terça-feira, 15 de novembro de 2016

PE. CORREIA DA CUNHA – A IRMÃ PEDRA


















“ A NOSSA IRMÃ PEDRA CHOROU… “


Entre os papéis já amarelecidos dos apontamentos do Padre Correia da Cunha, encontrei um trecho de uma conferência sua sobre: A Lição da Pedra.

A nossa Irmã Pedra, forte, admirável e calma segue o caminho que Deus lhe traçou… Quem teve o privilégio e o prazer de o ouvir, não sabe que mais admirar neste clérigo se o talento, o saber, a finura de espírito ou a delicadeza dos seus sentimentos.

Este trecho sobre a Irmã Pedra que li e reli carinhosamente, enleva-nos e atrai-nos porque tudo nos parece iluminado pela bondade da sua alma, pela profundidade da sua fé, pela sua crença em tudo o que há de mais sublime, elevado e nobre. O Padre Correia da Cunha era visceralmente crente e sentia uma sincera afeição e veneração pela natureza.

O Padre Correia da Cunha com a sua imensa alma de poeta tinha uma imaginação voltada para as visualidades exuberantes da Mãe Natureza. Para além dos poetas só os santos sentem a alma elevar-se às regiões da pura espiritualidade ou a contemplações místicas…

Este texto transportou-me para uma magnânima figura de primeira grandeza com registos de ouro da humanidade: São Francisco de Assis - o amoroso contemplativo da Natureza, o doce amigo dos humildes… Em Deus via o princípio e o fim de todas as coisas.

O Padre Correia da Cunha tinha o dom dos grandes escritores e poetas e um apuradíssimo talento de admirador das artes e da música que o seu  refinado ouvido o fazia apreciar, sentir e interpretar toda a boa música enquanto sabia também ser um orador correcto. Ele escrevia e ouvia com o melhor da sua alma.





























Devo-lhe o pouco que sou, com a satisfação de ter sido seu discípulo. Cabe-me o gosto de cumprir um dever moral para com todos os que conviveram com ele e foram também seus discípulos na Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora. Tenha-se em conta a quantidade de gente notável que o conheceu e permanentemente me têm manifestado o seu desejo para que continue esta homenagem á memória deste grande mestre de vida, que tendo sido padre, também foi marinheiro e poeta.

Agradecendo tão dedicada atenção de muitos bons amigos, vou por esta forma cumprindo o dever que a amizade pelo Padre Correia da Cunha me impõe.

É vastíssimo o rol de apontamentos que deixou inéditos, anotados pela sua própria mão, que o seu sobrinho, Eng.º Aníbal Cunha me fez chegar e que representam para mim um imenso desafio. Aos poucos serão por mim, carinhosamente publicados.



Padre Correia da Cunha by Desiree Fabela




A LIÇÃO DA PEDRA



(Conferencia pelo Padre Correia da Cunha)



Como aqueles «pregadores de estola rica» que, para falarem de Santa Eulália, remontavam obrigatoriamente às origens do mundo, o melhor, aos primórdios da criação, também me parece conveniente, senão necessário, começar pelo pecado de nossos primeiros pais – única coisa verdadeiramente original que o homem jamais realizou. Nem se julgue que é ocioso e inútil retroceder tanto, que, para se conhecer um pouco o mistério e a grandeza da obra de Deus, bom é que meditemos na miséria e baixeza da obra do homem.

Nenhum de nós ignora o mal que o pecado original foi para a humanidade. Nem tampouco desconhece a extensão das suas trágicas consequências. Há, no entanto, um aspecto que me parece não ser suficientemente considerado: - a repercussão da desgraça em toda a natureza material.

Na verdade pelo pecado, o homem não só se precipitou na profundeza do abismo - de profundis clamavi – mas arrastou também na sua queda a criação inteira. É que o homem foi criado por Deus como a coroa da sua obra, flor de toda a natureza e sua cúpula, ou, se quisermos, como a obra-prima - imagem e semelhança divina que o Senhor colocava sobre o pedestal maravilhoso da criação. E como toda a obra de arte tem uma finalidade, o homem fora criado e tão altamente colocado, para ser o intérprete consciente e livre da nudez das coisas, para glorificar por si e por elas o Divino Artista. Mas pecando o homem renuncia voluntariamente a esta sua inicial missão, e, precipitando-se no abismo, deixa sem voz toda a natureza, priva todo o cosmos do acesso ao trono de Deus. No fundo, o que aconteceu com o pecado original foi simplesmente esta trágica e enorme desgraça: o ruir da ponte que ligava as margens de dois mundos! O de Deus e o da sua criação.


Se as comparações nos podem ajudar a fazer melhor ideia do descalabro, direi ainda que foi como se à roseira se tirasse a possibilidade de desabrochar em rosa, obrigando-a a ser unicamente raiz envergonhada nas entranhas da terra, tronco contorcido de dores, ramos e folhas torturados de espinhos e nada mais.


Mas de que serve a roseira senão para florir em rosas e exalar perfume?


Será, porventura, inteiramente roseira, se não puder desabrochar? Lembremo-nos da palavra de Jesus a respeito da figueira estéril e teremos uma imagem da verdade do mistério.

Pois, como o pecado original, todas as criaturas ficaram sem a voz que por elas louvava o Criador; todas ficaram sem as mãos que as erguiam aos céus; todas ficaram sem a cabeça que por elas amava a Deus. Tudo veio a perder: O homem precipitando-se no abismo, a natureza ficando sem o acesso ou ponte que a ligava à grande margem do Infinito. Tudo sofreu a miséria e a vergonha do pecado original. A todos os seres, à nossa maneira, choraram: - sunt lacrimal rerum! No dizer do mais cristão dos poetas pagãos.








Entre todas as criaturas uma há, porém, que muito me comove pela sua envergonhada pobreza, pela sua serviçal humildade, pela sua desinteressada dedicação e até pelo permanente esquecimento a que é votada – a nossa Irmã Pedra de que até o poverelho, Santo Irmão das águas e do fogo, parece ter-se esquecido!...

Aquela massa monolítica, «tosca, dura, bruta, informe» de que fala Vieira, julgando-a só pelas aparências, no sexto dia da criação estremeceu de alegria por poder sustentar nas mãos fortes e rugosas a obra-prima em que o Senhor moldara a sua imagem e imprimira a sua semelhança.

Qual não terá sido depois a vergonha e tristeza da nossa Irmã Pedra ao ver a degradação em que caíra a sua jóia, o seu ai Jesus!?

Qual não terá sido a sua desolação quando sentiu que já não tinha a amarra que a ligava ao Céu?
Também de certo modo a nossa Irmã Pedra chorou … E tanto mais, quanto ela, como nenhuma outra criatura, sentiu e acompanhou a desgraça do seu benjamim.

Guardando com pudor na nudez do seu seio, como em relicário secreto, os brilhantes das suas lágrimas, não deixou de ser para o homem aquilo que Deus quis que ela fosse: uma serviçal humilde e sempre pronta para tudo. Deixa-se transformar em casa para o proteger e guardar; serve-lhe de lareira para aquecer e acalentar; é lhe mesa para o alimentar; estende-se no chão para o trazer nas palminhas; e fornece-lhe até o material para perpetuar o seu talento ou o seu génio. E sempre calada e simples e pronta.

Apenas, quando a deixam livre na sua natural prisão, se abre em confidências com o mar, ou esfume aos seus gritos de dor na ânsia que lhe ficou de chegar ao trono de Deus. Veste então a sua capa de arminhos de neve, e assim virginal, rebrilhando às caricias do Irmão Senhor Sol, quase levada pela sua luzente mão, tenta fazer a escalda dos céus e bater às portas do firmamento. Mas não consegue porque lhe falta, este gigante homem. As portas não se lhe abrem porque a voz do seu silêncio, embora eloquente e majestosa, não tem vibração humana-espiritual capaz de se fazer ouvir no reino de Deus.

Tal era o drama angustioso da nossa Irmã Pedra!

As lágrimas da sua vergonha quem as soube apreciar?

A, quando o homem se serviu da sua humildade para prestar culto aos ídolos, quem sentiu a humilhação e angustia da nossa boa Irmã Pedra?

- Sunt lacrimae rerum! Sunt lacrimae lapidis!







Com a Redenção, porém, tudo se reabilita e se transfigura. No tempo da Eternidade está o altar do Cordeiro que, segundo a visão do apocalipse, diz: Ecce nova facio ormia .
Já São Paulo, que perscrutou os gemidos das coisas .

- omnis creatura ingerniscit  - fala na redenção das criaturas em Cristo – instaurare omnia in Christo.
A nossa Irmã Pedra, por Cristo e pela Igreja, corpo mistico de Jesus, é exaltada numa redenção maravilhosa.

Ei-la que, como Sara e Isabel, se sente liberta da vergonha e do opróbrio e, como a Virgem Maria, pode cantar o seu Magnificat : quia respeacit humilitatem aucillae suae … facit milui magna qui potens est.
Ei-la, pois, redimida, cantando em êxtases de luz e formas os poemas das catedrais!
Ei-la, erguendo aos céus em oração as mãos postas das suas ogivas e atirando ao alto as jaculatórias das agulhas e coruchéus!

Ei-la, abrindo os braços para sustentar os sinos que lhe servem de voz!
Ei-la, rasgando-se em janelas para que a luz do alto ilumine os filhos de Deus!
Ei-la, prostrando-se em adoração nos degraus do Santuário!|
Ei-la, sendo a casa de Deus no meio dos homens – Tabernaculum Dei cum homnibus!
Ei-la, enfim, divinamente glorificada, sendo ela própria, a nossa Irmã Pedra, sacramental forte e permanente de Cristo – altar de sacrifício e mesa de comunhão!

Tal é, no mistério da Redenção, a grandeza da Pedra.








À luz de Cristo, todas as coisas recebem uma iluminação divina. Pela sua graça todos os seres têm uma projecção sobrenatural. Não é simples figura de retórica a estrofe diz: Terra, pontus, astra , mundus, quo lavantur flumiul.

Irmã pedra sacramento de Cristo.

A expressão máxima da sublimação da Pedra está na sacramentalidade da sua função litúrgica: a Pedra pode ser altar, imagem e representação do próprio Cristo, segundo a palavra do Pontifical na ordenação do subdiácono

- Altar quidem sancta Ecclesial ipse est Christus, teste Johanne, qui in apochalipsi sua altare aureum se vidisse perhibet: staus aute thronum, in quo et per quem oblationes fidelium Deo Patri consecramtus.

Não será, pois ousado afirmar que, se a Sagrada Eucaristia é a presença real e verdadeira de Jesus em corpo, sangue, alma e divindade, a Pedra sagrada altar é o símbolo material e por consequência um sacramental do próprio Cristo.


Na verdade, Cristo, segundo a expressão do Concilio de Trento, é o Sacerdote, a vítima e o altar do seu sacrifício. Ele é, na visão apocalíptica, o Cordeiro e o altar vivo dos Céus, e na dogmática a natureza humana de Cristo é o material que se transformou em altar sob a unção divina do Espirito e pela vontade do PAI. O grande e verdadeiro e autentico altar é Cristo. A grande e verdadeira e autentica Pedra é Cristo – pedra angular – que se abre em fonte de graça para os homens, e em cântico de glorificação para o Pai, tal como o apostolo o vê na imagem ou símbolo do rochedo de onde Moisés faz jorrar a nascente de águas vivas para os filhos de Israel – bibebant antern de consequente e os Petra, Petra autem erat Christus.









































Jesus, porém, é Pedra principalmente no seu sacrifício redentor, sobre a montanha do Calvário, aí é que Ele exerce primeiramente a sua missão sacerdotal. Aquele é que foi o grande eterno e único sacrifício em que Ele próprio foi sacerdote, vítima e altar. No seu infinito Amor pelos homens, quis porém, o Senhor que aquele sacrifício permanecesse oferecendo a redenção aos homens de todos os tempos e lugares, e para tanto projectou no plano litúrgico das realidades místicas o sacrifício histórico da Cruz; tornou-o presente e permanente na liturgia da Ceia e da Missa. E neste plano litúrgico, é evidente, Cristo continua sendo o altar do seu sacrifício, como é de fé. No entanto a nossa Irmã Pedra material, que é ara de sacrifício e mesa de comunhão, tornou-se com a sagração litúrgica o símbolo mais expressivo da permanência de Cristo como altar. Irmã Pedra sacramental da Igreja.















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