domingo, 14 de setembro de 2014

PE. CORREIA DA CUNHA E ORGÃO DE SÃO VICENTE DE FORA













Iniciou-se ontem, dia 13 de Setembro, o segundo ciclo de concertos de órgão na igreja de São Vicente de Fora (2014), com um programa composto por obras de Antonio de Cabezon (1510-1566), Girolamo Frescobsldi(1583-1643) e Louis Nicolas Cléramballi (1676-1749) e improvisação de homenagem a Frescobaldi, executado pela eximia organista Martina kurschner.

Estes concertos, conforme referiu o organista titular - João Vaz, confirmam a devoção de um público fiel e amante da boa música organística. 

Os mesmos, pela excelente divulgação efectuada pela Althum.com, estão a popularizar-se inteligentemente.

Quanta felicidade não irradiaria do coração do Padre Correia da Cunha se pudesse contemplar esta agradável realidade. Como sabemos levou uma vida de luta para colocar este magnifico órgão ao serviço do público amante de música sacra da sua cidade de Lisboa. A estrela destes recitais é sem dúvida o instrumento que celebra, no próximo ano, 250 anos da sua construção (1765-2015) e que se encontra, após o último restauro, na sua grandeza original.

Sinto-me pois na obrigação de escrever um pequeno artigo  sobre este instrumento que tantas paixões despertou ao longo da sua existência Podemos assim render preito de Homenagem ao organeiro João Fontanes de Maqueira,  aos sacerdotes que ao longo do tempo o preservaram e todos os que hoje nos permitem este deleite auditivo e espiritual, todos os segundos sábados de cada mês.   



O ÓRGÃO
DE
SÃO VICENTE DE FORA

O órgão ibérico da Igreja do Mosteiro de São Vicente de Fora é considerado um dos mais significativos e valiosos instrumentos históricos existentes na Europa.

Situa-se no topo da nave da capela-mor deste imponente templo. O altar-mor está coberto por um elegante baldaquino em madeira, executado, após o terramoto de 1755. O projecto deste baldaquino é da autoria do castelhano Francisco Venegas e executado sob a direcção de Joaquim Machado de Castro, estando adornado com belas estátuas da autoria dos seus discípulos Manuel Vieira, Alexandre Gomes e António Santos. Por detrás deste enorme baldaquino, situa-se o coro dos cónegos, com cadeiral de três faces em duas ordens, com sessenta e seis assentos em pau-santo lavrado, com relevos nos espaldares. Em face deste arranjo não parece que tivesse, alguma vez, sido encarada a hipótese de utilizar orquestra no acompanhamento dos coros fradescos.

 O acompanhamento dos coros neste mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho era efectuado por este nobre instrumento que abrilhantava as grandes cerimónias litúrgicas.





Ao contemplarmos esta bela peça de arquitectura, pelo seu estilo de decoração, sugere-nos imediatamente a segunda metade do século XVIII. No entanto, ao contrário da maioria deste tipo de instrumentos, não se sabia até há pouco tempo (1993) o nome do seu construtor nem a data da sua construção.

Como sabemos grande parte dos arquivos do Mosteiro de São Vicente de Fora foram perdidos durante as convulsões politicas que o País sofreu após a expulsão das ordens religiosas no ano de 1834 e também durante o período das guerras napoleónicas.

Nos meados do século XX, levantaram-se imensas e variadas hipóteses quanto à época da sua construção e o hipotético construtor.


A primeira hipótese, defendida por muitos peritos e especialistas nestas matérias, era que o seu autor teria sido o grande organeiro António Xavier Machado e Cerveira, uma vez que tenha sido Machado de Castro o grande executante das reparações da igreja após os danos sofridos pelo grande terramoto de 1755 e encarregado da construção do baldaquino do altar-mor.


Era pois, natural que escolhesse o seu irmão para construtor do órgão, quer fosse para substituir outro instrumento destruído pelo terramoto, quer por nunca ter existido neste templo, outro órgão anteriormente.



A ser verdade esta hipótese, poderíamos afirmar categoricamente que este órgão foi executado após 1755, de preferência nas últimas décadas do século XVIII.
No entanto, muitas vozes se levantaram contra estes pressupostos com apresentação de teses e argumentos considerados verdadeiramente muito válidos, vejamos:



  • ·     Não consta em nenhuma documentação escrita até hoje conhecida que o órgão tenha sido danificado pelo terramoto. Há alusões em muitos escritos à queda da grandiosa cúpula, capela de invocação a Santo Agostinho que se situava no lateral direito do cruzeiro, danos de algum vulto na fachada do edifício e na sacristia do mosteiro, sendo de concluir que a parte da capela do altar-mor tenha sido poupada.

  • ·    O órgão apresenta alguns registos que não eram normalmente usados por Machado e Cerveira, tais como os jogos de palhetas sacabuchas e boe.

  • ·     Muito importante ainda é o facto de este órgão possuir em ambos os teclados a chamada oitava curta, prática esta anterior a Machado Cerveira e que este organeiro nunca usou em órgãos da sua autoria, pelo menos que haja conhecimento.

  • ·    Se nos debruçarmos só à parte construtiva da caixa e aos factos já mencionados, não nos repugna defender a tese de que este órgão é de época anterior a Machado e Cerveira. Este facto explicaria a grandiosidade do instrumento que se coaduna com a ostentação de riqueza, peculiar do nosso Magnânimo Rei D. João V e logo se apontaria para o segundo quartel do século XVIII.

  • ·    Durante os trabalhos de restauro, executados entre 1957 e 1958, verificou-se que todas as indicações de montagem que se encontravam no interior do órgão estavam escritas em português, o que consubstanciava que o organeiro construtor desta extraordinária peça organística seria de nacionalidade portuguesa.

Houve uma incessante investigação para se saber o nome desse genial organeiro que nos deixou um instrumento de grande valor artístico e de competência organística.

Em 1957, quando se deu início aos trabalhos de restauro sob a responsabilidade do Eng.º Ramos Sampaio, verificou-se que a mecânica deste instrumento se encontrava relativamente em bom estado, assim como as condutas do ar. Somente os foles estavam completamente inutilizados pela acção do tempo e pelo estado de degradação do edifício que permitia a entrada de água pelo tecto da sala dos foles. Lembro que nos dias de hoje, esta zona ainda padece de grandes humidades e de pouco arejamento.

Assim, houve necessidade de se construírem novos foles para os quais se adoptou o modelo paralelo, com três bombas e manivelas para enchimento manual. No entanto, a alimentação do depósito é feita normalmente por ventilador eléctrico, com motor de ¾ Hp.


Os dois foles primitivos eram do modelo de cunha. A partir do fole, o ar é conduzido por uma conduta de madeira que se situa sob o pavimento da galeria, não sendo portanto visível senão junto à escada de acesso à casa do fole onde se encontra um pequeno fole regulador de pressão.


No ano de 1958, quando se deu por concluído o grande restauro deste admirável instrumento, os mais notáveis organistas de todo o Mundo vinham descobrir neste órgão ibérico a notável sonoridade e beleza de timbres que este instrumento possuía e que foram aperfeiçoados com o excelente trabalho de restauro.


Este órgão nos anos sessenta teve momentos que ficaram gravados a ouro. Houve uma plêiade de organistas internacionais e nacionais que deram variados concertos dos quais, destaco:Tagliavini, Gerad Johns, Francis Chapelet, Michel Chapuis, Pierre Cochereau, Michael Kearms, Gertrud Mersiovsky, António Duarte Silva, Antoine Sibertin-Blanc, Gerhard Doderer…


Outra grande surpresa constatada neste restauro deste órgão foi que se encontrava extremamente bem conservado. Faltavam meia dúzia de tubos dos mais pequenos e os registos de palhetas estavam desafinados. No entanto, a principal avaria e quase total ruína estava nos foles que tiveram de ser integralmente substituídos.




A relativa boa conservação, deste magnifico órgão barroco ibérico deve-se especialmente a dois homens: Monsenhor Francisco Esteves (Pároco de São Vicente de Fora desde 1900 a 1959) e Padre Correia da Cunha (residente no Mosteiro de São Vicente de Fora desde 1943 a 1977) e que tendo conhecimento do grande valor deste instrumento sempre lutaram para o colocar ao serviço da boa música organistica, interditando o acesso aquela galeria como forma de proteger esta peça. Foi após muita insistência deles que a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais mandou proceder ao primeiro grande restauro deste magnificente órgão barroco. O trabalho de restauro foi confiado ao Engº. Ramos Sampaio e seu irmão, únicos técnicos da especialidade em Portugal e foi considerado digno do maior reconhecimento por grandes especialistas da organistica, pois a construção primitiva foi integralmente mantida e escrupulosamente respeitada.


Graças a este organeiro e a estes dois clérigos, podemos hoje apreciar e deleitar-nos com os sons deste instrumento que se encontra praticamente no seu estado original, num dos mais majestosos monumentos desta linda cidade de Lisboa.


Conforme já referi, o órgão está instalado numa galeria que ocupa o topo do templo, por detrás do altar-mor. Esta galeria assenta sobre três robustas peanhas, duas laterais, mais pequenas, e uma central, maior e suportada por três figuras femininas.


O órgão da igreja de São Vicente de Fora resplandece com a sua talha dourada, com as superfícies das várias almofadas pintadas de verde com filetes dourados, ao gosto da época.
É uma bela jóia que quando devidamente iluminado é realmente grandioso. No cimo da fachada três belas figuras de mulheres servem de remate a esta peça de talha dourada.


Por ocasião de Lisboa capital Europeia da Cultura, este instrumento foi totalmente restaurado pelos peritos suíços Claudio e  Cristine Rainolter, nas sua oficina situada em Trazona, província de Saragoça, os quais foram auxiliados por Nicholas Michael Watson e assessorados pelo organista Prof. Joaquim Simões da Hora.


Neste último restauro, efectuado entre Novembro de 1993 e Outubro de 1994, em que se procedeu à completa desmontagem do órgão, houve a preocupação de solucionar problemas da alimentação do ar devido à distancia da casa dos foles aos someiros (cerca de 25 metros). Em boa hora se adoptou a solução de montar dois foles depósito dentro da caixa, sobre o órgão principal, por detrás dos cónegos da fachada, garantindo-se assim que a pressão do ar seja uniforme em todas as partes do instrumento.


No ano de 1993 houve uma grande revelação que este instrumento guardou durante séculos. No secreto do órgão de eco encontrava-se inscrito: «HÁ FEITO DE NOVO EM O ANO DE 1765 JOÃO FONTANES MAQUEIRA»


Assim ficaram desfeitas todas as hipóteses, que durante anos apaixonou peritos desta área sobre a data de construção e do seu hipotético construtor que afinal era espanhol e que já havia produzido obra em Portugal.


Construiu em 1763 o órgão da capela do seminário maior de Coimbra que partilha com o de São Vicente de Fora características arquitectónicas, mecânicas e tonais. João Fontanes Maqueira veria a falecer na vila de Mafra no ano de 1770.
























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1 comentário:

  1. Anónimo14.9.14

    Martina Kürschner, órgão
    Intrepretou com mágica intrepretação da música e profundo conhecimento do instumento, brindano-nos com sentida (inspirada) homenagem ao Sr. Frescobaldi. É de louvar a determinação e empenho desta organização bem como dos músicos e intrumentistas que tão generosamente oferecem o seu tempo. Bem hajam.

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