperin que enchiam o templo de maravilhosos sons. A beleza sonora do órgão ibérico é realmente surpreendente, quando haja qualidade do executante.







No dia 14 de Maio de 1958, Jean Guillon executou no Órgão de São Vicente de Fora um concerto que foi um êxito absoluto. Este concerto aliava a um órgão de imensa qualidade e bem conservado, o elevado nível do concertista e assim como o programa escolhido: Carlos Seixas, Frei Jacinto, J.S. Bach, D. Scarlatti e François Couperin.



Em 1993, no âmbito de Lisboa Capital Europeia da Cultura, procedeu-se a um novo e profundo restauro deste órgão ibérico pelos suíços Cláudio e Christine Rainolter, tendo sido desmontado na totalidade o instrumento e enviado para o estrangeiro, onde se procedeu ao seu respectivo restauro.


Criticar o restauro e beneficiações efectuadas nesta peça de arte durante as décadas de 50 e 60 parece-me imprudente e de um profundo desconhecimento dos meios financeiros do país. Estou seguro que o Padre Correia da Cunha condenaria esse restauro, se tal operação impossibilitasse tornar reversível essa exalta peça ao estado original. Era com mágoa que referia: “ Somos um país de pelintras…”



Só quem pode contar com rios de dinheiros, oriundos de fundos comunitários para a realização do evento de 1994 – Lisboa, capital europeia da cultura – se deu ao luxo de optar pela realização do restauro por artistas internacionais.



Não restam em absoluto dúvidas que o Padre Correia da Cunha bradaria aos Céus pela incompetência na defesa do património ocorrida com a destruição dos estuques pintados dos tectos do altar-mor e das capelas laterais que alteraram profundamente o imago do majestoso monumento renascentista, assim como a substituição das janelas de madeira do Mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho por caixilharia de alumínio lacado.



Já cá não estarei também para ouvir as futuras gerações de artistas na área do bom restauro, reclamarem pelas imbecilidades cometidas na década de 90 naquela jóia arquitectónica. O Padre Correia da Cunha e eu, certamente estaremos com eles em espírito.



Quando em 1960, o Padre Correia da Cunha assumiu a Paróquia de São Vicente de Fora, muito do Património edificado encontrava-se em estado bastante lastimoso com as janelas sem vidraças e graves infiltrações a nível das coberturas.




O Padre Correia da Cunha sabia bem quais as prioridades para conservar aquele monstruoso monumento. Colocação de vidros nas janelas e telhados reparados. Estas obras, graças a si, foram concretizadas. Obviamente, para intervenções nos espaços interiores nunca houve verbas disponíveis. Há época, falava-se de 200.000 contos. Com a sua santa paciência, o Padre Correia da  Cunha dizia:” Haverá todo o tempo do mundo para restaurar o património interior pois ele será protegido pelas medidas realizadas. Num monumento deste tipo, o fundamental é ter as paredes e os telhados imunizados.”


Com estas operações, considerava o Padre Correia da Cunha poder-se preservar a sua riquíssima jóia. Saber esperar por vezes é um bom conselho.















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1 comentário:

  1. João Ventura25.5.13

    Lembro-me muito bem, de na "Casa dos Foles", ver, penso que 3 homens, a "bombar" ar para o órgão.
    Mais tarde, foi colocado um equipamento motorizado, que dispensou os braços humanos. Deve ter sido para ai no principio dos anos 50.

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