domingo, 9 de novembro de 2014

«O OBJECTIVO» CRÓNICA DE CARLOS PEREIRA














«... OS JOVENS, O FUTURO! »


Quando iniciei a escrever neste blogue sobre o grupo de jovens, «O OBJECTIVO» de São Vicente de Fora, manifestei desde logo um forte desejo de que um dos líderes partilhasse um testemunho da experiência nesse grupo.

No livro biográfico «CARLOS PEREIRA – VISTO POR TODOS OS LADOS» da sua autoria e de Ana Rita Madruga, lançado recentemente, não falta uma crónica que nos oferece uma imagem correcta e desapaixonada, sem deixar, todavia, de valorizar a figura e obra de Padre José Correia da Cunha.

Casal Pereira - afilhada - Pe. Correia da Cunha


Recordo que Carlos Gonçalves Pereira (Eng.º) era filho de Maria Adelina e Carlos Diamantino Pereira, um casal profundamente católico, educado na prática de uma tradição arreigadamente conservadora, defensor de rígidos princípios da moral cristã. Contudo, eu, João Paulo conservo a imagem de Carlos Diamantino como um homem extrovertido e um grande bairrista que o Padre Correia da Cunha gostava de ter sempre a seu lado. Praticava o catolicismo com grande empenhamento nos movimentos paroquiais a que esteve ligado com um espírito claro, grande ponderação e abnegação. 


Carlos Diamantino não se poupava a sacrifícios para que as tarefas de que se encarregava saíssem perfeitas. Atento observador das necessidades da sua paróquia, estava sempre disponível às solicitudes e ao amor fraterno, que eram notas dominantes deste exemplar cristão. O Padre Correia da Cunha sentia-se bem a ouvir os seus sábios conselhos, ganhando por isso o estatuto de homem da sua total confiança.

Para o ilustre Carlos Pereira o preito da minha gratidão pelo seu testemunho sobre o «O OBJECTIVO» que com a devida vénia transcrevo:


O GRUPO «O OBJECTIVO»




“O Padre José Correia da Cunha era visita de casa dos Pereira. Todas as sextas-feiras ia jantar lá a casa. Antigo capelão da Marinha e crítico do sistema vigente estava mais do lado dos pobres do que dos ricos e era apontado por muitos como sendo proto comunista, mas ninguém se atrevia a enfrentá-lo.

Era o único dia da semana em que era possível falar-se de política lá em casa. Os pais de Carlos, defensores de Salazar e do seu regime, não eram dados a grandes aberturas, a ideias diferentes que pusessem em causa as verdades tradicionais e absolutas em que acreditavam. O filho nunca pode expressar abertamente as suas convicções políticas, mas o Padre Correia da Cunha, sendo um homem do Clero, gozava de outro estatuto, principalmente junto de Maria Adelina, católica praticante, presença assídua na igreja de São Vicente de Fora.

O sacerdote lá ia dando a entender que as opiniões do filho, estavam mais perto da verdade do que as convicções dos pais Maria Adelina e Carlos Diamantino ficavam cada vez mais intrigados com aquelas conversas alimentadas a pão caseiro com queijo da serra e regadas com bom vinho, à hora do jantar. “Eu só podia discutir política no Instituto Superior Tecnico, com os meus colegas. Em casa, com os meus pais, era impossível. Só passei a fazê-lo na presença do Padre Correia da Cunha.»
O Padre era um homem de coragem o seu entusiasmo pelas causas sociais ainda hoje são recordadas. No bairro de São Vicente de Fora toda a gente se lembra dele. Frontal e generoso era também respeitado pelo empenho, valentia e dávida pessoal que colocava nos projectos humanitários e de solidariedade social que levava a cabo.

E foi num desses jantares que o Padre Correia da Cunha – preocupado com a inexistência de um projecto paroquial que apoiasse os jovens em termos sociais após a celebração da comunhão solene até à idade de se casarem – se lembrou de criar um movimento que protegesse de alguns perigos que a sociedade já apresentava. Foi nesta altura que começaram a surgir as primeiras situações relacionadas com álcool e drogas na juventude.


O Grupo «O OBJECTIVO» constituiu-se assim em 31 de Outubro de 1971. Foi lá que Carlos conheceu Rui Aço, artista plástico, e a  que viria mais tarde a tornar-se  mulher deste, Zélia, dois amigos que haviam de ficar para o resto da vida. Rui Aço era, na altura, desenhador das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento (OGFE), em Santa Clara e Zélia, educadora de infância e catequista. Os três lideravam o «O OBJECTIVO» e tinham a difícil tarefa de desviar os jovens de caminhos perigosos. «Nós eramos conhecidos pelo tripé, a nossa função o de dar testemunho da nossas vidas», conta Rui Aço o mais velho do grupo, que via em Carlos «um grande companheiro de percurso e no «O OBJECTIVO» um espaço fundamental para trazer de volta muitos jovens que estavam dispersos e perdidos.


Sob o olhar atento, mas por vezes distanciado do Padre Correia da Cunha, dadas as múltiplas tarefas paroquiais a que tinha de dar resposta, outro sacerdote – O Padre Ismael Sanchez foi por isso incumbido de acompanhar o Grupo mais de perto.
O Grupo reunia-se numa sala da Paróquia em São Vicente de Fora. Com uma energia contagiante de quem acreditava que poderia mudar o mundo. Carlos, Rui e Zélia dinamizaram um grupo de cerca de 30 jovens, organizaram actividades de estudo, criaram um jornal de parede, promoveram cursos de alfabetização e festas de solidariedade para os mais carenciados.


Rodeados de alguns cuidados, os três líderes discutiam, em colectivo com os outros jovens, questões sobre as quais se entendia serem necessários alguns esclarecimentos nomeadamente de ordem politica, tal como recorda Carlos: « O OBJECTIVO é muito marcado por isto. Havia um conjunto de informações que passava de forma não oficial a que tínhamos acesso e que utilizávamos para formar os jovens. No fundo, mostrávamos um ponto de vista político distinto do que eles absorviam em casa. E, aos poucos, o grupo ia contribuindo para o alargamento da consciência cívica e politica daqueles jovens.
O Concilio Vaticano II, que decorreu entre Outubro de 1962 e 1965, reconheceu aos leigos da Igreja Católica novas responsabilidades no que diz respeito à vida da Igreja pela Paz. Este tema tornou-se um aspecto central nas actividades de católicos progressistas.


As estruturas e movimentos de oposição ao Estado Novo acolhiam cada vez mais estes católicos que punham em causa a actuação hierárquica episcopal e a sua relação intimista com o regime. A par das juventudes católicas – operária, universitária e estudantil (JOC, JUC e JEC), surgiram outros movimentos menores, todos contra a ideologia do regime. Muitos destes chegaram a denunciar os crimes do regime salazarista, organizaram acções de protesto, através de encontros e publicações clandestinas, assim como cartas abertas e abaixo-assinados públicos. Mais uma vez, a questão colonial estava no centro de todas as tensões. Apesar de ser a conta gotas por causa do crivo da censura, os ecos das tomadas de posição de alguns bispos e missionários do Ultramar que se revoltavam contra aquela guerra, chegavam a Portugal e clarificavam ainda mais o espírito dos católicos progressistas.


A Igreja estava desarticulada da sociedade civil, limitando-se a ser um espaço de práticas litúrgicas e respeito pela ordem estabelecida. A reflexão sobre fé, politica ou cidadania era inexistente. O debate teológico era um vazio, não havia lugar para a participação individual e consciente e o pluralismo partidário estava proibido.

O «O OBJECTIVO» teve uma importância tal a nível nacional que na comemoração do primeiro aniversário os jovens receberam a visita do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro. A existência do grupo permitia uma aprendizagem a todos os níveis, fora das instituições de ensino religioso, tal como recorda Carlos: «Uma das razões que eu acho que contribuiu para o afastamento das pessoas da Igreja é a incapacidade que esta tem de dar resposta social às necessidades das pessoas, limitando-se muitas vezes à banalização de rituais de significado reduzido para a vida comum. O OBJECTIVO tentava dar essa componente de resposta social que as pessoas procuravam».


A crueldade da polícia politica que chegava a exercer domínio sobre as direcções de todo o tipo de grupos de caracter associativo e a censura totalitária que abrangia todo o tipo de publicações e acções culturais exigiam cuidados redobrados. Por isso o Carlos empenhava-se na transformação das palavras nos textos que escrevia para que a mensagem não fosse interpretada e considerada subversiva por agentes informadores da PIDE. É disso exemplo, o texto que escreveu sobre Palma Inácio, utilizando o anagrama “Uma Palma para Ocinai”. Revelando uma personalidade de grande maturidade, os seus escritos desta altura são mordazes, irónicos e lúcidos, com uma componente politica muito vincada. O jovem universitário observava e registava com clareza de espirito o isolamento de Portugal e a opressão a que os portugueses estavam sujeitos, como descreve em « A Porta Vigiada».


O ambiente que se vivia em Portugal era fértil e serviu também para dar vida aos filmes de animação produzidos e realizados pelo Grupo Objectivo. A Banda animado com botões pintados com cores da bandeira de Portugal, retractava uma banda filarmónica que ordeiramente desfilava e tocava até chegar a um coreto, onde eram cercados por outros botões, os espectadores. No fundo, o filme de animação pretendia caricaturar a derrota do regime perante a população.



A acção dos católicos na luta contra a ditadura ia-se alastrando, construindo pontes com muitos outros sectores da sociedade portuguesa – trabalhadores, intelectuais, estudantes – independentemente das suas crenças religiosas. O impacto foi muito maior do que os números de pessoas directamente envolvidas. As actividades culturais e formativas do «O OBJECTIVO» perduram até 1975, ano em que o grupo se desfez.”




Foto: Alfama – Artur Pastor


Foi criada uma página no Face Book deste Grupo de Jovens.

https://www.facebook.com/pages/Grupo-De-Jovens-O-Objectivo/728099790612692

Um lugar em que todos aqueles que fizeram parte do «O OBJECTIVO», bem como os que se interessam em reviver e recordar aqueles tempos da Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora.



















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