segunda-feira, 2 de setembro de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA – LUZ DA PARÓQUIA














‘’ FAZEI SENHOR, QUE O NOSSO
PÁROCO
 SAIBA DAR-NOS SEMPRE, O PÃO DA
 VIDA! ‘’
Pe. Correia da Cunha






Foi no dia 10 de Outubro do ano de 1960, que o Padre Correia da Cunha transpôs o portão do Paço Episcopal do Campo de Santana. Leve, elegante subiu a escadaria e, fez-se anunciar ao Cardeal Patriarca D. Manuel (II) Gonçalves Cerejeira. Este já contava com setenta e dois anos de idade tendo os cabelos nevados, rosto oval, olhar penetrante em perfeito contraste, de pulso firme, humano e alma generosa recebeu este seu amigo e protegido presbítero, com um caloroso e fraterno abraço.

Mandou-o sentar na cadeira que se encontrava frente à sua mesa de trabalho. À vontade. 

- Lembrei-me do meu leal amigo que muito admiro, ao desejar prover a Paróquia de São Vicente de Fora de um pároco, vaga desde o falecimento do Monsenhor Francisco Esteves.

A paróquia é pobre mas prima por ser dócil e ter obsequiosa gente honrada. Por isso mesmo, prefiro saber o teu ânimo para esta nova arrojada missão pastoral.

O Padre Correia da Cunha não pestanejou, não reflectiu um só momento:


- Aceito, Sr. Cardeal. Agradeço a confiança e manifesto a renovada vontade em servir a Comunidade Cristã.


Recomendo-te que com as nobres virtudes adquiridas no serviço da nossa brilhante Armada, ao longo destes 17 anos, no plano da diplomacia, iniciativa e criatividade, qualidades relevantes para te ajudarem na mobilização e renovação da paróquia e na recondução das almas no caminho da salvação divina. Se houver dificuldades, sabes bem onde estou e podes sempre contar com a minha sincera amizade. DEUS te abençoe.

Ao saber-se da notícia choveram vivas ao novo pároco por parte de alguns cristãos da Paróquia. A comunidade encontrava-se dividida, havia muitas “ovelhas” que desejavam ardentemente serem guiadas pelo coadjutor Padre José Feliciano Rocha Alcobia (1), assegurando-se assim a continuidade dos mais razoáveis costumes. Mas a escolha do Cardeal Patriarca defraudou essas expectativas.






Foi o dia 1 de Novembro, dia de Todos-os-Santos, escolhido para a tomada de posse. A igreja estava repleta de fiéis que se acotovelavam para poderem assistir à primeira Eucaristia celebrada pelo Padre Correia da Cunha na qualidade de pastor.


Na homilia aproveitou para apresentar o programa de actividades pastorais, que assentavam na educação cristã: uma catequese renovada, uma actualizada caridade, activando-se as Conferencias de São Vicente de Paulo e uma Liturgia dinâmica com a participação de jovens acólitos nas celebrações, assim como a formação musical e coral para actualização do coro paroquial…









Recordou o carismático Mons. Francisco Esteves (1871-1959) que tanto dera aquela Paróquia com o seu imenso trabalho pedagógico, catequético , na formação moral e cívica dos seus paroquianos. Mas nos últimos anos já não conhecia a paróquia. Era a doença.


O Padre Correia da Cunha como referia, não vinha para dormir na forma, mas para labutar no que estivesse ao seu alcance, contribuindo para o restauro e conservação daquele imenso monstro adormecido. Como era sabido o templo e o mosteiro encontravam-se votados a um abandono total. Era imperioso cuidar-se das coberturas com colocação de telhas novas e ao concerto de todas as janelas que apresentavam as vidraças quebradas. 


A água da chuva entrava a jorros e infiltrava-se na estrutura do edifício e por todos aqueles longos corredores, os tectos ameaçavam ruína iminente, tudo isto acontece após a deslocação do Liceu Nacional Gil Vicente para as suas novas instalações na cerca do Mosteiro.








Todo o interior do majestoso templo renascentista era de grande pobreza, necessitava de uma lufada de ar fresco na ornamentação: sobriedade, discrição, simplicidade e equilíbrio. Tudo o que está no templo e em redor dos altares deve ser vivo e não morto. Também era necessário proporcionar conforto aos participantes das celebrações de culto, com a colocação de novos bancos corridos, em substituição da meia dúzia de bancos grosseiros com cheiro a velho, uma instalação sonora, uma instalação eléctrica e uma iluminação condigna para tão riquíssimo património artístico.


As verbas no Ministério das Obras Publicas eram escassas. A sua obstinada actuação junto das autoridades constituídas, inclusive com entrevistas com o Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar, com o objectivo de conseguir que a Direcção dos Edifícios e Monumentos Nacionais garantisse a realização destes imperativos benefícios, por forma a salvaguardar este tão importante património nacional.



Não restam dúvidas que o Padre Correia da Cunha assumia com inquebrantável afinco na defesa deste tesouro que poderia perder-se irremediavelmente, sem as urgentes intervenções (coberturas e reparação das janelas).


Na sua presença nos mais diversos actos oficiais, aproveitava sempre, para falar sobre este magnífico monumento e trouxe muitos dos seus contactos pessoais a visitá-lo. Na foto podemos recordar uma dessas visitas com o seu amigo: Almirante Américo Tomás – Presidente da Republica.







A pouco e pouco, nos gavetões da preciosíssima sacristia surgiam novos paramentos, novas alfaias, amitos, alvas, cíngulos, toalhas corporais de linho, casulas, capas de asperges e restaurados todos os cálices, turíbulos, píxides de prata do séc. XVII e XVIII… 



Para o Padre Correia da Cunha era necessária uma evangelização renovada assim como uma liturgia mais dinâmica. Uma maior participação dos leigos na vida da Igreja. Assim surgiram imensos acólitos e meninos do coro com as suas túnicas brancas e cíngulos vermelhos em honra do mártir São Vicente. Gerou aulas de catequese com catequistas formados e também catequese para adultos. Foram numerosos os paroquianos que se comprometeram na renovação das Conferencias de São Vicente de Paulo no intuito de servirem os irmãos mais necessitados pelo dom da caridade.


Muitos dias se gastaram a consertar e conservar o imenso arquivo fotográfico herdado do seu antecessor, notável amante da fotografia. Este espólio encontrava-se disperso e tresandar de bafio, era considerado pelo Padre Correia da Cunha de um valiosíssimo interesse histórico para a Paróquia e para a Igreja Diocesana.








O Padre Correia da Cunha haveria de desenvolver uma enorme “guerra” com as beatas. A igreja era um mostruário de flores de papel amarelento, mal cheirosas e cheias de poeira, placas de mármore de gratidão pelas graças alcançadas, quadros postos a esmo, aos montões, que ficavam muito a dever à beleza e que o novo prior considerava como inutilidades espalhafatosas. Por sua ordem tudo isto foi arrancado dos altares deixando muitas das zeladoras furiosas. Muitas destas voluntárias servidoras tinham vivido toda a vida para a Santa Madre Igreja, cuidando diariamente dos seus altares, como dignas representantes e senhorias vitalícias dos mesmos, deixaram de frequentar a Paróquia de São Vicente de Fora e as que ficaram chegaram manifestar-lhe pessoalmente o seu desapontamento:


- “O Sr. Padre Cunha tem de andar direitinho e fazer o que nós mandamos ou está mal da sua vida. O nosso querido e saudoso Mons. Francisco Esteves, que Deus lhe fale na alma, nunca dava um passo sem nos consultar. O Senhor risca para aqui risca para ali, sem nos ouvir nem consultar. Espere-lhe pela volta”.


O Padre Correia da Cunha estava muito seguro da sua profunda amizade com o Senhor Cardeal Patriarca. Mas era voz corrente que as zeladoras iriam enviar uma carta ao Patriarcado, dando conta que o safado do Padre Correia da Cunha não gramava as beatas. Que desgastamos as lajes da igreja e a fama do próximo. Dentro do templo, erguemos as mãos ao CÉU, mas longo que chegamos ao adro das escadarias começavam as línguas afiadas.








Era também na Capela de Santo António situada no lado direito do cruzeiro que as beatas fingidas se reuniam para armar os mais variados enredos contra o Padre Correia da Cunha, visando torná-lo num pau mandado das prestimosas zeladoras e das regentes das várias associações de religiosidade bafientas que granjeavam beatas falsas, nulidades ambulantes minando a acção do pároco. Era difícil aceitar as mudanças que se estavam operar na paróquia. 



O Padre Correia da Cunha sabia que era precisa muita paciência, muita paciência e bem desejava que ocorresse um milagre para que não ficassem excluídas da vida paroquial e aceitassem pelo Amor a Deus serem mais prudentes e mais leais, reconhecendo o zelo apostólico do pároco. Não o incomodavam as deserdações destas pessoas do apostolado. Estava empenhado e tudo fazia para trazer para a Comunidade Paroquial cristãos íntegros que transbordassem aleluias sedutoras. Pois, não via qualquer possibilidade de ocorrer um milagre que fizesse mudar o comportamento a estas apostolas.



Era naquela capela que se orientavam as intrigas discretamente urdidas contra o novo pároco, achincalhando-o com cenas pavorosa, nojentas das agoirentas “corujas” que ali descarregavam as pragas às mudanças na renovação espiritual da paróquia.


Efectuado o solene diagnóstico, e face aos factos, ao Padre Correia da Cunha só lhe restava uma solução; interceder junto dos contactos que tinha na Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais rogando que se procedesse ao emparedamento desta “maldita” capela que o Padre Correia da Cunha considerava ser o covil das mal falantes beatas.








Assim, nos inícios dos anos sessenta a parede e porta de acesso da Capela de Santo António (Capela do Cardeal) foram modificadas para em seu lugar se construir um gracioso nicho, onde foi colocada a imagem do Santo que se situava no lado direito do altar-mor.


Uma grande nuvem de tristeza e indignação pairou à época com o fecho da Capela do Cardeal da Motta. Foi no ano de 1740 que o Arqtº Carlos Mardel foi chamado por este eclesiástico, para executar uma capela fúnebre com os mais ricos mármores de várias cores, onde seria implantado o seu próprio túmulo.


Como sabemos o Cardeal D. João da Motta foi sepultado no Convento do Carmo em Lisboa. Só mais tarde a capela é invocada ao Santo que apenas com quinze anos abandona o lar paterno e se entrega á vida espiritual no Mosteiro de São Vicente de Fora. Santo António envergou ali o hábito de noviciado – cogula branca e murça preta. Era uma imagem de Santo António com hábito de cónego regrante de Santo Agostinho que se encontrava sobre um altar de pedraria com inscrições góticas, situado no lateral esquerdo da capela. No vestíbulo da capela em túmulo parietal estão depositados os restos mortais da mãe de Santo António. 


Toda a responsabilidade do emparedamento da capela foi atribuída ao Padre Correia da Cunha. O padre era a vítima. Várias vezes quis abordar este assunto, mas o prior fugia completamente à questão, com uma diplomacia e uma capacidade incrível, reduzindo tudo a um interminável elogio das minhas qualidades e grandezas e dali não passava. Estou seguro que aquele acontecimento não lhe era cómodo e sobretudo não gostava de alimentar velhas polémicas e intrigas de um passado tenebroso.


Chegar a uma paróquia, ver e vencer para agradar a gregos e a troianos falseando a verdade e as suas mais profundas convicções e ideais nunca passaria pela cabeça do Padre Correia da Cunha. Qualquer grandiosa obra necessita de um abnegado esforço, coragem e muita fé em DEUS. Líderes mansos não existem, quanto mais injustiça nas críticas maiores era o empenho do Padre Correia da Cunha, pois como ele referia: “ O Tempo não consegue derrubar as obras imortais”.


Nunca desistiu do seu exaustivo labor, mal compreendido por aqueles que não compreendem a força da Fé.

A igreja de São Vicente de Fora passou a ser outra, repleta de fiéis em redor do altar. Cada domingo os sinos alargavam-se de Aleluias e a atmosfera era de júbilo com centenas de cristãos empenhados nos vários movimentos paroquiais: Cruzada Eucarística, Apostolado da Oração, Catequese, Grupo de Acólitos, Vicentinos… era amostra de uma Comunidade organizada à força da fé, da paciência, persistência, método, bravura na humildade e ilimitada confiança num projecto salvífico. 


Estava transformada em grande parte a Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora.




No ano de 2005 o Patriarcado de Lisboa procedeu ao restauro dessa parte do Mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, tendo sido reaberta a Capela de Santo António, conhecida por Capela do Cardeal. O sonho que o Padre Correia da Cunha alimentara para este ressurgimento foi completamente “usurpado” pois, não o manifestando publicamente o seu pensamento era: “ Aquela peça não apresentava significativo valor arquitectónico. Mas a todo o tempo pode voltar ao seu estado original, quando se entendesse. Foi essa a regra utilizada nos trabalhos aquando do seu fecho. 



Gastaram-se vultosas verbas para a deslocalização do altar principal. Foi colocado em local oposto da origem, obrigando a que o acesso seja efectuado pelos claustros e tornando assim aquele espaço numa perfeita nulidade. A sua entrada pela igreja tornaria aquela capela num espaço privilegiado de recolhimento e oração e adequado para os actos de culto com um número reduzido de fiéis.


No Mundo tudo é relativo. Ainda não perdi esperança de ver a Capela de Santo António recolocada no seu estado primitivo e de nela se celebrar a eucaristia nos dias de semana.


Recordo hoje estes acontecimentos que tiveram origem em razões de sectarismos que não vivi, mas pelos muitos testemunhos acolhidos ao longo destes anos são concludentes. Mas o grande humanismo deste notável pároco de São Vicente de Fora foi conciliador e todos os paroquianos inclusive o grupo de beatas enfurecido lhe concedeu o seu perdão. 


O tempo foi apagando estas peripécias. O Padre Correia da Cunha ao longo dos seus dezassete anos de prior desgastou-se num árduo trabalho ao serviço dos paroquianos, tendo introduzido uma salutar lufada de inovação trazida pelo insubmisso clérigo que estava apaixonado pelo seu ministério.


Estava transformada a paróquia. O bom povo da Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora reconheceu muito neste pároco: a melhoria da situação dos pobres, dos infelizes e como por várias vezes repeti a sua preciosa colaboração para que centenas de raparigas e rapazes se preparassem para uma vida de felicidade inspirada nos princípios cristãos.


No transcurso dos anos, após a sua partida para o Reino Glorioso, muitos párocos passaram pela Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora, mas só um sacerdote de sangue azul, conseguiu o mérito de congregar contra si, todas as ovelhas, desde os octogenários e septuagenários, dos velhos tempos do Monsenhor Francisco Esteves, os protegidos do Padre José Feliciano Alcobia que ainda hoje, fora de portas, continuam a prestar veneração ao nosso Santo Nuno de Santa Maria, patrono do extinto Patronato de Nuno Alvares Pereira, os fiéis seguidores do Padre Correia da Cunha que teimam em manter viva a memória deste magnânimo prior que era dotado de uma enorme bondade e honradez. O seu apuradíssimo gosto pelas artes e cultura tornaram-no um dos mais brilhantes e cultos clérigos da Diocese, a geração de cristãos do tempo do Padre Daniel Lopes (2) que continuam apenas usufruir graças a si, de um equipamento de grande alcance social, como é o Centro Social e Paroquial de São Vicente de Fora.


No início do Século a história repete-se. As vivas de euforia ao novo pároco pouco duraram, as ovelhas começaram a procurar novos prados atendendo que o pároco as desorientava e secretamente as considerava inimigas da Igreja. Pergunta-se: Para que serve um pastor sem rebanho? Quando se afugentam os crentes só se pode deslumbrar um designo: suprimir a paróquia. 


Um pastor que não experimente os espinhos e a “crucificação” não é digno de ser reconhecido como Sacerdote.


 

(1)-Natural de Lisboa, da paróquia de São Vicente de Fora, o padre José Feliciano Rocha Alcobia nasceu a 7 de setembro de 1934 e foi ordenado sacerdote a 15 de Agosto de 1957, pelo Cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira. Entre 1957 e 1959, este sacerdote foi coadjutor nas paróquias do Barreiro, Lavradio e Palhais, e de 1959 a 1960 foi pároco interino da ‘sua’ paróquia de São Vicente de Fora. O padre Alcobia foi ainda pároco de Marvila (1976-2003) e quase pároco de Santa Beatriz da Silva (1992-1993) e de São Félix de Chelas (1993-2003), tendo chegado a Santo Isidoro e Sobral da Abelheira em 2003, onde ficou até 2012. Foi vigário da Vara de Lisboa VII e, entre 1957 e 2004, durante quase meio século, foi professor de Educação Moral e Religião Católica (EMRC).Faleceu na tarde do passado dia 10 de Fevereiro, com 81 anos.


(2) - Foi nomeado, pelo Cardeal Patriarca António Ribeiro, Pároco de São Vicente de Fora. Cargo que ocupou até 1983. Nessa paróquia ajudou a construir um centro de dia para idosos, uma vez que a comunidade local era carente neste aspecto. Depois de tanto trabalho em prol de várias comunidades, o padre Daniel Lopes acabou por deixar São Vicente de Fora. Pediu um “Ano Sabático” para descansar e regressou ao Ribatejo, que o viu nascer para o sacerdócio, onde acabou por se despedir da vida.




















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