CRONICA DE FERNANDO BASTOS SILVA - Com o seu olhar de lince o cronista escreve sobre a sua fantasmagoria em relação a um grupo de jovens da comunidade paroquial de São vicente de Fora, dos inícios dos anos setenta do passado século. Este grupo de Jovens foi fundado pelo Padre Correia da Cunha. Era um pároco que pelo seu exemplo animava, pela sua energia de palavra dava coragem. Ainda hoje os jovens deste grupo de jovens reconhecem o muito que o Padre Correia da Cunha fez em prol da Juventude. Como é sabido o Padre Correia da Cunha para além de zeloso prior – acolhia e dispensava um especial afecto ao fluxo de milhares de mulheres e homens que se deslocavam da Beira Serra para a cidade- capital. Particular atenção lhe merecia a formação dos filhos dessa gente. São este adolescentes e jovens que constituíam o Grupo de Jovens OBJECTIVO e ainda hoje continuam a honrar a memória deste grande Mestre de Vida : CORREIA DA CUNHA. Estas crónicas são um poderoso instrumento para despertar acerca da existência do OBJECTIVO. Assim, publico a crónica sobre o ultimo jantar natalício do GRUPO DE JOVENS OBJECTIVO, ocorrido a 14 de Dezembro passado, no Restaurante Corsega de Benfica. Momentos que não são cercados pela nostalgia mas um acontecimento que aspira em procurar-se activamente a sobrevivência de um Grupo que considero possuir alguma mistificação.
INCOMPARÁVEL GRUPO DE JOVENS
«OBJECTIVO»
O sentimento de complexidade reclama,
naturalmente, vários pressupostos de natureza causal, sem deixara de levar em
conta a perspectiva finalística. Não nos
move a conceptualização inerente às celebradas Cinco Vias de S. Tomás de Aquino, nem vamos inserir a
situação ou as situações num quadro
mental de teorização da Evolução Quântica que nos iria permitir especular sobre
a razão de andarmos a divagar meio perdidos por este nosso Mundo. Todavia,
grato será refletir sobre os dois movimentos inerentes à nossa realidade que
nos determinou a congregarmo-nos no local que o nome tem, de Restaurante
Córcega, em Lisboa, lá para as bandas de Benfica, paredes meias com a densa
mata do mesmo nome. I$E E isto
Estamos, pois, perante o
acontecimento ocorrido na memorável data de 14 de Dezembro de 2024.
-E não havemos nós de recriar os
passos previamente dados para a sua concretização?...
Não nos custa muito imaginar:-Vamos
então supor que inspirados ou “instados” pela afabilidade do querido Amigo
Ismael, terão alguns ouvido a sua Mensagem:-”Marchai, caminhai por Lisboa,
pelas suas sinuosas vias, até encontrardes um
Cenáculo adequado”. E direis ao
estalajadeiro que o Grupo dos Jovens, dos anos sessenta do século
passado, ou seja aqueles que tomaram o “elixir da eterna Juventude”,
querem, no 14 de Dezembro vir aqui celebrar a sua “Ceia”, a “Ceia” que sela o indestrutível laço de Amizade que
os enleia. Tal Grupo é composto por vários “Discípulos” que se compreendem nos originais
e nos outros e outras que, entretanto, foram sendo acolhidos.
E tivemos a Notícia
difundida Urbi et Orbi que nos deu conta da referida data e do elenco da
vitualhas…De tudo se encarregaram, com subido esmero e competência os “jovens “ Isidro e João Paulo. esmero e
E lembramos o que está escrito e que sublima a
refeição: Cantados os hinos, o Mestre cingiu os rins, fez as rituais abluções e proclamou a sublimidade do
Amor Fraterno.
Ora, naquela tarde, “juntos nos
partimos” da nossa casa que no Altos dos Moinhos está assentada...”
Lembramos o Glorioso Poema que de
Lusíadas tem o título que nos situa
no Espaço Europeu, descrito o canto III.
Ali se diz que “Entre a zona que o Cancro senhoreia/…..Jaz soberba a Europa,a
quem rodeia,/...Pela Austral, o Mar Mediterrâneo.…
E continua:
Eis aqui, quase cume da cabeça/De
Europa toda, o Reino Lusitano/onde a Terra se acaba e o mar começa ...esta a
ditosa pátria minha amada….”
Tínhamos deambulado
entretanto, num quadro de reconstituição, à “posteriori” por uma certa Lisboa, na na sua configuração
medieval e vale a pena citar o sábio que diz: we have stone age emotions,
medieval institutions…
-Vá lá ver, diz-me a
“alma minha gentil”...não te ponhas para aí com erudições que ainda acabas por
ficar cá na Terra descontente….
-Mas diz-me lá: que não
gostarias de integrar uma procissão desde S. Domingos até à Sé e sentir a
limpeza que se opera na alma, na Abertura da Porta Santa, no Ano Jubilar?
E la fomos.
Ora a verdade é que a Sé
abarrotava e a multidão que se apinhava à porta principal era grande…
E descortinando ao
“redol”, vimos o exterior da Sé com a
sua estrutura de sólidas paredes, fendidas com estreitas ”seteiras” que, em
caso de assalto por parte dos infiéis, os “increos”, deixavam passar uma
furiosa chuva de envenenadas flechas com que estes eram trespassados, o “que
haveria de ser boa cousa de veer”
Mas não só isso, porque
alí próximo, inscrito em negra ardósia” pregada na esquina de grosso muro
“medievalesco” se identificava o “Beco
do Quebra Costas”. Ora tal Beco desenvolvia-se em escadaria de pedras, de vivas
frestas...E assim, uma vez filado, o increo/malfeitor e inimigo de
Cristo, atado de pés e mãos era arrastado escada abaixo e além dos osso
esmigalhados e dos “focinhos lavados em sangue”, dali era
retirado, esperando, na fermentação
de negro entulho, o estridente soar da
Trombeta a anunciar a ressurreição dos mortos.
- Ó mulher da minha alma
olha...vê...lê o que naquela placa de pedra circundada de marmóreos e rosados
floreados se inscreve: O SS PIO VI A INSTANCIA DA RAINHA D. MARIA I N. S.
CONCEDEO INDULGENCIA PLENARIA TODA A PESSOA QVE CONFESSADA E COMVNGADA VIZITAR
ESTA REAL CAZA E IGREJA DO GLORIOSO S. ANTONIO EM QVALQVER DIA DO ANNO….
E vemos ainda o que está
escrito em incrustações de rija e matizada pedra onde se lê que o mui alto e
poderozo Rey D João II deste nome mandou em seu testam…to passar esta capela para santo António…..dando
cvmprimento ao desígnio do poderoso Rey D. Manuel 1º deste nome;elle mandou
fazer… etc.
-O senhora minha, dona do
meu afecto, olha e medita na génese desta igreja de Santo António, onde o Papa
se ajoelhou...
E continuando o nosso
percurso fomos vendo umas fracções da grossa da muralha Fernandina (El rey
D. Fernando deste nome a mandou fazer…)
E ainda espreitamos, de
relance, as ruínas do Teatro Romano, sobranceiro ao Castelo.
Deste Castelo, por onde
deambulou o grande Damião de Góis, “escorrem “ umas vielas e outras estruturas
de “segurança” que o autor de A History of Water de seu nome Edward
Wilson-Lee relata com grande vivacidade referindo-se à agitada vida de Camões e que recorda o célebre
episódio do dia da festa do Corpo de Deus a 16 de Junho de 1522 que propiciou
ao nosso Épico um encontro pouco
amistoso com o cortesão de nome Borges, o que lhe valeu o cárcere num local
onde a Saudade imperava, pois que “erros meus, má fortuna amor ardente/ em
minha perdição se conjuraram…”
Uma colina a Nascente...uma colina a
Poente e eis que se nos esboça a delimitação do Pátio do Tronco que ainda hoje
arrepia visitar...E Camões sonhava, aconchegado na Eneida que trazia no
coração...pois sabia-a toda de cor...ação.
E foi-lhe propiciada clemência, mas
na condição de partir… de embarcar. E assim aconteceu e pode percorrer,
navegando, aqueles mundos cujo caminho se abre logo no canto Primeiro onde se
diz “já no largo Oceano navegavam/As inquietas ondas apartando para no Canto
VII proclamar: E, se mais mundos houvera lá chegara”.
Pode ainda, roto e faminto, mas
sobraçando o manuscrito do seu (nosso, depois) Poema, apanhar boleia a
partir de Moçambique regressar Pátria. E é bom recordar a desgraça consequente
aos descobrimentos, superiormente configurada em jeito de Profecia postecipada
do Velho do Restelo…Ó glória
de mandar, ó vã cobiça/desta vaidade a quem chamamos Fama... (IV 95)
Veio depois o Templo dos Jerónimos e mai-lo
CCB que testemunham o grande ou talvez
os “grandes “ (a títulos diversos) de Portugal…
Enfim, vale a pena lembrar este
Pátrio Torrão onde, naqueles tempos do sec. XVI, cousas raras se iam
passando...nomeadamente o desembarque e invasão de nativos/cativos.
Estes exibiam a tez queimada...e isto graças ao erro da rota Rota do carro dc
Faetonte.
E estas almas tantas preocupações de
segurança causavam a ponte de serem encostados à parede, sentindo a aguda lança
dos soldados a arranhar-lhes as costas-Vide Zurara e
Diogo de Couto.
E por falar em questões de segurança e sua
ancestral herança, ainda hoje é visível o confinamento das claques de futebol
que, “encarceradas em gaiolas” lhes é
permitida, debaixo de vigilância, toda a espécie de urros.
Enfim, coisas de Lisboa medieval onde
os acontecimentos que traduziam acirrada luta pelo poder por parte do
Imperadores, reis, duques, condes, biscondes, papas, bispos e cónegos.
Prosseguimos o nosso caminho, pelas
serpenteadas ruas de Benfica, à medida que Hermes (deus mensageiro) nos guiava.
Abriu-se, pois, sob os nossos olhos o
local do desejado encontro. E foi um circunstante que nos indicou a “estalagem”, ou seja , o referido
“Córccga” onde a mesa ornada com as
deliciosas vitualhas se nos iria apresentar...Ia ser, quem sabe, como na representação do Auto da Alma de Gil Vicente.
Arrumada que foi a “Charrete” tivemos
ocasião de sondar a atmosfera em homenagem ao sr. D. Miguel a lambuzar-se à
ceia em molho de escabeche, para
esquecer ao agravos que contra ele a Pátria cometia.
Rezam as crónicas que enquanto da sua
real barba hirsuta a gordura escorria,
mas não deixava de pôr o braço de fora da janela para se deliciar com a leve
brisa que se fazia sentir- Vide A Brasileira de Prazins de Camilo
Castelo Branco.
E assim foi...e a “Alma Minha Gentil”
e eu ingressamos .
E ocorreu o que de algum modo
adivinhávamos e, sobretudo, desejávamos: Um caloroso acolhimento!...E surge o Jovem Ismael
com o seu rosto que se abre no
sorriso jovial que o brilho do seu olhar transmite.
-Que bom querido amigo: você é um
“monumento” à eterna juventude.
-Não digam isso, não falem assim,
olhem que já cá pesam uma razoáveis décadas.
- Pois sim ….mas olhe que, no que me
diz respeito, o cavername das
minhas costelas range por todos os lados e até faz lembrar uma nau na
tempestade de Os Lusíadas .
Depois o Rui Aço de largo e acolhedor
gesto e com o sorriso que nos transporta
à Gioconda, embora a gente aprecie nas suas obras uma certa relação com
Chagal ou Klimt...ou, melhor dito, com ele próprio, nos seus conquistados traço
e estilo.
Acolhedores foram o Carlos Pereira e
a Maria cujo enlenvo de comunicação é por demais evidente e com quem se conta
para criteriosa selecção dos âmbares.
Quem pode deixar de referir, o João Paulo e Isidro, os homem dos contacto e do expediente e que
acabam por ser o emissáriom a que atrás se faz referência e que se desdobram em
contactos par que tudo isto seja possível.
Estávamos nós entregues a estes
devaneios preliminares, enquanto o grupo se ia
compondo, eis que deu sinal o arquitriclínico anunciando
que a ágape ia ter início.
….
E o convívio prossegue
com visível vivacidade...E como são recordados os antigos tempos, os
tempos em que “jovens” sonhavam e imprimiam à sua vivência do Grupo, o quadro humano e ao mesmo tempo estético que faz com que
hoje seja incontornável a sua
congregação…Afinal a realização, por via do afeto, é sem dúvida a dimensão
mais fulgurante que nos faz olhar para o
nossos filhos e netos e também para os amigos repetir com Stephen Hawking : We
have this one life to appreciate the
grand design of the universe, an for that I am extremely grateful.
Já nos entregávamos a
soboreara a nossa refeição quando o “meu anjo protetor” me disperta para a
oportunidade de tomar os medicamentos da praxe ...mas sem esquecer a “água
suficiente”...Mas...mas a água faltava...Porém, à minha frente sentava-se a
jovem Maria de Jesus...Foi providencial:
eu pedi-lhe um pouco da sua água…água esta que ao interagir com os medicamentos
a tomar, me iria fortalecer quase regenerar .
Ora, veio-me à mente, o
que se passou junto ao poço de Jacob e
que resta escrito: Jesus pediu à mulher
de Samaria: “Dá-me de beber”. Ora, diz ela, “como é que tu sendo judeu me pede
de beber a mim que sou Samaritana?
Ou seja: como é que sendo
eu um alienígena do “grupo de Jovens” me
atrevia a um gesto destes? E foi
cousa boa de ver!
E o convívio mantinha-se
animado e a comunicação era densa e intensa, porque motivado por um acentuado e
partilhado sentimento de amizade. E não deixamos de comentar a atualidade
nacional e mundial, mesmo correndo o risco de contrairmos alguma entorse
mental ao debruçarmo-nos sobre as coisa da política...A mundial e a outra.
Ora é verdade que dada a
minha condição de alienígena do Grupo não tenho nos meus ADN gravados os nomes
de todos os participantes. Mas o sentimento de bem-estar e acolhimentos eram
totais e com que simpatia e contagiante afeto revivo este pequena comunidade de
calorosa amizade de que acabo por fazer parte.
E nosso convívio atinge o
seu termo com as juras de que
haveremos de voltar a encontra-nos.
Este o meu testemunho do
acolhimento caloroso que no Grupo de Jovens tem a sua particular e apreciável
expressão, sendo que é quase impossível não sair sem uma atitude de simpatia
quase estética por parte destes Amigos.
Fernando Bastos Silva